E tudo começou ali, e terminou.

O túmulo na minha frente não havia nada, a não ser o nome da família, "Saint-Claire". Havia uma rosa branca lá, como de costume. Do meu lado, uma outra tumba, onde era difícil ver o nome de quem se tratava. Uma donzela da mesma idade que eu na época deixou lá uma rosa vermelha, e se ajoelhou do meu lado pra começar a rezar pela pessoa que ali estava. Disfarcei e voltei a prestar atenção no túmulo de meu irmão mais velho, já morto, na minha frente. Meus olhos lacrimejaram, mas eu teimava em segurar para nenhuma lágrima cair. Sem notar, a mulher do meu lado se levantou e me dirigiu algumas palavras.

"Então aí que está seu irmão, aquele que foi julgado como um grande traidor.", disse ela, com uma frieza ímpar. Virei na hora e quase bati nela, mas parei, pois nem com o meu movimento brusco a havia assustado. "Não fale do meu irmão na minha frente!", gritei. Não sabia, mas a partir daquele momento as engrenagens das nossas vidas começariam a girar unidas, até adquirir uma velocidade insana, e então de súbito, parar abruptamente. Ela caminhou alguns passos até se aproximar de mim, e me encarou com aqueles olhos escuros e densos. "Você é realmente muito sentimentalista. Não faz muito o meu estilo, mas devo admitir que seja único e curioso.", disse ela num tom que eu entendi estar repleto de sarcasmo, embora ela não demonstrasse nenhuma emoção. "Você só pode estar brincando comigo, agora vai dizer que eu sou um babaca expressivo é?", disse eu com bastante fúria ainda.

Ela virou-se pra mim e me encarou. Eu fiquei calado, acho que de alguma forma ela me passava algum tipo de medo. Minhas mãos começaram a tremer, e eu pensei que ali algo iria acontecer comigo, afinal estava sozinho no cemitério e ela aparecera como que brotasse do ar. "Não. Estou apenas dizendo que é o seu estilo, é algo da sua personalidade, embora eu preze muito mais o racional, o seu estilo emocional é bastante interessante."
Até hoje eu não entendi o que ela quis dizer.

Eu tinha então meus dezenove anos, e havia ingressado no mesmo ramo de serviço que meu irmão fazia, assim como eu. Pra minha surpresa, ela era um ano mais nova que eu e era irmã caçula da família de três filhos da esposa do meu irmão. Eu nem gosto de lembrar o que aconteceu em 1997, mas as cenas nunca sairão da minha mente. Lembro-me do nosso antigo chefe enviando-nos para "um serviço diferente e desafiador", que se viesse à tona, abalaria muitos lugares. Até aí, tudo bem. Se não fosse o fato de eu ter que trabalhar com ela.
"Não! Não é possível!! Eu me recuso! Ela é totalmente diferente de mim, e porque diabos eu tenho que dividir glória com uma mulher tão fria e calculista como ela?!", disse eu aos berros. Observava nosso chefe com nós dois na sua frente, em sua sala de reunião, apenas fitando-a, como se perguntasse a ela o que achava disso, e ela disse calmamente "Não vejo motivos para me opor. Acho que podemos trabalhar bem juntos". Mesmo eu não querendo, fui obrigado a cooperar, afinal não era uma pergunta se eu queria ou não, e sim uma ordem para trabalharmos juntos.

Disfarçaríamos como um casal italiano visitando alguns parentes. Sem filhos, e casados há três anos. Encarnaríamos duas pessoas de vinte e cinco, embora na época sequer houvéssemos atingido os vinte. Enquanto estávamos no navio, cruzando o oceano em pleno pôr-do-sol, virei pra ela na parte de frente do navio e pude ver os olhos dela de um vermelho tão puro e lindo que eu ainda procuro essa cor por todos os cantos, embora nunca tenha encontrado. "Acredito que será difícil nossa convivência dado ao meu jeito de ser. Porém, podemos tentar. Dizem que pessoas diferentes se complementam, e mesmo com esses meses de convivência pude perceber isso. Mesmo que tenhamos que ficar muito tempo nesse 'disfarce' acho que será interessante. Até que a morte nos separe.". Até que a morte nos separe. Depois de ter dito isso eu virei de costas pra ela e comecei a chorar. Na verdade até hoje eu escondo todo meu choro.

O primeiro passo foi dado. Sequer eu havia percebido, mas a frieza dela me cativava cada vez mais. Sempre dormimos juntos, embora nunca tenha acontecido nada além disso. Passávamos a noite encostados numa parede sentados, um do lado do outro, contando estórias de nossas vidas. Via que ela sempre ouvia muito bem, mas sequer falava dela. No fundo, acredito que o nosso amor era puro como de duas crianças, recheado de intimidade e uma inocência ímpar. Éramos exatamente um o oposto do outro, eu era o sentimentalista bobo, e ela a frieza encarnada.

Nunca a vi chorar. Raras vezes a vi sorrindo. Percebia que cada vez que a nossa convivência aumentava mais ela tentava demonstrar seus sentimentos, e eu cada vez conseguia um pouco dessa frieza dela. Nada de muito exagerado, a frieza dela me ajudou a controlar melhor meus sentimentos. Sei que o meu sentimentalismo a ajudou a ser mais sociável e confiar mais nas pessoas.

Sequer imaginava como aquilo terminaria. E menos ainda imaginei que teria outro túmulo para eu visitar todo ano, a não ser o do meu irmão.
Continua...

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