Quem sou eu?

Acordei num salto, literalmente pulando da cama.

Tinha algo arranhando minha garganta fortemente, parecia algo como uma faca entrando na laringe. Estava suando frio, e na escuridão do quarto mal consegui achar a maçaneta da porta. Não sabia onde estava, aquilo tudo parecia um sonho, no caso, um pesadelo. Fui correndo tropeçando pelo corredor até o banheiro, não havia ninguém na casa, a não ser eu e ela. Meu corpo tremia, estava todo adormecido. Via viagens estelares em meus olhos, vias intergaláticas tingidas de verde e borboletas.

Liguei a luz e abri o armário de remédios do canto procurando algo. Não encontrei, e pensava que havia deixado lá. Começava a faltar o ar e caí de joelhos no chão. Nada mais parecia real, tudo girava. O chão em azulejos parecia um imenso tabuleiro de xadrez, minhas pernas estavam adormecidas e me pareciam puxar pra baixo, me fincando no chão. Tombei meu corpo e lá fiquei.

Fiquei assim uns dez minutos. Mas pareciam horas.

Sentia cada uma das minhas respirações. Uma hora vi algo se mexendo lá longe. Uma trilha, uma linha, eram pequenas formiguinhas vencendo a barreira da parede, lentamente subindo com sabe-se lá o quê. Comecei a ouvir o mundo, percebi que a torneira pingava. Ao longe pela janela eu percebia a garoa fina e chata daquele lugar.

E fiquei lá, parado, estático. Observada o mundo ao meu redor e voltava a si. Já respirava mais tranquilo, mas meus olhos haviam começado a lacrimejar, e meu corpo tremer pelo frio que fazia aquela madrugada. Até ela chegar na porta do banheiro com aquela cara de sono e me olhar.

"Levanta daí". Disse apenas isso, em tom imperativo. Na hora não acreditei, embora estivéssemos vivendo praticamente juntos, jamais recebera um carinho e poucas palavras dela. Era puramente profissional e nada mais que isso, e apenas eu que me iludia, tamanha frieza por parte dela. Porém ela estaria preocupada de alguma forma comigo naquele momento? Tantas coisas passaram pela minha cabeça que fiquei com os olhos fixos nela, que virou as costas e estava voltando pro seu quarto.

Foi aí que, já recobrado do choque, tentei perguntar: "Me diga antes, por favor. Me diga quem eu sou!". E então ela parou com a mão na parede e virou pra trás. Seu cabelo bagunçado, suas olheiras que nunca sumiam e aquele corpo fino e esguio virou em minha direção, mas ela sequer olhou pra mim, que ainda estava deitado em posição fetal no chão. Porém, aquelas palavras ficaram de alguma maneira.

"Você é emoção, eu sou a razão. O que me falta em força de vontade, você carece de paciência". E depois entrou no quarto e ainda falou, mesmo difícil de ouvir consegui entender algumas coisas: "Você é o impulso, quando tem que bater, você bate. Quando tem que defender um amigo, você defende. Quando alguém trai, se você não bate é porque a pessoa não vale nem ser cuspida e você apaga da sua existência. Eu apenas existo. Você embora sofra e dê risadas, é o que pessoas chamam de 'viver'...".

E exatamente quem mais vive, é quem mais não tem vontade de viver. Pois não encontra valor nessa vida. Ainda fiquei alguns minutos, achei alguns comprimidos, calmantes ou psiquiátricos, joguei-os no vaso sanitário e dei descarga. Isso é, até a próxima compra.

Porquê? Queria experimentar um pouco dessa insanidade que todos falam.

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