Doppelgänger - #36 - Branco como a neve.

Agatha estava no banheiro passando uma água nos ferimentos. Como era novembro, a água estava gelada, o que aliviava as dores do punho pesado de Victoire.

Enquanto isso, Victoire estava no hall, observando se alguém iria aparecer lá. Realmente eles não tinham muito tempo.

“Victoire, Agatha!”, gritou Nezha, entrando na casa pela porta de trás.

“Nezha! Onde você estava?”, questionou Victoire.

“Desculpe, me perdi de vocês. Onde está a Agatha?”.

“É uma longa estória. Viu se tinha policiais vindo atrás da gente?”

“Acho que eles estão vindo pra cá. Precisamos dar o fora rápido!”.

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Os três pegaram um ônibus em direção à estação de Cockfosters. Por ser um local público, seria um pouco mais difícil encontrarem eles junto da multidão. O tempo estava passando, e já eram 13h. Às 16h o Ar estaria em Canary Wharf, do outro lado de Londres, e eles deveriam correr.

Porém, justo na estação Cockfosters, tinham vários policiais. E eles pareciam ficar de olho em todas as pessoas que chegavam à estação. Sem dizer uma palavra, é claro, para não causar furor nas pessoas. Aquilo fora divulgado apenas como medida de segurança trivial.

“Merda...”, disse Agatha, “Temos que ir pela Westpole. A estação Oakwood fica meio longe, mas acho que lá deve estar mais tranquilo pra andar”.

E eles viraram na Cockfosters Road em direção à Westpole Avenue. Mal haviam andando alguns metros na rua quando o celular de Victoire tocou.

“Alô?”, atendeu Victoire.

A pessoa do outro lado da linha falava francês. Com um bocado de sotaque, mas falava.

“Allô? Pourrais-je parler à mademoiselle Victoire?”, era uma voz masculina.

“Qui diable êtes-vous?”, respondeu Victoire, grossa.

 “Mademoiselle Victoire”, a voz prosseguiu, ainda em francês, “Sou um amigo de Al. Me chame de Neige [se pronuncia: né-je]”.

“Neige...? Neve? Como conseguiu esse número? Como sabe do Al?”, continuou Victoire. A conversa toda se deu em francês.

“Sou amigo dele. Ele pediu pra que eu desse uma mão pra vocês enquanto ele está em treinamento. Quero que me ouça com atenção, pois se você não me seguir corretamente, temo dizer que você corre perigo de vida”.

“Do jeito que eu tô fudida, agradeceria se alguém realmente me desse um tiro na testa”, desabafou Victoire.

Agatha e Nezha olhavam pra Victoire caminhando e falando no celular. Não sabiam quem se tratava, mas pela cara de Victoire aquele momento não era o melhor para receber uma ligação dessas. Andavam discretamente entre as pessoas, mas apertando o passo cada vez mais.

“Vocês estão indo pra Canary Wharf encontrar o Ar, certo? Acontece que isso é uma armadilha. Löfgren foi coagido a mentir pra vocês, e vocês vão cair na armadilha dele. Porém, eu tenho um plano pra surpreender o Ar, você pode confiar em Agatha e Nezha?”, disse Neige.

“Sim. Apenas o segundo deu um sumida, mas acho que foi nada demais”, disse Victoire.

O silêncio tomou conta da linha. Victoire ouvia um teclar vigoroso do outro lado da linha. Aparentemente Neige estava usando um computador.

“Fale apenas pra Agatha”, disse Neige, “Tente não contar ao Nezha. Não tenho certeza, mas por via das dúvidas, esconda essa ação nossa dele”.

E Victoire ouviu o plano todo. Realmente esse tal de Neige parecia ter arquitetado uma excelente ação.

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Já nos trens da Picadilly Line, Victoire havia chamado Agatha pra uma rápida conversa e contou tudo pra ela sobre o plano, e sobre esse tal de Neige. Agatha também não havia entendido porque não contar a Nezha, mas também achou muito suspeito ele ter sumido por tanto tempo do nada.

Olhando pela janela, Victoire via seu reflexo. Era uma moça jovem e bonita ainda, em meados dos seus trinta anos. Abrira o celular e vira uma foto que tinha de Al. E pensara ainda nas coisas que Agatha havia lhe dito.

Realmente, ele não a amava. Como Al poderia amar a pessoa que lhe infectou com o vírus que estava envelhecendo suas células? O coração de uma mulher frequentemente engana elas mesmas.

Ela queria ser a princesa que faria a fera se tornar o príncipe. Via que ela mesma nutria essa idealização. Pelo amor, mudar uma pessoa, e tornar a pessoa que nunca sentiu nada por ela – que apenas a usou – na pessoa que a amaria verdadeiramente. Mas Al nunca a amaria. Al ainda tinha uma cicatriz aberta muito grande desde a morte da garota do cabelo cor-de-beringela. Aquela era a mulher da vida dele, e não Victoire.

Mas como viver uma nova vida? Enquanto se olhava no espelho refletia. Se sentia velha. Velha pra iniciar um novo amor. Mas ao mesmo tempo pensava:

Será que esse affair entre eu e Al pode ser considerado um... Amor?

Eu acho que devia dar ouvidos à Agatha. Eu mesma estou me iludindo. Eu deveria me dar uma nova chance, achar alguém que realmente me ame, e que não me use apenas pra uma noite. Acho que nutrir isso pelo Al era uma forma minha de fugir da realidade, pois eu nunca confiei muito em mim. Tanta mulher bonita por aí, nunca me senti merecida por alguém.

Mas em algum momento eu achei que isso era correto. Mas será que é mesmo? Agatha está sozinha, e parece bem mais feliz que eu. Acho que o meu caso não seja ficar sozinha. A “velha” também me deu uma chance para que eu recomeçasse minha vida. E tudo o que eu fiz foi me fechar pra muitos caras legais e ficar amando o Al de uma forma platonicamente doentia.

Não consigo colocar a culpa dele. A culpa toda é minha.

Não sou presa à ele.

“The next station is King’s Cross St-Pancras”, a locutora do trem anunciou.

“Vamos descer aqui pra trocar de linha, certo?”, disse Victoire, chamando os outros dois.

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