Doppelgänger - A história dentro da história (7)

Olá, meu nome é Victoire Blain. Sou francesa, mas atualmente moro no Reino Unido.

Embora eu use o sobrenome “Blain”, eu sou uma filha bastarda. Minha mãe era uma moradora na pequena cidade de Rennes-le-château, no sul da França. Era uma moradora comum, que trabalhava de garçonete num restaurante na cidade. Um dia, o patriarca dos Blain estava passando na cidade a negócios, e não resistiu aos encantos dela. Na mesma noite ela foi pra cama com ele, e, acabou engravidando de mim. O homem resolveu pagar uma pensão pra minha mãe, mas não me registrou. Minha mãe, uma mulher pobre, sem muitas perspectivas, acabou aceitando.

Sempre achei minha mãe uma fraca. Não queria ser como ela. Eu queria muito sair de Rennes-le-château e ir para o mundo, mas eu também tinha medo. Até que conheci Émilie Blain, minha meio-irmã mais velha, e naquele tempo, a única família que eu tinha.

Foi numa visita de negócios. Émilie veio junto de dois irmãos, e queria conhecer a menina que havia nascido de mais uma das peraltices do pai dela. Émilie embora fosse herdeira, era muito responsável e queria estar a par de tudo. Eu não tinha nada dos Blain, minha feição era totalmente diferente. Meus cabelos eram escuros, meus olhos eram arredondados, e eu tinha maçãs no rosto bem acentuadas. Não sei o que dizer mas algo na Émilie bateu forte em mim. Eu era filha única, sempre quis ter irmãos, e Émilie era minha meio-irmã. Era uma pessoa muito gentil, trocamos contato, ficávamos conversando durante horas a fio. Acho que foi recíproco. Volta e meia ela nos visitava, e quando eu ia crescendo mais tempo íamos ficando juntas. Chegamos até a viajar juntas pelo sul da França.

Eu nasci em 1979. E em 1988 teve o Expurgo de Arch. Eu tinha apenas nove anos. Durante muito tempo tentei ligar pra Émilie, mas nunca mais ela atendera. Émilie acreditava tanto em mim que havia até mesmo deixado uma gorda poupança para meus estudos. Começou a rolar vários boatos, e os dias se transformaram em semanas, as semanas em meses, os meses em anos. Em 1994 fui ao encontro dos Blain, em Paris, buscar notícias da minha irmã mais velha, Émilie. Todos eles foram muito antipáticos comigo, e com um olhar de ironia me falaram algo que me choca toda vez me lembro:

“Ela foi morta”.

Não me deram mais detalhes. Mas naquele momento eu havia jurado a mim mesma que iria achar o culpado e fazer ele pagar tudo. Só precisava encontrar um jeito. Em 1996 conheci Francesca Vittorio, casualmente, uma vez enquanto ela visitava a cidade onde eu morava. Ela dizia que sabia quem eu era. E que conhecia minha irmã, Émilie. Em uma conversa em minha casa ela mostrou papéis e fotos da pessoa que havia matado minha irmã. Era um jovem inglês, um ano mais velho que eu, que era irmão mais novo do Arch. Todos o conheciam como “Al”.

Desde aquele momento tudo o que eu pensei foi nesse tal de Al. Entrei no ramo da biologia, e estudei sem parar engenharia biológica. Todos os professores me elogiavam, diziam que eu deveria ter algo muito forte dentro de mim que me deixava daquele jeito, obstinada. Devorava livros e teorias, estudava matérias e discutia com phDs em pé de igualdade, mesmo eu sendo apenas uma bacharel. Muitas teorias deles, inclusive, foram estudadas por mim. No final de 1999 eu havia criado em laboratório uma nova forma de vida. Fazendo uso de engenharia genética e um amplo laboratório numa das mais renomadas universidades francesas, eu criei uma poderosa arma letal biológica.

O apelido do vírus era “AL1996”. Era um vírus inteligente. Não era contagioso, mas fazia alterações em células específicas do corpo. O HIV, por exemplo, ataca as células que comandam o sistema imunológico, deixando-o sem “comandante” das tropas de leucócitos que protegem o corpo. Logo, embora a pessoa tenha células de defesa, elas não conseguem propriamente defender o corpo de invasores. O HIV é um vírus inteligente, e resolvi criar um outro vírus inteligente. O AL1996 atacava diretamente os hormônios de crescimento, radicais livres, e criando mutações hormonais, causando envelhecimento precoce das células. Quando foi testado em ratos, a forma mais severa do vírus chegou a reduzir a vida do rato em 80%, fazendo-o morrer de velhice após mal entrar na fase adulta. A parte mais difícil estava feita. Agora era só dar um jeito de injetar isso em Al.

Nesse meio tempo pesquisei também quem era o Al. Vi que era um agente muito novo, na época trabalhando para a Inteligência Britânica, além de fazer uns bicos dentro da Interpol. Meu plano era entrar dentro da Interpol como membro do corpo médico, e quando encontrasse com o Al enfim ele estaria nas minhas mãos e eu teria minha vingança. A vingança que eu estava sedenta por três longos anos.

Nisso contei com a ajuda da Francesca Vittorio. E em pouco tempo já havia conhecido o Al. Inclusive estávamos juntos na mesma unidade. Tudo aconteceu muito rápido.

Na minha primeira oportunidade que tive de encontra-lo foi ainda em 1999. Al era apenas um jovem de vinte anos, e estava seguindo os passos do Arch, seu irmão mais velho. Fui fazer um check-up nele, mas o ódio que havia dentro de mim era incontrolável. Era aquele homem que havia matado minha amada irmã, e agora finalmente depois de anos eu estava na frente dele! Mas eu não poderia mata-lo com um tiro, menos ainda o estrangulando. Eu queria fazê-lo sofrer. Sofrer cada segundo por ter matado minha irmã. Fazer ele sofrer a mesma coisa que eu sofri todos esses anos sem ter um chão. Fazer ele sofrer muito até enfim ele morrer. E ter a pior das mortes: envelhecido, doente e incapaz.

Naquele mesmo dia eu injetei o vírus nele. Disse que era apenas um reforço de vacinas. Cheguei em casa e ria à toa. Me tranquei no banheiro e chorava de felicidade, como se aquilo fosse um imenso presente para minha irmã! Ela estava vingada, agora era só questão de tempo! Enfim ele iria morrer! E eu estaria assistindo de camarote tudo aquilo.

Porém, eu estava no time dele. E deveria trabalhar com o Al. Naquele tempo ele estava em busca da Dawn of souls, e nem era casado ainda com a “menina do cabelo cor-de-beringela”, embora os dois estivessem trabalhando juntos (Al não gostava do jeito frio dela, já ela detestava o jeito emotivo do Al). Um dia eu e Al fomos jantar juntos, estávamos cansados depois de um dia de investigação, e paramos num pub londrino pra beber algo e comer.

Foi a primeira vez que eu tive chance de conversar com o Al. Naquele dia eu fui tomada pela surpresa. Pesquisei muito sobre ele, mas quando o vi, vi que ele não parecia com aquela pessoa que eu imaginava que era. Al era uma pessoa triste – triste por ter perdido seu irmão mais velho, triste por ser chamado de “irmãozinho do traidor”, triste por ter que sujeitar ao mesmo destino, triste por nunca poder ter conseguido juntar os pedaços do legado do seu irmão mais velho. Acima de tudo ele era uma pessoa doce... Não tinha nada a ver com o demônio que eu havia criado. Parecia que a pessoa que eu havia pego ódio, aquela que eu havia injetado o vírus, era uma pessoa, e o Al na minha frente era outra pessoa. Ficamos conversando bastante, nem vimos o tempo passar. E sei que foi difícil pro Al também, porque ele odeia franceses. E eu sou francesa. Mas ele me tratou com muito respeito, ainda me levou pra casa. Foi um cavalheiro.

E naquela noite fiquei pensando muito. Um lado meu não conseguia imaginar que era ele quem havia matado minha irmã. Oras, ele sabia quem eu era! Sabia que eu era uma Blain. Pelo menos eu imaginava que ele soubesse. Mas a vida deveria continuar, e teríamos ainda muito trabalho pela frente. Muitas vezes eu encontrava ele sozinho nos pubs perto da Scotland Yard depois de um dia de trabalho. E muitos dias ficávamos lá conversando e bebendo uma pint de Guiness.

Ele ainda não era casado com a garota do cabelo cor-de-beringela. E nós éramos jovens. Foi difícil segurar. Um dia, meio bêbados, ele me disse umas coisas muito bonitas.

“Sabe, Victoire. Nós vivemos na Inteligência, podemos ser mortos a qualquer momento. Nossa vida é de caça e caçador. Não acha que isso cansa às vezes? Nós nem sabemos que acontecerá conosco no dia de amanhã. Por isso, gostaria muito de fazer o dia de hoje valer a pena. E acho que não teria forma melhor de fazer isso do que transformando essa noite em algo... Inesquecível para nós dois. E amanhã de manhã quando acordássemos juntos, saberíamos que nada disso era um sonho”.

E então Al me beijou. Meu deus, que beijo! Eu posso sentir a língua dele ainda hoje, era tão macia e quente... Os lábios dele não eram melados como de outras pessoas, e eu podia sentir ele perdendo o ar junto comigo. A mão dele firme na minha cintura, e o seu rosto macio enquanto eu massageava o cabelo preto dele. Aquele beijo foi tão bom! Eu mal havia beijado alguém, e ainda era virgem. Todos os anos da minha juventude gastei enfurnada em livros para descobrir uma maneira de mata-lo e agora eu estava beijando-o como se não houvesse amanhã!

Estendemos a coisa pela noite, e posso dizer que no começo eu estava com muito medo. Era minha primeira vez, e havia ouvido falar que doía, saía sangue. Mas o Al foi muito gentil. Fomos para a minha casa, tomamos um banho juntos. Não havia rolado nada a não ser mais beijos, e depois que estávamos secos fomos pra cama. Al tomou todos os cuidados, foi um grande cavalheiro comigo. Acho que nem ele tinha tanta experiência também, a diferença de nossa idade era pouca. Muita gente reclama que a primeira vez não foi boa, mas eu fui pro paraíso e voltei! Tudo aquilo me dava prazer, Al lambia meus seios tão gentilmente, sem os apertar, fazia muito carinho. E mesmo na hora que veio pra penetrar, foi devagar. Estava com medo que eu sentisse alguma dor, mas o que eu queria era aquilo! Queria aquele homem dentro de mim, queria sentir todo aquele tamanho, queria saborear cada centímetro daqueles quase dois metros de altura.

Aquilo não era apenas sexo. Aquilo era aquela reação biológica que até então conhecia como “amor”. E eu estava amando aquele que eu achava que era o algoz da minha irmã, mas não conseguia deixar de amá-lo por nenhum segundo que fosse. Passamos a noite juntos diversas vezes depois, e depois do êxtase, daquele abraço e beijo com aquela troca de fluidos e gozo, eu pousava a cabeça dele no meu ombro e pensava: Porque tinha que ser você?

Agora eu não o queria ver morto. Queria ter ele nos meus braços.

Não! O que eu pensava? Al deveria ser morto. Ele matou minha irmã!

E foi exatamente o que eu revelei pra ele. Logo depois que encontraram a Dawn of Souls, ainda em julho de 2000, eu revelei tudo pro Al. Disse que havia mesmo inserido um vírus poderosíssimo nele, pois eu sabia que era ele que havia matado minha irmã. Mas para a minha surpresa, Al desmentiu tudo. Nunca havia matado a irmã, na verdade ela estava viva, ele a havia encontrado há poucos anos atrás.

Ele me mostrou evidências, e eu as confirmei. Minha irmã Émilie realmente estava viva.

E eu, nada mais poderia dizer, nem sabia onde enfiar minha cara. Havia colocado um homem inocente na forca. Eu havia sido enganada. E além de tudo, com o vazamento da Dawn of Souls, todas as atividades tiveram que ser restritas, muitos agentes tiveram que sumir do mapa, ou foram mortos. E Al teve que partir pro exílio com a garota de cabelo cor-de-beringela. Eles se casaram de maneira forçada, e fiquei sabendo que ainda assim o Al foi muito feliz com ela. Talvez tenha sido a única mulher que ele amou... Pois eu sei que ele nunca poderia me amar. Justo eu, a pessoa que decretou sua morte.

Mas ainda assim, seu sabor era tão bom. Meu coração é de uma idiota. O único homem que me apaixonei, eu insisto em dizer que é apenas ele que pode me completar.

Talvez eu seja uma idiota mesmo, me deixo levar, não querendo sair da minha zona de conforto, sem querer buscar uma outra pessoa. Mas como a própria Agatha disse, tudo isso é culpa minha. Projetei minha felicidade como se o Al fosse o único homem da Terra. Eu devo me amar antes de alguém me amar. Eu devo me amar, antes de amar outra pessoa. Saber dar uma chance pro novo. Não achar que o príncipe encantado é o primeiro carinha que a gente fica. A vida é pra ser vivida, é pra errar, para amarmos as pessoas, darmos chances para quem está no nosso lado, apostar no desconhecido.

Eu idealizei muito o Al. Fui como uma menina que se apaixona loucamente por um cara na primeira vez que o vê. Isso não é amor. Amor verdadeiro é quando você conhece tanto os aspectos bons e ruins da pessoa e ainda assim você aceita viver ao lado dessa pessoa aja o que houver na vida.

Espero que consiga fazer isso e seguir em frente. Nós mulheres somos mesmo um bicho complicado. Passou vários caras no meu retrovisor, muitas pessoas legais, mas não dei chance pois estava me “guardando” para alguém que jamais viria atrás de mim. Nunca o Al foi um canalha, eu que fui uma errada em deixar essa coisa toda acontecer e ficar fugindo de tudo, pois nunca quis encarar a verdade. Só eu sou responsável pela minha felicidade, se eu culpasse o Al, eu seria uma fraca. Seria uma menina virgem de treze anos, e não uma mulher madura.

E agora estou aqui, chegando na casa dos quarenta, e em relacionamentos me comportando como uma menina de treze anos. Não me dei chance para me amadurecer. E agora, o tempo passou, as outras possibilidades passaram, e a idade chegou. E agora? Será que eu ainda tenho tempo?

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