Doppelgänger - #138 - DEICIDIUM III

“Cala a boca, Al. Vê se cala essa sua boca!”, gritou Ar.

Com os últimos servidores do VOID destruídos, o fogo de alastrava cada vez mais. Os dutos não estavam mais sugando a fumaça pra fora.

“Tá vendo isso, seu idiota? Olha o que você fez!”, gritou Ar, todo machucado, “Era o VOID que estava tentando me proteger jogando a fumaça toda pra fora. Nós dois morreremos aqui! Merda! Porque esses sprinklers não foram ativados? Merda, merda, merda!!”, Ar gritava várias vezes a última frase.

Não havia muito tempo. Al olhava a fumaça que começava a se acumular no topo do local. Os dois morreriam ali, sufocados, no mínimo. Teriam sorte se não fossem carbonizados também.

“Já que não temos muito tempo, acho que te devo também falar sobre a pessoa que você nunca conheceu, pra fechar isso. Meu irmão mais velho e o seu pai, Arch”, disse Al.

“Eu já te mandei calar essa boca!! Cadê a porra da minha arma?”, disse Ar, procurando a arma, mas naquela escuridão alaranjada das chamas era impossível ver qualquer coisa.

“Ar, me machuca muito ver você usando o Arch pra justificar esses seus atos impensados. Você nem mesmo chegou a conhece-lo! Quando você nasceu, Arch já estava morto. E quando ele morreu, você ainda estava na barriga da Émilie ainda”, disse Al.

Ar virou o rosto pra baixo. Seus olhos estavam começando a arder por causa da fumaça. Deu um grito e avançou em uma cabeçada novamente contra Al, que estava distraído e acabou desviando, mas por muito pouco. Ar escorregou e caiu no chão, deslizando, mas sem encostar nas chamas.

“ARGH!!”, gritou Al.

Mas para Al foi pior. Seu corpo foi acometido por uma dor tremenda. Não parecia ser outro princípio de infarto, mas sim uma grande cãibra. Seu reumatismo havia atacado por conta do movimento brusco, além do cansaço e a pressão psicológica do momento. A dor o fez gemer alto e simplesmente travou seu corpo. Parecia ir da ponta do pé até o último fio de cabelo. Era uma cena grotesca.

Não, justo agora, não! Ahhhh, que dor terrível! Não consigo me mexer, minhas costas...!, pensou Al. Mas a dor era tão grande que dominava seu corpo. Mais um sinal grave do envelhecimento precoce que Victoire havia colocado nele, anos atrás, se manifestando.

“Ora, se nós dois vamos morrer aqui”, disse Ar, tossindo bastante por conta da fumaça, “Pelo menos vou te dar um presente e te mandar pro além antes de mim”.

Ar acabou caindo justamente ao lado da arma, que não hesitou em pegá-la. Al não estava se aguentando em pé, seu corpo parecia estar tomado por um espasmo, retorcido, sofrendo de dores terríveis. Al caiu de joelhos ainda com a mão na região das costas, tentando destravar aquela cãibra imensa.

“Você... Nunca conheceu... O seu pai”, disse Al, também com dificuldades pra respirar, “Se conhecesse, saberia... Meu irmão foi a pessoa mais bondosa do mundo. Ele nunca iria trabalhar em um plano que colocasse vida de pessoas em risco!! Mesmo que ele quisesse um mundo mais justo e livre, ele nunca faria isso causando guerras, fome, dificuldades econômicas nem nada do gênero!!”.

“Você quer destruir os planos dele!! São os sonhos de Arch que você quer destruir! O mundo que ele sempre sonhou que existisse que eu vou ajudar a construir! Você merece morrer, seu merda!!”, disse Ar, que também não tinha muita coragem de atirar contra seu tio, que pra ele, era como um irmão mais velho que ele nunca teve.

Al olhava para aquele cano em sua direção. E nesse momento olhou pra cima e lembrou de Arch.

Al sentia que Arch era como a sua própria sombra projetada no chão em um fim da tarde. Por mais que ele corresse, jamais conseguia alcançar. Sua sombra sempre estaria lá, na sua frente, em um local impossível de se conseguir chegar.

E lembrou de que em diversos momentos desde que havia perdido seu irmão, pensava consigo mesmo: Será que meu irmão resolveria isso como?

Arch, com sua bondade, havia deixado um rastro de amor e admiração de diversas pessoas. Pessoas como Agatha e Lucca, entre tantas outras. Talvez Lucca nem tanto, pois havia sofrido lavagem cerebral, mas Agatha sempre admirou muito Arch. Mesmo depois que Al a prendeu, anos atrás, isso não diminuiu o que ela sentia por Arch. Pessoas que foram tão tocadas pela sua bondade, que jamais foram para a escuridão novamente uma vez que haviam encontrado a luz que era Arch em suas vidas.

“Não, Ar. Eu não concordo com você”, disse Al, em lágrimas, tomado por lembranças do seu irmão que tanto amou.

Seus músculos vibravam de dor, a tal cãibra era uma dor inexplicável naquela hora. Al olhou pra cima e viu seu irmão. Ele era como um anjo, tinha lindas asas douradas.

Mesmo se fosse pra morrer ali, Al não iria morrer de cabeça baixa, rendido. Não era assim que seu irmão queria que ele morresse. Arch o ensinou valores como confiança, amor, respeito e sabedoria. Colocou uma perna, usou todas as suas últimas forças e foi se erguendo. Lentamente. Nem mesmo Ar conseguia acreditar naquilo. Al ainda estava com a mão nas costas, soltando gemidos de dor cada vez mais sonoros, mas ainda tomava forças de algum lugar. De alguma convicção. De alguma certeza que estava escrita em seu coração.

“Não, você tá errado!”, disse Al, enxugando as lágrimas, “Você não conheceu o meu irmão, cara!”, brincou Al.

“O quê?”, disse Ar.

“Tudo bem, pode ser até que meu irmão tivesse um plano desses de querer fazer uma sociedade livre e justa para todos, onde todos tivessem liberdade, uma vida confortável e que todos se ajudassem. Mas, conhecendo meu irmão como eu conheci, não tenho dúvidas de qual seria a reação dele agora, nesse momento, lá do céu olhando pra gente, mesmo em lados opostos”, disse Al.

Nessa hora Al sentiu que Arch estava olhando pra ele, de onde quer que ele estivesse. E viu seu irmão mais velho sorrindo pra ele.

Al virou e olhou Ar no fundo dos seus olhos. O olhar do seu rosto mostrava uma determinação inabalável:

“Mesmo que eu fosse contra os ideais do meu irmão, eu não tenho dúvidas que ele me respeitaria e até me apoiaria, mesmo assim! Meu irmão nunca me chamaria de traidor, ou diria que eu iria contra os planos dele! Arch era a pessoa mais bondosa e generosa desse mundo, e mesmo que o seu próprio irmão estivesse em um lado oposto, ele nunca faria nada que me deixasse triste. Arch jamais me condenaria por não o seguir. Meu irmão sempre apoiaria pessoas que pensassem por si mesmas, pessoas com mentes livres, opinião própria. Acima de tudo me respeitaria...”, disse Al, com dificuldades em respirar, por conta da fumaça.

Ar desengatilha a arma. O clique era sonoro, mesmo naquela fornalha. Al resolve então concluir suas palavras, mesmo com o oxigênio acabando, e cada vez mais sem forças, tomado pela dor:

“...Pois o Arch que conheci nunca censuraria ninguém, nem mesmo quem tivesse um pensamento oposto dele! Não me venha dizendo que meu irmão está com raiva de mim, pois você nem sequer o conheceu! Meu irmão me apoiaria, mesmo que eu tivesse uma opinião que fosse contra os propósitos dele! Você é a última pessoa desse mundo que não pode falar sobre ele, Ar. Pois se você o conhecesse mesmo, saberia que mesmo que seu objetivo fosse o mesmo que o dele, os meios que você usa pra chegar nele são completamente ilegais, antiéticos e imorais! E meu coração, que sempre esteve ligado com meu irmão, sabe que mesmo que eu tenha que lutar pra proteger o seu legado de pessoas como você que tentam manchar o seu nome, mesmo que seu objetivo seja o mesmo que o dele, Arch estaria do meu lado mesmo assim!”, concluiu Al.

A fumaça já estava praticamente na cabeça deles. Já estava ficando difícil manter-se acordado. O oxigênio estava acabando, a visão ficando embaçada, e sem dúvidas o primeiro a cair seria...

BANG!

O tiro de Ar acertou Al em cheio, que caiu de joelhos no chão.

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