Amber #85 - Aos pés do Monte Lu.

21 de outubro de 1939
07h47

Na sua mão Schultz tinha um jornal britânico do dia anterior. Após ler a notícia de que o Papa Pio XII havia condenado em sua encíclica o racismo a ditaduras, logo de início Schultz não acreditou no que lia. Parecia que o deus dos católicos queria desafiar a figura divina de Adolf Hitler. Embora fosse completamente ateu, ao contrário de Briegel que era um católico fervoroso, Schultz achou curioso o que aconteceria se esses dois deuses entrassem em confronto.

Interessante. Então basicamente ele quer dizer que não existem diferenças raciais, pois nós, sendo da raça humana, formamos uma unidade, pois somos todos descendentes de Adão. Poxa, é um discurso bem bonito, e é muito bom ver um Papa criticando o nazismo, mas seria péssimo ser descendente de um cara que só usava uma folhinha pra tampar o bilau e conversava com uma cobra que oferecia maçãs, pensou Schultz, dando um risinho no final. Deixando o jornal de lado ele se ergueu e olhou pela janela.

Ele havia acordado de levantar, e estava completamente nu, exatamente como ele sempre dormia, todas as noites. Ao longe Schultz via o lindo Monte Lu, em Jiangxi. Aquelas montanhas, todas cobertas de vegetação, rasgando os céus no meio da neblina da manhã. Era uma paisagem que ele nunca havia visto na vida. E junto do ar puro e a atmosfera do local, aquilo tornava uma verdadeira visão do paraíso. Ele estava em um casarão abandonado, que Tsai Louan reformou, improvisando como uma base temporária, criando a moradia perfeita, apesar de estar no meio do nada. Já fazia mais de um mês que Schultz se propôs a treinar a unidade de Tsai. Mas até aquele momento não eram todos que haviam ingressado.

Completamente nu, Schultz foi até o espelho. Aquela rotina de exercícios e comida saudável havia mudado muito seu corpo. Aquela barriguinha presente por conta das comidas e cerveja na Alemanha havia sumido, dando lugar a um tanquinho e mais músculos. Não havia muito a fazer, exceto sexo com as garotas da vizinhança (asiáticas que nunca tinham visto um cara loiro antes), treinar os poucos membros que Tsai havia juntado dos originais participantes de sua unidade, e também fazer exercícios físicos. Por mais que fosse puxado, ele estava gostando de tudo. E gostava de ver os resultados no espelho.

Ih, isso vai dar problema... Pelo visto tenho que entrar com antibiótico pra cuidar desse bichinho de goiaba aqui no meu peru, pensou Schultz ao verificar seu pênis. Havia uma feridinha, como se fosse uma espinha. Sem dúvida aquilo era fruto de uma das suas saideiras com as mulheres da região, praticando sexo sem proteção. Ainda era inicial, ele havia percebido no dia anterior, então ainda era fácil tratamento.

“Senhor Schultz, cheguei!”, disse uma mulher, entrando no local. Schultz se virou, e mesmo sabendo que estava completamente nu, fingiu que havia esquecido esse detalhe, querendo mesmo aprontar. A chinesa ao ver Schultz pelado na frente, tomou um pequeno susto, mas depois sabia exatamente do que se tratava, “Bom, a tática do homem peladão não vai funcionar comigo, senhor Schultz. Sob nenhuma hipótese o senhor vai me comer. Eu trouxe a penicilina que o senhor me pediu, mas porque raios o senhor precisa de uma coisa dessas?”, disse a chinesa, mas quando viu a ferida no pênis de Schultz ligou uma coisa a outra.

“Trouxe mesmo, Chou? Nossa! Você me quebrou um baita de um galho! Vamos, vamos, aproveita que eu tô pelado e espeta logo no bumbum”, disse Schultz, se virando pra ela. Chou pegou uma seringa e a preparou com a penicilina, desinfetando com um algodão a nádega de Schultz, “Fala sério, eu sei que você sempre quis apertar meu bumbum!”.

Mas Chou ignorou completamente e espetou sem hesitar a seringa em Schultz. Ao sentir a dor, inevitavelmente ele soltou um pequeno urro de dor.

“Seu chinês está cada vez melhor, senhor Schultz. É admirável que em tão pouco tempo o senhor aprendeu tão bem. Talvez alguns sons e sotaque possam melhorar, mas é impossível não ficar abismada com a sua proficiência”, disse Chou, que depois de injetar o medicamento, tirou a seringa de Schultz, que soltou outro gritinho de dor, junto de alívio “E sim, seu bumbum pode até ser bonitinho, mas acho meio quadrado demais pro meu gosto. Gosto de homens com bumbum redondinho”.

“Poxa, você devia ter avisado que ia me espetar!”, disse Schultz, acariciando seu bumbum. Ao se virar pra Chou, ainda pelado, viu que ela estava sentada num banco na sua frente com um bloco de papel e uma caneta em mãos, “Opa, você poderia aproveitar que já está aí na posição e me fazer um carinho lá embaixo, o que acha?”.

“Senhor Schultz, eu sei muito bem o que é gonorreia. O senhor foi medicado e logo vai passar, mas pelo visto o senhor andou fazendo gracinhas com as donzelas do vilarejo local. Quero que você coloque o nome de quem você transou para que eu possa injetar alguns antibióticos nelas”, disse Chou, sem achar graça nenhuma na tentativa de Schultz de ganhar um boquete.

Ao pegar o caderno, Schultz escreveu alguns nomes. Quatro na verdade.

“Algumas eu esqueci de pedir o nome! Eu lembro dessas aqui, serve?”, disse Schultz, entregando o bloco para Chou. Ao ler, a indignação era clara no rosto dela. A próxima coisa que Schultz se lembra é da mão dela indo de encontro com seu rosto, dando-lhe um belo dum tapa.

“Seu sem-vergonha! Fica se aproveitando das mulheres daqui, as enganando! Quantas mentiras você anda contando pra ir pra cama com elas? Elas também devem estar louquinhas pra transar com um germânico loiro igual o senhor! E se por acaso uma delas engravidar? Eu sou a médica local, acha que vou ficar por aqui realizando partos assim de maneira adoidada daqui a nove meses?”, disse Chou, enquanto Schultz ainda estava zonzo por conta do tapa. Por mais que tivesse doído, ele sabia no fundo que merecia.

“Mas eu sempre gozo fora! Elas nunca vão engravidar!”, disse Schultz, com metade do rosto vermelho por conta do tapa de Chou.

“Gozar fora? Esse é o seu método contraceptivo?”, disse Chou, pegando suas coisas pra se retirar, “Francamente, senhor Schultz! Sua maturidade é de um adolescente que acabou de descobrir o que é sexo! Trate de vestir algo e ir encontrar a Gongzhu. Ela a essa hora já deve estar treinando a coreana naquela campina ao sul daqui. Eu vou ter que passar de casa em casa no vilarejo aqui perto buscando as damas que o senhor levou pra cama pra saber se não acabaram contraindo gonorreia dessa sua rola!”, disse Chou, se retirando da casa.

Mas Schultz rapidamente se levantou e abraçou Chou por trás. Apesar dele estar pelado, não tinha malícia. Chou conhecia Schultz muito bem, e sabia que só ele sabia dar aquele abraço fraternal agarrando seus ombros. Era o mesmo jeito que o pai dela fazia com ela – só que com roupas, é claro.

“Chou Aijiao, minha fofinha!”, sussurrou Schultz no ouvido de Chou, “Você é minha melhor amiga aqui no meio do nada! Vai, diz que não ficou com raiva. Você sabe que eu não tenho jeito! Eu sou assim, não faço por maldade!”.

Chou nessa hora se virou para Schultz. Ela era uma chinesa jovem, bem atraente. Não era alta como Tsai, mas era magra e tinha um corpo bem distribuído. Ao contrário de Tsai que tinha os olhos mais redondos e largos, ela tinha os olhos um pouco mais achatados e lábios mais finos. E as sardas no rosto davam aparência de ser ainda mais jovem do que realmente era. Formada em medicina há alguns anos, virou grande amiga de Tsai, apesar de ser seguidora fiel de Mao Tsé-tung. Chou é comunista, e acreditava com todas suas forças que seria o regime vermelho que salvaria a China depois que se livrassem do Japão. Muitos a chamavam de “médica das trincheiras”, pois além de ajudar a recuperar pessoas feridas em batalhas, ainda era imbatível contra inimigos usando sua arma favorita, a Fedorov Avtomat.

Ao mesmo tempo Chou rapidamente virou amiga de Schultz. O alemão achava incrível como apesar dela ser bem jovem, era também incrivelmente responsável. Chou a fazia se lembrar de Briegel, pois ela era idêntica a ele. Sempre tentando colocar algo na cabeça de Schultz, mesmo que muitas vezes isso já fosse algo fadado a falhar, pois tudo o que lhe falavam entrava por um ouvido e saía pelo outro.

“Hunf. Agora chega, vai! Óbvio que eu não tô com raiva de você!”, disse Chou, ainda olhando torto para Schultz, “Agora vê se põe uma roupa pra ir encontrar a Gongzhu! Senão eu vou contar tudinho que você sente por ela!”.

“Ei, ei, ei! Eu disse que isso não, né Chou!”, disse Schultz, ligeiramente perturbado, “E vê se fala baixo, vai que alguém ouve! Eu te revelei isso porque você é minha brother, poxa! A Tsai não vai gostar nem um pouquinho se souber que eu gosto dela! E eu também não sou um cara de relacionamento monogâmico”, nessa hora Schultz se preparou pra terminar sua fala de maneira altiva, colocando a mão na cintura e erguendo a cabeça: “Eu sou do mundo, e o mundo é meu! Meu amor é para todas as donzelas da face da Terra!”.

Mas nessa hora um sopro gelado passou, e deixou Schultz, que estava nu e do lado de fora da casa completamente arrepiado. E claro que isso teve consequências quase que imediatas em seu pênis, que encolheu um pouco.

“Bom, se for desse tamanho aí depois desse ventinho gelado, acho que as mulheres do mundo vão ter que repartir migalhas de ‘todo esse amor’ que você tem!”, brincou Chou, descendo, enquanto Schultz corria pra casa buscar algo pra vestir.

“É o frio, poxa! Todo pinto encolhe no frio, cacete!”, gritou Schultz enquanto entrava em casa.

“Não se esquece de ir encontrar a Gongzhu! Ela tá te esperando lá na campina!”, gritou Chou enquanto descia, indo embora.

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Já vestido, Schultz desceu e foi ao encontro de Tsai e Eunmi. Como a Chou havia dito, as duas estavam numa campina não muito longe dali, treinando. Conforme Schultz ia se aproximando era possível ouvir os sons de pancadas trocadas uma pela outra, e alguns eventuais gritos de dor soltados por Eunmi.

“Uau. Isso que é visão do paraíso”, disse Schultz, “Queria ter uma câmera, pois é sempre excitante ver duas mulheres se esbofeteando!”.

Tsai ao ver que Schultz havia chegado fez um sinal de pausa para Eunmi, que de tão cansada caiu deitada no chão, arfando.

“Descansa um pouco, coreana. Daqui a pouco tem mais”, disse Tsai, pegando uma garrafa com água para beber e jogando outra para Eunmi, “Recebeu o recado da Chou?”.

“Sim, recebi sim! Tô aqui ao seu dispor, princesa”, brincou Schultz, se curvando, “Mas se me permite dizer, vossa realeza, não acha que tá pegando pesado com a nossa amiguinha coreana não? Ela é mais baixa que você, e também mais fraca”.

“É um treinamento intensivo. Não dá pra arriscar ir pro meio no ninho dos abutres japoneses levando ela como peso morto. Ninguém está indo pra ser protegido”, disse Tsai, como se olhasse com orgulho para Eunmi, “Todos devem saber se defender para o caso de precisarmos, se formos pegos numa emboscada, por exemplo. Mas ela absorve tudo como uma esponja. Uma pena que ás vezes ela tem muita informação na cabeça, e não sabe ainda quando deve usar tal conhecimento. Mas isso se adquire na prática. Por isso não estou pegando leve com ela”, Tsai fez uma pausa, dando uns belos goles, quase virando a garrafa inteira em segundos, o que deixou Schultz impressionado, “O que realmente estou impressionada é como você dominou o chinês em tão pouco tempo. A Eunmi também tá falando quase perfeito, mas ela é asiática, tem meio caminho andado. Mas você está falando perfeitamente”.

Eunmi então se sentou, se virando pra eles. Ela estava completamente suada e com o cabelo despenteado. Além de terra e grama em todas as suas costas por conta de ter se deitado na grama.

“Eu ainda acho injusto eu praticar luta com alguém maior e mais pesada do que eu”, desabafou Eunmi, olhando pra Tsai, “Você tem quase um metro e oitenta, Tsai! Eu mal tenho um e sessenta! Como raios eu vou ganhar de você?”.

Tsai ouviu atentamente o desabafo da coreana. Confirmou com a cabeça e ficou pensando por um momento, e nesse momento seus olhos se encontraram com os de Schultz.

“Quanto você tem de altura mesmo, Schultz?”, perguntou Tsai.

“Mais ou menos um metro e noventa”, respondeu.

“E peso?”, perguntou Tsai.

“Uns oitenta e poucos, por aí”, respondeu.

Tsai então se posicionou mais perto de Eunmi, de modo que ela a conseguisse ver. Arregaçou as mangas e flexionou as pernas, virando-se de costas para Schultz.

“Veja só como se faz, coreana. Tamanho e peso não significam muita coisa quando se trata de técnica”, disse Tsai, se virando pra Schultz, “Venha, Schultz. Me ataque”.

Ao ver Tsai de costas, com a bunda virada pra ele, em uma posição vulnerável e pedindo para que Schultz a atacasse, foi como se um turbilhão de piadas surgisse na sua cabeça daquela situação. É claro que ele não poderia deixar aquilo em vão.

“Opa! Mas de qual jeito? De quatro? Papai-e-mamãe? Frango assado? Vaqueira?”, brincou Schultz e aproximando de Tsai, como se fosse abusar dela, “Minha nossa, eu sonhei tanto com esse momento que você fosse deixar eu...”

Schultz obviamente sabia exatamente do que se tratava, apenas estava se fazendo de bobo. Foi correndo fingindo ser um tarado atrás de Tsai e a agarrou pelas costas num abraço a segurando pela cintura. Tsai então rapidamente reagiu para lhe dar um golpe e joga-lo no chão, mas no milésimo de segundo que seus olhares se encontraram ela percebeu algo estranho quando seus olhos se encontraram com o de Schultz. O golpe foi finalizado com êxito, e facilmente ele foi jogado de costas no chão em um golpe arrebatador. Depois do impacto Schultz expressou a dor do impacto com um grito abafado e depois ficou sorrindo com os olhos fechados no chão.

“Você...?! Não me diga que...”, disse Tsai baixinho para Schultz. Ela percebeu que Schultz havia facilitado o golpe, praticamente oferecendo nenhuma resistência. Foi naquela pausa no meio do golpe que Tsai percebeu que ele havia facilitado as coisas.

“Poxa, maneira um pouco na força, princesa!”, disse Schultz, se sentando, “Assim você mata o papai aqui! Ai, ai, ai! Hahaha”.

Tsai ficou completamente desconcertada. Cruzou os braços e mudou a cara, ficando com uma expressão bem rígida, como se não tivesse gostado de nada. Do outro lado Eunmi, achando que o golpe dela tinha sido plenamente sucedido ficou boquiaberta ao ver a força que a chinesa tinha. Afinal ela havia derrubado um homem maior e mais pesado que ela com apenas um único movimento! Com os olhos arregalados e a voz cheia de empolgação, Eunmi disse:

“Eu entendi, Tsai. Realmente é possível sim derrubar alguém maior e mais pesado! Pode deixar que eu...”

“Não, Eunmi! Não foi nada disso, o Schultz ele...”, disse Tsai, e nessa hora virou seu olhar pra Schultz. Ele estava sentado na grama e sorrindo pra ela, mesmo lá de baixo. Quando os seus olhos negros se encontraram com os olhos azuis do alemão, parecia que aquela expressão e aquele sorriso ingênuo de alguma forma selasse aquele segredinho entre os dois.

E nessa hora Tsai se lembrou de algo que uma vez seu pai a havia dito. Que um bom companheiro não era apenas uma pessoa que você se apaixonaria, ou que você teria uma grande amizade. Mas seria uma pessoa que teria uma conexão tão única que mesmo apenas no olhar os dois saberiam exatamente o que dizer, sem expressar uma única palavra. E que não havia como ensinar isso, pois cada alma fala uma língua diferente. Mas uma vez em sintonia, não importasse a língua, apenas na troca de olhares os dois já teriam falado diretamente no coração do outro.

Tsai nessa hora ficou vermelha. Não era hora de pensar em namoro, ou relacionamentos. Ela era uma oficial de alta patente chinesa, não tinha tempo para essas trivialidades. Ela não conseguiu concluir sua frase pra Eunmi, e desmentir que aquele golpe não havia sido corretamente aplicado. Schultz ao ver que ela havia ficado encabulada, deu um riso e se ergueu.

“Me desculpa. É falta de educação minha ficar ‘encarando’ uma dama assim. Me desculpa!”, disse Schultz, se levantando. Schultz era o tipo de cara que nunca pedia desculpas para mulheres. Exceto se fosse uma desculpa esfarrapada para leva-las para a cama, mentindo. Ele tentava esconder, mas havia ficado encabulado com a troca de olhares com Tsai, apesar do clima que havia pintado ali.

Schultz não sabia descrever o que sentia por ela. Gostava de ficar com ela, mas não sentia apenas o tesão que sentia com outras. Parecia uma emoção que nem ele sabia direito descrever.

“Mas Schultz, mudando de assunto. Eu tenho um pedido pra você. Foi por isso que pedi pra Chou te mandar aqui”, disse Tsai, voltando ao assunto inicial da conversa, “Daqui a uma semana vai chegar mais uma pessoa do meu esquadrão. Ela vai vir de uma missão no oriente médio”.

“Puxa, que legal! Sabia que não podia ser apenas você e a Chou. Tô louco pra conhecer ela!”, disse Schultz.

“O nome dela é Li Yangan. Quero que você vá busca-la em Jiujiang e trazê-la aqui. Recebi hoje uma carta dela, atendendo ao meu pedindo de retorno. Logo teremos o time completo para irmos para a Coréia”, concluiu Tsai, se voltando para Eunmi pra continuar seu treinamento.

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