Amber - Ce soir, je serai la plus belle, pour aller danser.

4 de setembro de 1938
Em algum lugar perto da Suíça...

A festa de casamento de Alice Briegel foi pequena, mas incrivelmente divertida. Era um salão de festas pequeno, já que não haviam muitos convidados. Alice praticamente só tinha uns três convidados: eu, seu pai e o senhor Schultz. Já Max tinha muitos convidados, grande parte da sua família estava lá. Era em festas como aquelas que eu tinha noção exata de que era tolice generalizar todo o povo alemão daquela época. Haviam sim muitas pessoas que resistiam aqueles pensamentos retrógrados de Adolf Hitler. Uma minoria que a cada dia ia crescendo, em um silêncio ensurdecedor, que desafiava o autoritarismo e a restrição de liberdade de opinião impostas. Algo dentro de mim já naquele momento me dizia que de alguma forma eles seriam os responsáveis pra devolver a liberdade aquele país, cedo ou tarde.

Alice estava encantadora de noiva! Ela vestia um lindo vestido branco com uma calda. Ele cobria os ombros e tinham muitos babados, parecia alguém da realeza. Seu cabelo estava ricamente adornado com uma grinalda, e ela dançava e sorria como nunca ao lado do Max, que também estava muito feliz naquele dia. Eu estava sentada numa mesa, vendo todos dançando, sozinha, só observando.

“Olha, podem falar o que quiser desse cara, mas só alguém muito corajoso pra casar desempregado e sem um tostão no bolso!”, disse uma voz atrás de mim.

Na hora que virei, vi que era o senhor Schultz.

“Senhor Schultz!”, eu disse, na hora que vi que era ele. Ele sorriu e se sentou do meu lado. Já estava com o cabelo desarrumado e a gravata desatada. Além de duas garotas meio bêbadas ao lado dele. Sentando os três na mesa em que eu estava, não pude deixar de comentar com um tom sarcástico: “Pelo visto você tá se divertindo bastante”.

“Não tem noção do quanto! Casamentos são ótimos. Sabe, todo esse clima de amor, me faz pensar o quanto a vida é um sopro, e que somente temos uma chance de sermos felizes na vida”, disse Schultz, na maior cara de pau para as meninas, “E que temos que aproveitar do jeito que quisermos, sem nos preocuparmos com o que sociedade os outros vão pensar, não é mesmo, meninas?”.

Elas balançavam a cabeça e diziam sim, enquanto uma de cada lado abraçava Schultz e davam beijinhos em seu rosto. Eu via aquilo e realmente não sabia como reagir.

“Ei, Liesl, isso aí é champanhe? Você tem idade pra beber isso?”, perguntou Schultz.

Nessa hora peguei a taça e virei ela de uma vez só.

“Não sei do que está falando, senhor Schultz. Esse copo claramente está vazio”, eu disse, brincando. Eu já estava ficando meio tonta já. Talvez seja por isso que adultos podem beber. Às vezes só com a cara cheia que a gente pode encarar a realidade.

“Rapaz, você é pequena mas pelo visto é forte na bebida!”, disse Schultz, tentando falar no meio de duas mulheres que estavam se esfregando ao mesmo tempo nele, “Porque não vai dançar, menina? Quem sabe você termina a noite bem, tipo eu aqui!”.

“Não é bem isso que eu quero, senhor Schultz”, eu disse, tímida, “Não sei dançar”.

“Ei, mas não tô falando com qualquer um. Eu tô falando de tirar ‘ele’ pra uma dança”, nessa hora Schultz deu uma piscadinha, “Vai lá, coragem! Vai na brincadeira, ele vai cair direitinho!”, disse o senhor Schultz, enquanto se levantava com as mãos na cintura das duas mulheres, “Eu vou ali com elas tomar um ar e já venho. Veja se não vai encher a cara, sim?”.

Eu apenas confirmei com a cabeça e vi o senhor Schultz partindo. “Tomar um ar” era uma expressão que o senhor Schultz usava no lugar de “receber um boquete”. Mais umas duas músicas passaram e eu apenas observava as pessoas. A banda fez uma pausa, disse que voltaria em alguns minutos, aproveitei pra ir pegar algo para comer. Quando me sentei, alguns momentos depois, o coronel Briegel apareceu com uma mulher. Ela era muito parecida com ele, ela loira também, tinha os olhos claros, e ao se aproximar sorriu pra mim. Parecia ser pouca coisa mais nova que o coronel Briegel, e estava com um lindo vestido dourado. Será que ela era uma namorada que eu não conhecia? Eu lembro que a vi na cerimônia na igreja e tudo mais, e via que muitas vezes o coronel ia ficar ao lado dela. Apesar do coração batendo a mil tentei me manter calma.

O coronel Briegel tomou a frente para me apresenta-la.

“Liesl, quero apresentar a Teresa”, disse Briegel, apontando pra ela. A tal Teresa então estendeu a mão para mim, “Minha irmã mais velha, Teresa Briegel. Essa é minha pupila, Liesl Pfeiffer”.

“Irmã?”, eu disse, apertando sua mão, “Nossa, você é linda! Puxa, pensei que você fosse uma namorada, ou algo do tipo do coronel!”.

“Prazer, senhorita Liesl!”, disse Teresa, sorridente, “Olha, vou te contar um segredo: quando meu irmão tinha uns vinte anos e não tinha sorte com as mulheres, eu que fingia ser namorada dele pra chamar a atenção das outras! Esse aí sempre foi uma desgraça com a mulherada!”.

“Ah, vocês sempre colocam minha moral no lixo! O que minha pupila vai pensar de mim agora?”, disse Briegel, dando risada, “Bom, vou deixar vocês duas conversando! Vou pegar algo pra beber”, disse Briegel, indo até a mesa de bebidas. Teresa sentou na mesma mesa que eu estava.

“Ficou lindo esse casamento, não?”, disse Teresa, com uma taça de vinho branco na mão. Ela sentou-se de lado, cruzando as pernas. Ela era realmente alguém muito elegante. Me fazia parecer uma pirralha com o cabelo desgrenhado.

“Sim! Ficou mesmo! A Alice pensou nos mínimos detalhes”, respondi. Mas tinha um assunto que eu devia tocar, “O coronel quase nunca fala da família dele. Eu ouvi falar que tinha muitos irmãos, mas você é a primeira que eu conheço”.

“Ah, o Roland não se dá bem com todos. O pai é um psicopata doente, nunca teve limite pra rigidez dele. Meu irmão sofreu muito nas mãos dele. A irmã mais velha, a Brigitte, é outro demônio em pessoa. Eu sempre fui muito amiga do meu irmão. Acho que de alguma forma ele me tem como uma figura materna, sei lá. E tem dois gêmeos caçulas, que nossa mãe acabou falecendo logo após dar a luz”, explicou Teresa.

“Entendi. Mas o nome da mais velha é Brigitte mesmo? No estilo francês?”, perguntei.

“Sim! Na verdade meu nome não é Teresa, mas como o Roland me chama assim aqui na Alemanha, então ficou assim. Meu nome de batismo mesmo é Thérèse Briegel”, ela disse, e na hora eu fiquei espantada. Tudo parecia se encaixar.

“Nossa, que coincidência! Roland, Brigitte, Thérèse. Todos os nomes são em grafia francesa. Tem um motivo?”, perguntei, curiosa.

“Claro! Nosso pai é alemão, mas nossa falecida mãe era francesa. Ela era de uma família bem nobre da França. Uma pena que nenhum de nós temos o sobrenome chique dela!”, brincou Teresa.

“O coronel Briegel nunca me contou isso! Que ele era meio francês! Ele nem parece, tem todo o jeitão alemão e tal. Se me permite a pergunta, qual era o sobrenome de solteira da sua mãe?”, perguntei.

“Sério que ele nunca contou? Quando ele era criança ele teve muita dificuldade pra falar alemão, ele só falava francês! Todos nós somos fluentes nas duas línguas, isso sem contar o resto que ele aprendeu, claro”, explicou Teresa, sorrindo, “O nome completo de mamãe quando era solteira era Dominique d'Uston de Villeréglan”.

“Que difícil! Vou pedir pra você escrever isso depois, hahaha!”, eu brinquei, e Teresa também riu. Nós duas criamos um elo de amizade quase que instantâneo.

“Francês é difícil, não é mesmo? Mas uma vez que aprende, fica difícil se esquecer. Tenho uns membros da família morando na parte francesa da Suíça, faz um tempo que não conversamos, mas devem estar todos bem. Eles se lembram bem de como era mamãe!”, disse Teresa, com os olhos marejados. Ela estava se lembrando de sua mãe.

“O coronel não se lembra muito, mas pelo visto você tem muitas memórias dela”, eu disse, colocando minha mão sobre a dela, “Se não se sentir bem de falar sobre, não tem problema”. Me lembro que nessa hora Teresa me olhou com o olhar cheio de lágrimas.

“Roland não tem memórias da mamãe. Brigitte é dez anos mais velha que ele, e eu sou apenas um ano mais nova que Brigitte”, disse Teresa. Nessa hora eu fiz as contas de cabeça: se o coronel é de 1895, Brigitte nasceu em 1885 e Teresa 1886, “Parece que perder a mamãe me fez guardar todas as memórias no meu coração, como um tesouro imenso. Um tesouro que me faz manter ela viva dentro do meu coração", Teresa pegou um lenço e limpou uma lágrima que teimava cair.

“Eu sei exatamente como você se sente. Perdi meus pais há pouco tempo”, respondi. Ela ficou espantada, “Eles eram judeus. Foram enviados a campos de concentração”.

Teresa ficou em silêncio. E por um momento ficou me olhando, parada. Acho que ela nunca imaginou que teria na sua frente, no casamento de sua sobrinha, uma judia que estava sobrevivendo aquele inferno que a Alemanha estava se tornando. Fiquei um pouco constrangida, e virei o rosto, tentando desviar o olhar. Mas então ela se ergueu da cadeira e me deu um abraço, emocionada.

“Perder uma mãe já é uma dor imensa. E você perdeu seu pai também, e os dois tiveram um destino triste”, nessa hora Teresa se afastou, e pude ver que seus olhos estavam ainda marejados, “Não consigo achar que minha dor seja maior que a sua. Você é realmente uma pessoa muito forte”.

Eu não sabia o que responder. Eu não me achava tão forte. Infelizmente essa coisa aconteceu na minha vida e eu tinha que seguir em frente mesmo assim. Se eu fosse morrer amanhã ou depois, pouco me importava. Até seria bom, de certa maneira. Se reencarnação existisse, seria uma nova chance. Mas Teresa era realmente uma ótima pessoa. Em meia hora de conversa parecíamos amigas há anos, mesmo com a diferença de idade. Teresa era jovial, parecia realmente mais nova que o coronel, linda, educada, polida. Tanto quanto Alice é. É um desses exemplos que eu queria seguir e me tornar quando adulta.

“Tia Teresa! Eu nem te cumprimentei ainda!”, disse Alice, se aproximando depois de mais uma dança. Ao seu lado estava Max, já sem o paletó e a gravata torta, “Estou muito, realmente muito feliz que você veio!”, nessa hora ela deu um beijinho na bochecha da tia, que sorriu ao sentir o carinho de Alice.

“E eu ia perder o casamento da minha sobrinha favorita?”, brincou Teresa, “Senta aí vocês dois! Descansem um pouco!”.

Alice e Max pareciam dois pombinhos! Os dois carinhosos um com o outro, grudados, trocando beijinhos. Pareciam realmente um casal que se amava muito. Alice se sentou entre eu e Teresa, e Max puxou uma cadeira e ficou abraçado com ela de costas, na altura dos ombros dela. Enquanto eu e Teresa batíamos papo, os dois ficavam trocando sussurros, carícias, e olhando para todas as outras pessoas na festa.

“Querido! Olha só quem está ali perto do bolo!”, disse Alice, apontando com a cabeça. Eu consegui ouvir e olhei para onde ela estava apontando. Não tinha a mínima ideia de quem era, “É o Heiner! A gente namorou um tempo atrás. Como ele é o costureiro do vestido, convidei ele pra vir hoje!”.

Max viu o tal Heiner e deu risada. Tanto eu quanto Teresa ficamos em silêncio aguardando o que ele iria dizer.

“Puxa, ele é bonitão! Ainda bem que vocês terminaram. Se você estivesse casada com ele, você seria esposa do costureiro”, brincou Max, mas Alice virou o rosto arqueando as sobrancelhas de forma irônica enquanto olhava para Max:

“Nada disso. Se eu estivesse ainda com ele, seria ele que seria o maior empresário de toda a Alemanha”, disse Alice, como se ela estivesse prevendo o futuro. Coincidência ou não, depois que os dois se casaram Max teve uma ascensão meteórica. Em semanas já estava figurando entre as listas dos empresários mais bem sucedidos em pouco tempo da Alemanha, e em meses já era um dos homens mais ricos da Europa.

Talvez muitos diriam que Max teve sorte. Ou que ele trabalhou duro para conquistar tudo o que plantou. Mas eu, que vi ele sair de um mero desempregado, casando sem um tostão no bolso e menos ainda um emprego, se tornando em pouco tempo um dos maiores empresários da Europa, só tenho mesmo que dar os méritos à Alice. Ela é o tipo de mulher que incentivaria o que há de melhor no seu companheiro, e não importasse com quem casasse. O que importava era ter alguém como Alice do lado. Alice é a mulher que levaria qualquer homem ao topo do mundo. Uma pena que nasceu numa época tão conturbada da humanidade. Não tenho dúvidas que ela brilharia ainda mais em épocas de paz.

A hora foi avançando e muitas pessoas já estavam indo embora. O senhor Schultz já estava beijando a décima terceira da noite, Teresa, Max e Alice estavam em altos papos do meu lado, e cada vez mais haviam menos pessoas naquele pequeno salão naquele lugar longe de tudo. Era possível ver um lago no fundo do salão, do outro lado desse lago já era a Suíça.

“A senhorita pode me dar a honra da próxima dança?”.

Na hora que virei tomei um susto! Era o coronel Briegel! Ele havia estendido sua mão e estava sorrindo. Apesar de já ter passado muito tempo da festa, ele estava do mesmo jeito que havia chegado.

“Ah, coronel, eu não sei dançar, me desculpa!”, eu respondi, vermelha da cabeça aos pés. Me levantei da mesa e tentei fugir de lá, mas o coronel insistia:

“Eu também sou horrível na dança! Mas olha, um monte de gente foi embora, a gente pode pagar esse mico juntos!”, e novamente o coronel usou aquele sorriso encantador dele. O sorriso que eu nunca conseguiria negar um pedido, “Eu prometo que não vou pisar dos seus pés”, e novamente ele me estendeu a mão.

E o que eu fiz? Dei minha mão a ele. Rapidamente nos colocamos em posição de dança, ele esticou o braço e tocou minha cintura com a outra mão. Meu coração disparou na hora, e eu nem lembrei de colocar minha mão no ombro dele!

“Vem cá, coloca essa mão aqui em cima”, disse Briegel, colocando minha mão no seu ombro, “Agora vai ficar mais fácil. Vamos apenas nos deixar levar pela música, sim?”, e a música começou. Bem lenta e aos poucos foi tomando velocidade, enquanto Briegel me conduzia pelo salão, “Não fica nervosa, pode pisar no meu pé que eu aguento!”.

Eu flutuava no ar. E me sentia bem. Esta noite eu serei a mais bela para ir dançar. Para melhor expulsar essas que você amou. Esta noite eu serei a mais tenra, quando me disser, todas as palavras que quero ouvir, murmuradas por ti.

Briegel era cheiroso. E eu, perdida em meus pensamentos, coloquei minha cabeça no seu peito. Acho que nunca havíamos estado tão próximos. Talvez pra ele isso era apenas uma brincadeira, dançar junto de uma adolescente, como se não fosse nada sério. Mas para mim isso tudo era a realização de um sonho.

E naquela noite, sendo levada pelo coronel pela pista de dança, eu vi que eu não queria mais sonhar que estávamos juntos e acordar sozinha sem ele. Queria viver ao lado dele uma realidade, um amor, e a noite dormir em paz, sabendo que pela manhã ele estará ao meu lado, e não mais precisaria de sonhos para tocá-lo, acaricia-lo, e viver ao lado dele a realidade que eu tanto sonhei. E eu lutaria com todas as minhas forças para tornar isso uma realidade. Mesmo que tivéssemos que viver um amor no meio de uma guerra.

Eu não conseguia fazer nada a não ser sorrir. Minha vida depois da morte da Maggie teria sido um inferno se eu não tivesse tido tanta sorte. É verdade que teve muita luta, muito trabalho e a saudade de toda minha família é algo que dói no mínimo uma vez, todo santo dia. Mas o destino me colocou Alice, senhor Schultz e o coronel Briegel na minha frente, e eu sou extremamente grata a isso.

Debaixo daquela lua azul eu sorria, embalada pela dança ao lado do homem que eu mais amava. Provavelmente as pessoas ao redor viam apenas um velho dançando com uma adolescente sem compromisso, passos atrapalhados, meio duros. Mas pra mim aquela era a dança da minha vida. Era a dança que eu iria lutar para que se repetisse mais e mais vezes, por toda minha vida.

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