Amber #112 - Improvável rendez-vous (2)

“Puxa, algo pra falar comigo?”, disse Tsai, dando um sorriso, “Então agora mais do que nunca temos que sobreviver na luta contra aquilo”, e então Tsai olhou para o estranho ser que cuspia fogo demoradamente, “O que quer que ‘aquilo’ seja”.

“As balas vão funcionar”, disse Schultz, “A Ho tem muitas balas, vai conseguir acertar. Eu sei a fraqueza desse monstro, é atirar nas junções dessa armadura. Eu já fiz isso antes”, nessa hora Tsai olhou para Schultz, assustada, “É, longa história! Depois eu conto!”.

Tsai desceu rapidamente na frente de Ho. O chão já estava ficando cheio de buracos, todas balas ricocheteando para os arredores próximos, acertando as árvores, solo, gramado, chamas, tudo o que havia ao redor do ser que cuspia fogo. Ela se aproximou dela e deu a dica que ouvira de Schultz.

“Ho, acerte as articulações! As balas vão entrar no vão, e vamos conseguir neutraliza-la!”, disse Tsai, e Ho imediatamente mirou no local que seria o ombro do ser bípede, e Tsai ordenou: “Continua atirando!!”.

E Ho com a ajuda de Huang que a ajudava a recarregar sua metralhadora atirou sem piedade no local que Tsai indicara. E estranhamente o ser que cuspia fogo havia parado de manter a pose estática, estava sendo empurrado, reagindo, mexendo os membros superiores!

“Está dando certo!!”, disse Huang, vendo os movimentos, “Vamos conseguir!!”.

E então algo aconteceu. O ser que cuspia fogo abriu os braços, e então um som ensurdecedor grave dominou o local, e de dentro das turbinas dos seus braços saíam labaredas, que não se comportavam como uma lança-chamas normal. As chamas pareciam um ciclone, se contorcendo num jato, saindo dos dois braços que estavam abertos. O barulho, as chamas, a baforada de calor, tudo aquilo foi muito súbito, assustando todos ali, que tentaram buscar abrigo.

Era um verdadeiro rugido do dragão.

“Não pode ser!”, exclamou Schultz ao observar a armadura do ser que cuspia fogo, “As balas não fizeram absolutamente nada! Nem mesmo danificaram a armadura!”.

“Caralho, do que é feito essa merda?”, perguntou Huang, sem acreditar. Saldaña e White se ergueram, as chamas ao redor estavam cada vez mais fortes, depois dos dois ciclones de chamas que saíram dos braços então, o calor era imenso, parecia que eles estavam todos assando vivos. Até respirar doía dentro do peito, de tão quente.

“Não queremos ferir vocês. Apenas queremos Saldaña e White”.

Schultz olhou para os lados. Era uma voz muito estranha no meio daquele barulho imenso de estar numa floresta sendo arrasada pelo fogo. Tsai e os outros também pareciam igualmente confusos. Era uma voz extremamente clara, soava como a composição de mais de uma voz falando em uníssono, portanto era complicado definir se era uma voz masculina ou feminina. O que era confuso era que a voz era muito clara, como se não fosse possível ouvir de onde vinha. Uma voz onipresente, impossível de se definir a fonte.

“Hã? Ouviram isso?”, perguntou Ho, confusa.

“Desistam de Saldaña que iremos sem combater. Mas caso decidam combater, não pararemos até seu extermínio total”.

“Heh... Palavras como ‘extermínio’ são aterrorizantes por si. Seguidas de um ‘total’ só mostra que você não está aqui para brincadeira, seja lá o que você for”, brincou Huang, “Eu estava cagando para esses dois aí. Mas depois dessa ameaça, eu não consigo pensar na possibilidade de os devolver para vocês”, os olhos de Huang pareciam desafiadores: “Vocês vão ter que vir pegar!”

Espera aí, porque usou o plural, quando disse que queriam Saldaña e que iriam sair sem combater? Existe outros desses? Eles possuem uma ligação? Pelo visto houve uma evolução desde o último encontro. Como se a falha das junções estivesse sido consertada, pois nenhum tiro funcionou. A área foi visivelmente reforçada!, pensou Schultz.

O ser que cuspia fogo não respondeu Huang. Aquele monstro sequer tinha expressão. Na verdade até mesmo uma cabeça convencional era difícil de enxergar nele, embora tivesse algo ali que indicasse uma cabeça, por ser bípede. O monstro flexionou os membros inferiores e apontou as turbinas do braço para o chão, e então o som do rugido foi ouvido novamente, e chamas começaram a ser lançadas para o chão, que pareciam se espalhar pelo solo, querendo dominar todo o local, queimando todo mundo de baixo para cima.

“Merda. Só se um meteoro cair aqui que a gente se salva!”, disse Schultz, colocando a perna para tentar se levantar.

Aquilo era realmente algo amedrontador. Ninguém nunca havia visto algo como aquilo, e aquele ser tinha um poder de destruição inigualável comparado com qualquer arma que o ser humano havia criado desde então. Huang puxou White pelo braço, enquanto Ho puxava Saldaña. Tsai deu apoio a Schultz para se erguer e todos começaram a fugir.

Quando o monstro cuspidor de chamas percebeu a fuga de todos, aumentou ainda mais o barulho e o nível das chamas, mas então uma explosão aconteceu, empurrando o monstro ao chão. Tsai, carregando Schultz, virou para trás para ver o que havia acontecido, sem entender. Mais uma explosão aconteceu, o acertando em cheio, e Tsai e Schultz viram que um míssil tinha vindo de cima, do céu.

“Tsai, vamos subindo, não para aqui!”, alertou Schultz, “Olha ali! São japoneses subindo!!”.

E então mais dois ou três mísseis vieram do céu, acertando em cheio o monstro que cuspia chamas, e então Tsai se escondeu no topo do aclive com os outros, observando tudo o que acontecia com o monstro lá de cima.

Diversos japoneses apareceram armados, atirando granadas, dando tiros contra o monstro, que já estava se erguendo.

“Explosões! Talvez eles tenham uma chance. Olha ali, Schultz!”, disse Tsai, apontando para um veículo militar que estava já bem próximo do local onde o monstro das chamas estava.

“É um caminhão de artilharia britânico. Uma arma antiaérea, que lança mísseis”, disse Huang, reconhecendo logo de cara o que era, “Isso aí é peça de museu. Os japoneses não tinham algo mais moderninho não?”.

“Seja peça de museu ou não, causou um belo estrago”, disse Tsai, mas a verdade era que mesmo que houvessem soldados em número muito maior, nada garantia que eles venceriam.

Na realidade, nada garantia que eles sairiam dali vivos.

O ser que cospe chamas então se ergueu, e no meio daquelas árvores pegando fogo começou a apontar as turbinas nos braços e disparar um jato de chamas sem dó contra todos os soldados japoneses, que instantaneamente viam seus corpos em chamas, e uma cena horrenda se desenrolou ali na frente de todos.

A verdade é que o ser humano capta o ambiente da maneira que bem entende. O som grave que o monstro emitia ao lançar as chamas dominava o local, mas conforme os soldados japoneses iam sendo queimados vivos, o agudo dos seus gritos desesperadores se tornava mais e mais audível. Corriam de um lado para o outro pedindo por ajuda, agonizando enquanto seus corpos eram consumidos pelas labaredas cuspidas pelo monstro, que ia os matando sem dó.

Temendo por suas vidas, alguns soldados começaram a fugir, mas o ser que cuspia chamas parecia os rastrear com eficiência total. Ele posicionava os braços no chão e um jato de chamas o impulsionava para cima, que uma vez no ar abria asas retráteis, e descia precisamente em cima dos soldados em um rasante, e então vários pontos em chamas eram vistos, um após o outro, no meio daquele morro. O monstro subia, voava uma distância, e descia em um assalto implacável, massacrando um após o outro.

E junto das mortes, obviamente viam os gritos. Gritos cheios de terror e dor, que tiravam qualquer honra ou heroísmo de se lutar uma guerra. Aquela era uma chacina. Uma chacina causada por um ser que era infinitamente mais forte do que qualquer pessoa ali jamais poderia ser. Era a covardia. Era o que a guerra tinha de mais medonho, de menos heroico, e de mais doentio.

Schultz, Tsai, Ho e Huang estava paralisados com a cena que viam.

“Inacreditável”, disse Schultz, “Mas ainda existe uma pessoa. Não tinha uma pessoa dentro do caminhão de artilharia?”.

E então, quase como se ouvisse Schultz, o monstro foi até onde estava o caminhão. Flexionou o braço para trás e deu um potente soco na porta, a amassando com uma força sem igual. Deu mais um soco, e no terceiro, a porta já havia caído, amassada como papel. Lá dentro um japonês estava aterrorizado, chorando, com o semblante expressando o pânico iminente da morte.

“Não, aquele monstro não vai fazer isso”, disse Ho, sem acreditar na cena brutal que estava prestes a acontecer, “Vai, foge, foge, foge!”.

O japonês num gesto de desespero então sai correndo do assento do caminhão de artilharia desesperadamente, esbarrando com o ombro do monstro, mas apenas o soldado foi quem foi levado ao chão. O monstro das chamas permaneceu por alguns segundos estático, ainda voltado para o caminhão antiaéreo. E então, ainda sem se virar, ergueu o braço na direção do soldado nipônico, e mais uma baforada de chamas foi lançada, o consumindo vivo.

“Não, não, não pode ser. Não acredito!”, disse Ho, em choque depois de tanta brutalidade. Era verdade que todos aqueles soldados eram seus inimigos, mas a cena, e as circunstâncias de tudo o que aconteceu, deixava esse fato de serem inimigos como apenas um detalhe. Apesar de tudo eram vidas. Vidas arrasadas de maneira implacável e impiedosa, por uns monstro que desafiava qualquer capacidade humana.

“Eles não mereciam isso gente. Eles não mereciam ter morrido assim”, desabafou Tsai, tão chocada como todos os outros ali.

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