Amber #121 - O vermelho e a verde.

6 de dezembro de 1939
22h40

“Pronto, já tomou os analgésicos? Isso vai ajudar a aliviar a dor da costela quebrada”, disse Tsai, enquanto Schultz bebia o copo d’água com os comprimidos.

“Pensei que se enfaixava e colocava gesso, igual quando a gente quebra o braço!”.

“Não, para costela quebrada é indicado ficar tomando uns analgésicos para dor e deixar que o corpo se encarregue de grudar os ossos”, disse Tsai, deixando o copo em cima da mesa, “Tome cuidado com movimentos bruscos, e tente achar uma posição confortável, de preferência do lado oposto de onde você quebrou. Logo, logo você estará bem”.

Schultz, ainda sentado na cama, sorriu nesse momento para Tsai. O que havia naquele sorriso? Seu olhar era de uma profunda felicidade, os seus olhos brilhavam. Brilhavam de uma forma que nunca uma mulher havia visto aquele brilho no seu olhar. Tsai vestia um pijama de seda chinês azul esverdeado lindíssimo. Basicamente era uma calça e uma camisa estilo chinês, como esses que vemos em filmes antigos, e por ser de seda, com certeza daria para sair de casa tranquilamente para fazer compras no dia seguinte apenas colocando alguns adereços. Schultz estava apenas com uma calça branca de algodão, sem camisa. O rosto de ambos era iluminado por uma vela, colocada no criado-mudo ao lado da cama do alemão.

“Eu não sabia que até de medicina você sabia. Com certeza você ensinou tudo a todos, inclusive medicina para a Chou”.

“Não, nada disso. Sei apenas o básico. A Chou ralou muito pra conseguir o diploma de médica, e ainda mais para ser médica militar. A sorte é que estamos dividindo o teto com um líder proeminente, e aqui na base dele tem um pouco de tudo”, disse Tsai, e nesse momento ela mudou pra um tom mais brincalhão: “Isso porque você não conhece a base do pelotão do Pássaro Vermelho! É tão grande quanto!”.

“Hã? Como assim? Não é aquele lugar que você treinou a Eunmi?”.

“Não! Olha, estamos no norte da China. A tartaruga negra é a constelação do norte. O Pássaro Vermelho é a constelação do Sul, então escolhi e criei uma base em Nanning, a cidade verde”.

“Verde? Mas não tem nada a ver com o Pássaro Vermelho”.

“Bom, se eu escolhesse uma cidade com ‘vermelho’ no nome iria ser muito óbvio. E verde tem a ver com vermelho também. São as cores complementares. O vermelho complementa o verde, mesmo sendo opostas”.

Nessa hora Schultz confirmou com a cabeça, olhando para o lado, sorrindo. A vela estalou nesse momento, mas ainda duraria um bom tempo. Os dois ficaram quietos, Tsai em pé olhando Schultz, e ele sentado na cama, preenchido por uma gratidão enorme por viver aquele momento. Por estar ali naqueles minutinhos vivo, depois de tanta coisa. E também por ter cruzado o mundo e ter encontrado uma mulher como aquela. Uma mulher que não o fazia sentir apenas tesão, ou uma vontade insaciável de trepar. Havia algo único em Tsai que o confortava, que o fazia querer ficar para sempre lá ouvindo essa voz. Algo que o preenchia por dentro como nenhuma mulher o havia feito até então.

“Cores opostas. Isso lembra muito a gente. Eu sou super irresponsável, perdido. Mas também sou brincalhão e levo a vida de uma maneira bem leve. Já você é a responsabilidade em pessoa, sempre sabe o que fazer. Mas também é bem séria e compenetrada”, disse Schultz, “É como se eu fosse o vermelho e você fosse o verde”.

“É, isso é bem verdade”, disse Tsai, assentindo.

“Mas como você mesma disse, cores opostas não são apenas opostas, são complementares! Não existe cor que combina melhor com o verde do que o vermelho. Depois que a gente vê como combinam bem juntas, a gente não consegue mais imaginá-las de outra forma, que não sejam juntas”, disse Schultz, fazendo uma pausa, sorrindo e com os olhos brilhando, olhando para Tsai, “E da mesma forma, Tsai, desde que eu te conheci, pode parecer bobeira, mas não imagino mais minha vida sem você”.

Tsai não tirava os olhos de Schultz, mas continuava com um olhar amistoso, enquanto ouvia em silêncio cada coisa que Schultz dizia:

“Sabe, inconscientemente eu torcia um pouco para não encontrar o Huang. Eu sei como funciona o coração. Vocês já tiveram algo no passado, vocês possuem memórias juntos. Mesmo inconscientemente, me dava medo ver ele no meio da gente”.

“Não existe nada entre Huang e eu, Schultz, isso eu posso garantir. Mas que medo era esse que você sentia?”, disse Tsai, dizendo que não sabia. Mas no fundo ela imaginava o que seria.

“Medo de que eu demorasse muito, e eu perdesse você para ele”, disse Schultz, e nesse momento o coração de Tsai disparou, confirmando o que ela presumia. Ela ficou em silêncio, e Schultz nesse momento olhou profundamente nos olhos da chinesa, prosseguindo: “Tsai, eu sou um idiota. Eu tenho plena noção disso. Eu sou um idiota que pensava com a cabeça de baixo, que aprontava por aí, e que errou muito. Muito mesmo”.

“Não, Schultz. Eu nunca achei isso”, disse Tsai, dizendo uma mentirinha inocente.

“Porém eu tinha uma certeza”, disse Schultz, “A certeza de que eu queria mudar. Que eu não queria mais o que eu conseguia antes. Que eu quando estava do seu lado eu sentia coisas que nunca senti antes. Não era apenas vontade de transar. Era vontade de fazer algo maior. Vontade de amar”.

Tsai sentia seu coração palpitando cada vez mais forte ouvindo aquela declaração sincera de Schultz. Sua respiração estava mais profunda, e até seu rosto estava ficando vermelho. Ela não se sentia como uma adulta, mas voltava a se sentir como uma adolescente, quando ouvia a declaração de alguém que estava interessado nela. Aquela sensação única que todas guardam no fundo do coração, e que ao ouvir algo sincero assim em suas mentes as levam para uma verdadeira viagem no tempo. Sentir um amor, um sentimento que rejuvenesce, faz bem para a pele e para o cabelo. O alemão prosseguiu:

“E de súbito tive medo de perder isso tudo. E eu não podia ficar parado. Ficar quieto vendo a pessoa que poderia ser a mulher da minha vida passar e ir embora. Eu tinha que no mínimo me declarar, falar dos meus sentimentos. O que acontecesse a partir desse momento, se fosse um ‘sim’ ou um ‘não’, é o de menos. Ao menos eu tinha que tentar”, disse Schultz, fazendo uma pausa. Tsai continuava muda, então ele concluiu: “A verdade é que eu gosto de você. Você ocupa um lugar imenso dentro do meu coração. E eu gostaria de tentar algo além de uma amizade com você. O que eu mais quero é ser feliz junto de você”.

Tsai não ficou muito tempo em silêncio. Seus olhos pareciam questionadores. Mas não para fazer uma pergunta ruim, sua feição tinha algo de acolhedor junto. Uma pergunta para lhe trazer segurança para saber onde estava pisando naquela situação toda:

“Schultz, eu só gostaria que você me respondesse uma coisa. Uma coisa do fundo do seu coração”.

“Qualquer coisa, Tsai. Qualquer coisa!”

“Você seria completamente sincero comigo?”.

“Sim, pode perguntar!”.

Tsai tomou um ar e enfim perguntou:

“Schultz, eu te conheço, claro. Sei como você é. Mas eu preciso ter uma certeza, e quero que me diga olhando no fundo dos meus olhos: Você estaria comigo amanhã de manhã?”.

E então o alemão olhou no fundo dos olhos da chinesa. E então seu coração acalmou. Seu coração se aquietou pois essa era a pergunta mais fácil, pois a resposta para isso estava presente como uma certeza dentro de seu coração. Uma certeza que emergia de um poço de sinceridade:

“Não apenas amanhã, Tsai, mas quero acordar ao seu lado por todas as manhãs pelo resto da nossa vida”.

Schultz havia dito tudo o que queria dizer. Agora era a vez de Tsai responder. A chinesa o olhava nos olhos profundamente, ruborizada. Suas mãos transpiravam, e seu coração estava a mil. Do outro lado o alemão, ainda sentado na cama, olhando para ela em pé ali na frente, pedia uma resposta com o olhar e seu silêncio. Era tudo o que ele esperava, e aquele silêncio parecia durar horas.

Tsai então olhou para a porta e depois olhou para Schultz. E sem dizer nada ela saiu do quarto de Schultz, deixando-o lá, sozinho.

Porém, dentro de seu coração um sentimento nascia. E a chinesa sentia que tal coisa a preenchia da cabeça aos pés. Algo a tal ponto que era exalado de cada poro de sua pele.

Schultz, sozinho no quarto, baixou a cabeça. Sua vontade naquele momento era de chorar, mas ele sabia que não havia faltado com sinceridade. Ele disse para ela sobre absolutamente tudo o que sentia. Ao menos ele obteve uma resposta. Agora o jeito era dormir e esperar pelo dia seguinte.

Foi então que, assim que Schultz se deitou, subitamente Tsai voltou ao quarto. Ela cruzou a cama e se jogou em cima dele, o abraçando. Schultz sentiu uma pontada na fratura em seu peito, mas a felicidade que sentia era maior que qualquer dor que seu corpo emitia.

“Eu te amo… Eu te amo tanto!”, disse Tsai, sussurrando no ouvido de Schultz.

E então os dois se beijaram. E se beijaram muito. E quando viram, estavam sem roupas. E Tsai e Schultz fizeram amor, como um casal apaixonado, e Schultz sentiu enfim o que era esse sentimento único que ele nunca havia sentido antes. Aquela foi a noite mais e linda e romântica até então. A guerra poderia ser a circunstância que fez com que aquele alemão conhecesse aquela chinesa, mas definitivamente o que os uniu não foi um conflito bélico. Dentro daquela amizade nasceu um amor, mesmo que talvez os dois nutrissem de maneira discreta, tomando cuidado para não falar um para o outro, mas havia algo lá. E a partir daquela noite os dois tinham exatamente o que cada um precisava.

Os dois tinham um ao outro.

(curiosamente Schultz fez questão de transar com preservativos, coisa que ele nem lembrava da última vez que ele tinha feito)

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