Amber - O racismo que filhos herdam dos pais.

10 de abril de 1913
Berlim, Alemanha

Na minha memória lembro que papai, Roland Briegel, andava de um lado para o outro. Em seu rosto estava estampado uma feição de preocupação. Definitivamente papai parecia tenso. Até transpirava de preocupação (algo raro!). Já para mim, aquilo tudo era uma novidade imensa Eu nunca tinha visto um lugar assim na minha vida. Não tinha aquele chão batido de terra, nem as árvores do Sudoeste Africano Alemão. Haviam casas, casas e mais casas. Pessoas pendurando roupas no varal, aproveitando os primeiros raios de sol da primavera, e todas as pessoas eram brancas. Tinham olhos verdes, azuis, acinzentados. Cabelos castanhos, loiros, brancos. A cidade era cinzenta, não havia o mesmo sol brilhando e castigando nossa pele, mas havia um constante céu nublado, que se intercalava com alguns raios de sol que aqueciam aquele longínquo país. Era tudo muito diferente da minha vida até então.

A língua também eu lembro que não compreendia nada. Mas acho que nesses momentos decisivos na vida é como se as memórias ficassem todas fixadas na cabeça. Na minha cabeça ficaram os gestos, os cheiros, as cores. Na do papai, ficaram os diálogos. Eu não sabia uma palavra de alemão. Mas anos mais tarde, quando eu já sabia alemão, ele me contou com uma riqueza de detalhes imensa o que ele havia dito.

De alguma forma esse dia também foi extremamente marcante para ele também.

"Ah, cadê ela que não chega...", disse papai, preocupado. Ele deu mais umas voltas pela casa e parou na minha frente. Ele havia me posto numa cadeira, e eu estava de roupas novas. Roupas que para os alemães eram trajes normais, mas pra mim era tudo macio, perfeito. Roupas dignas de uma realeza. Era um vestido infantil para a primavera, de cor amarela alaranjada, tinha lindos botões bem grandes, que brilhavam como se fossem joias na minha visão de uma criança pobre da África que só vestia trapos. "Você deve estar com fome, poxa vida, onde eu estava com a cabeça. Nem cozinhar eu sei! Minha nossa, o que eu tenho aqui pra te dar?", e papai revirou todo seu armário de solteiro. E retirou uma caixa de aveia lá de dentro, como se fosse algo abandonado no fundo do armário.

Então ele começou a cozinhar. Ele tinha um fogão bem simples, papai vivia uma vida simples, não tinha muita coisa. Conforme o cheiro daquele mingau de aveia ia subindo, ou "brei", como chamam em alemão, mais meu estômago roncava. Não que eu não estivesse acostumada com ele pedindo comida, mas aquele cheiro parecia algo delicioso. E fome era algo universal. Todos os povos sentem fome, embora nem todos infelizmente tenham comida.

No meio do cozimento a campainha tocou.

"Ah, finalmente!", disse papai, indo até a porta. A panela continuava no fogo, mas ouvir a campainha trouxe uma expressão de alívio enorme em seu rosto. Pelo jeito era alguém importante.

"Roland, eu vim correndo! O que foi que você aprontou? Você disse que não podia dar detalhes, a dona Helga foi correndo pra casa, disse que eu tinha que vir aqui, que era um caso de vida ou morte! Se for como da outra vez você perguntando como se usa o forno, eu juro que eu te mato!!", disse a pessoa que entrou. Ela embora estivesse dando uma bronca, eu lembro que tinha uma voz doce. Uma voz feminina, como eu nunca havia ouvido até então. Não eram os gritos de fúria que eu ouvia das pessoas que lutavam para sobreviver do lugar de onde eu vim. Sua voz era aveludada, entrava nos meus ouvidos e ali ficava. Era algo muito acolhedor.

Papai foi correndo até ela, deixando a panela no fogo, e segurou a mulher ainda no corredor de entrada, de forma que eu não consegui ver o rosto dessa mulher nesse momento, e nem ela o meu. Na realidade, ela nem sabia que eu estava lá.

"Teresa, espera! Escuta, eu cheguei da África hoje, e tá uma loucura aqui", disse papai, "Mas você é a única pessoa que poderia me ajudar nisso".

"Ajudar no quê, Roland?", disse a voz, já sem dar bronca, e com um tom bem mais paciente, "O que foi que você aprontou agora?".

"Tá. Bom, vou resumir", papai iniciou, "O pai estava lá, e ficou maluco. Eu o peguei no momento que ele ia exterminar um grupo de crianças. Crianças, Teresa, crianças negras que haviam roubado um pedaço de pão para comer! Você devia ter visto, eu cheguei em cima da hora!".

"Não acredito. O que o pai têm na cabeça?", disse Teresa.

"É, mas uma eu consegui salvar".

"Tá”, disse a mulher, fazendo uma pausa, “Entendi. E aí? Você devolveu ela pra família dela?".

E então nessa hora papai ficou quieto. Eu não ouvia mais a voz de ninguém. Ficou um silêncio dominando a casa por alguns segundos que pareciam horas. E então papai apareceu no batente, e me olhou nos olhos. Ele só disse uma coisa:

"Não. Ela está aqui".

Papai apontou pra mim e enfim eu conheci a dona da voz. Ela se esgueirou pela entrada e então meus olhos se encontraram com os dela. Minha nossa, que mulher linda! Ela tinha lindos olhos claros, um cabelo loiro grande e volumoso, se vestia com muitíssimo bom gosto, e tinha apenas um par de brincos - mas eles eram desnecessários, uma vez que pra mim aquela pessoa parecia um verdadeiro anjo.

Anos mais tarde tia Teresa me confidenciou o que ela sentiu quando me viu pela primeira vez. Ela me disse que sentiu uma calma de espírito imensa e indescritível (curioso, não?), como se ela estivesse sendo acolhida por um ser que, embora fosse bem menor que ela, tinha uma alma mil vezes maior. Que exagero. Quem tinha uma alma grande como o universo era a tia Teresa Briegel.

Seus olhos lacrimejaram e ela levou a mão á boca.

"Roland, não acredito", disse Teresa, "Roland, a panela!! Vai queimar!!".

E papai saiu correndo até a panela, chegando a tempo antes de queimar. Teresa continuou um tempo ainda apenas me encarando, com os olhos arregalados, mas um sorriso que a preenchia de orelha a orelha.

"Ela fala alemão? Ela me entende?", perguntou Teresa.

"Não. Vamos ter que ensinar tudo para ela".

"Vamos? Você quer dizer 'nós'? Como assim?".

"Sim, mana! E haveria alguém melhor que você? Ou pelo menos me ensina, como cozinhar, como cuidar dela, como fazer tudo. Eu nunca tive um filho, preciso de ajuda!".

"Roland, seu maluco, ela não é um cachorrinho que se acha na rua e decide cuidar! Ela é um ser humano! Uma menina!!".

"Eu não tive escolha, o pai ia mata-la!".

"Onde raios você estava com a cabeça, seu idiota! Nem cuidar de si mesmo você é capaz, como acha que vai criar uma menina?".

"Eu não sei, Teresa. Mas a gente dá um jeito! Eu não ia abandonar ela lá, eu não consegui salvar os amigos dela, e ela merece uma nova chance! Ela é uma sobrevivente!".

"Roland, chega...".

"Teresa, por favor, se eu te chamei aqui é porque sei que apenas você pode me ajudar nisso".

"Chega, não quero mais ouvir nada!".

"Eu também tô morrendo de medo, Teresa! Mas você é minha irmã mais velha, e você praticamente foi uma mãe pra mim, você era quem cuidava de casa, melhor que a Brigitte, melhor que qualquer outro!

"Não, Roland, chega! Eu vou embora, cansei!", e nesse momento ela se ergueu e deu dois passos. Mas eu lembro que ela parou. Não parecia ter coragem de ir até o final do corredor e atravessar a porta. Papai prosseguiu:

"Teresa, se você conseguiu me tornar o que eu sou hoje, você vai conseguir junto de mim transformar a vida dessa menina! Se eu te chamei aqui é porque eu conto com você, mana! Eu prometo que vou trabalhar, darei o meu melhor, não apenas no sustento, mas também no amor. Eu só estou pedindo uma ajuda. Uma ajuda!! E você é a única pessoa que eu confiaria! Você é a única pessoa que eu poderia chamar!!”.

Teresa Briegel ficou em silêncio, me encarando com os olhos cheios de lágrimas. Ela não respondeu nada dessa vez. Papai então fez a pergunta decisiva:

"Teresa... Posso contar com você?".

E então a tia Teresa foi até mim, se agachou, e me deu um abraço apertado. Ela tinha um cheiro bom. Um cheiro doce, frutado. Era como se fosse uma mãe. A mãe que nunca conheci, mas definitivamente a mãe que estava destinada a ser a minha.

"Como é que vou dizer 'não' depois de ver essa menina linda, Roland?", disse a tia Teresa, sem me soltar, "Olha isso, ela é perfeita! Esses olhos grandes e brilhantes, essa pele escura e brilhante, essas mãozinhas, minha nossa! Você deve ter passado por tanta coisa com tão pouca idade, menina... Tanto sofrimento para uma vida só!”, nesse momento os olhos dela se encheram de lágrimas. Parecia um misto de tristeza pelo meu passado, e de esperança pelo meu futuro, “Qual o nome dela?".

"Alice!", respondeu papai.

"Alice, que nome lindo!", disse a tia Teresa, já com os olhos todos inchados de lágrimas, e com o nariz todo vermelho. Mas ainda assim ela era linda, "Mas você vai registrar ela, né? Ela definitivamente tem que ser Alice. Alice Briegel!".

Papai nessa hora abriu um imenso sorriso.

"Puxa, isso é um 'sim'? Você a aceita e vai me ajudar?", disse papai, quase pulando de alegria.

"Agora vou, né Roland! O que está feito, está feito. Temos que nos adaptar às mudanças da vida, e não tenho dúvida que a Alice vai ser a melhor coisa das nossas vidas", disse Teresa, voltando os olhos em mim, "Ela já o é, né?", e então ela sorriu para mim, "Vamos criar a Alice com tudo de melhor, e com muito amor. E quanto a você, mano, deixa eu provar esse mingau que você quase queimou".

Teresa pegou uma colher e provou. Ela fez uma cara ruim e cuspiu imediatamente.

"Que lixo! Você queria servir isso pra menina? Já pra cozinha, Roland! Vou te ensinar agora como fazer um mingau de aveia pra Alice!", disse a tia Teresa, e depois ela se virou para mim, "Vamos leva-la para brincar no parquinho da esquina! Era o mesmo parquinho que eu te levava quando você era criança!".

Sabe, hoje eu fico pensando que embora a tia Teresa nunca tenha tido um filho, ela talvez tenha realmente nascido para ser mãe. Ela é a segunda filha, e a diferença de idade para a primogênita, a repugnante Brigitte Briegel, mal chega a um ano. Pra tia Teresa até o papai são nove longos anos de diferença. E papai não chegou a conhecer sua mãe, uma vez que ela faleceu quando ele mal havia completado um ano, poucos dias depois de dar a luz a um par de meninos gêmeos - os caçulas da família Briegel. Sem uma mãe, papai foi praticamente criado pela irmã, que com dez anos era alguém com responsabilidade de alguém de trinta. Teresa teve que crescer cedo a duras penas, aguentar o pai, educar os irmãos mais novos, e também lidar com a irmã mais velha. Ela já se casou, mas nunca teve sorte ao tentar engravidar. Sofrera abortos espontâneos, perdia a criança, tinha dificuldades imensa para engravidar, isso sem contar o machismo dos maridos, que não hesitavam em a abandonar quando aconteciam essas tragédias imprevistas da vida.

Mais tarde naquele dia, como prometido, papai e a titia me levaram num playground. Eu nunca tinha visto aquilo! Ao longe eu ouvia gritos das crianças descendo pelo escorregador, elas balançando, indo e voltando, e brincando na areia fofa e macia. Eu estava tão extasiada vendo que aquilo existia, que não sabia se eu merecia brincar ali. Eu lembro que algo dentro de mim dizia que aquele lugar era o único do gênero em todo o mundo – ¬ e sim, é engraçado, mas era o que eu achava – e, claro, papai via minha reação acanhada, mesmo pedindo para que eu fosse lá brincar com as outras crianças.

“Alice, vai lá brincar com as crianças! Não fica tímida, vai lá!”, disse papai.

Tia Teresa ficou para trás. Ela queria ser mais uma aconselhadora, e não tanto uma pessoa principal na minha criação. Ela confiava no papai, obviamente, mas essa era a forma dela dizer que era a vez e a chance de Roland Briegel se provar como um pai, vivendo todas as experiências por si próprio.

“Se eu for com você vai se sentir menos acanhada? Vamos lá então, vem!”, disse papai, carinhosamente me pegando pela minha mão, que estava gelada.

Porém ao chegar na escada do escorregador, as crianças que estavam lá em cima esperando sua vez para descer, simplesmente pararam de brincar, e ficaram estacionadas onde estavam. Ninguém mais escorregou, e uma a uma começava a me encarar com um olhar de desprezo.

“Hã? O que aconteceu? Alguém se machucou?”, perguntou papai, acreditando na inocência das crianças.

Mas as crianças continuavam mudas, em silêncio. Umas até cruzaram os braços, e permaneciam em fila na escada do escorregador, impedindo que eu brincasse, bloqueando minha subida. Papai se afastou e foi dar uma olhada do outro lado do escorregador, achando que algo havia acontecido. E eu, ali, ainda parada no segundo degrau do escorregador, tive minha primeira memória do que era o racismo dentro da Alemanha.

“Roland...”, disse tia Teresa, baixinho, para si mesma, conforme ia se aproximando em passos lentos.

“Sai daqui, sua pretinha!”, disse a criança, tentando me empurrar. Ela era uma menina, e bem mais nova do que eu, e eu não entendia uma palavra de alemão, mas reconhecia o que era uma agressão.

Porém eu não retruquei. Mas acho que talvez teria sido melhor retrucar, pois as outras crianças acima desta primeira vendo que eu não dava o braço a torcer, e continuava no final da fila do escorregador, começaram a se sentir no direito de fazerem o mesmo contra mim.

“Você não é bem vinda aqui, sua macaca!”, disse outra criança, me dando cascudos na cabeça.

“Sai daqui sua preta nojenta! Você parece suja!!”, disse outra criança loira, acima de mim, esfregando a sola do pé na minha cabeça e nos meus ombros.

“Ei, ei ei!! Espera aí, o que vocês estão fazendo? Ela tem o direito de brincar aqui, essa menina é minha filha!!”, disse meu pai, elevando a voz, tentando me proteger daquela barbárie.

“Roland, espera, não vale a pena...”, disse tia Teresa, se aproximando.

“Por favor, crianças, ela é uma criança como vocês! Ela tem o direito de brincar! Vocês não devem impedir ela de subir e descer pelo escorregador!!”, dizia papai, tentando manter a calma, pedindo um mínimo de racionalidade para as crianças ali. Mas isso era em vão.

As crianças continuavam me cutucando, esfregando o pé em mim, tentando me empurrar para fora. E eu não soltava de jeito nenhum. Não entendia exatamente o que diziam para mim, mas eu sabia pelo tom de voz que não era nada bom. Papai continuava me defendendo, pedindo para as crianças terem um pouco de noção de que aquilo era feio e desagradável, mas isso parecia acender ainda mais a chama do racismo naquelas crianças brancas, loiras, de olhos claros.

Porém a coisa ainda iria piorar. Papai, vendo que as crianças não iam me deixar brincar, olhou para os arredores e vira um grupo de mulheres que observavam tudo aquilo ao longe, e presumiu que fossem as mães. Ele pegou na minha mão gentilmente e eu saí da fila do escorregador. Papai foi em direção das mães, que vendo a gritaria e o escândalo que as crianças faziam, foram também de encontro a nós.

“Senhoras, vocês são as mães daquelas crianças?”, perguntou papai, e elas ficaram em silêncio, o encarando, “Escuta, aquelas crianças não estão deixando ela brincar. Ela tem direito também, ela só está esperando a vez dela...”, e então uma das mães o interrompeu:

“E quem é essa pretinha que o senhor está segurando a mão? Julgando pela sua esposa, aquela loira logo ali, está claro que não existe nenhum parentesco entre você e essa menina abandonada”.

Aquelas palavras atingiram papai no fundo da alma. Ele ficou simplesmente paralisado, e seus olhos se encheram de lágrimas. Outra mãe prosseguiu:

“Esse parquinho é para crianças brancas, crianças alemãs. Não é pra essa macaca saída da África. Essa criança não é bem vinda aqui, e nossos filhos estão apenas exigindo respeito. É errado misturar pessoas brancas e pessoas pretas no mesmo recinto”.

Eu lembro que a mão do papai tremia. Quando olhei para seu rosto, lágrimas caíam em um rosto tomado por uma expressão extremamente triste e frustrada enquanto ouvia aquelas palavras horríveis ditas por aquelas mães.

“Porque o senhor está segurando a mão dessa pretinha assim? Está estampado no rosto dela que ela é de rua, uma criança abandonada. Porque está tão preocupado com ela, se ela nem é sua parente?”.

Tia Teresa se aproximou, e colocando a mão no ombro do papai, começou a tirá-lo da frente daquelas mulheres idiotas.

“Roland... Vem. Fica calmo, não vale a pena perder a cabeça por isso”, disse Teresa, calmamente, mas também com um tom de tristeza em cada palavra.

E nesse momento eu lembro que papai me pegou no colo. Eu era magra, pequena, e leve, e lembro que quando ela me envolveu em seu abraço eu senti que era como se o maior homem do mundo estivesse me protegendo.

Talvez existissem homens maiores que papai, mas a grandeza de seu caráter, e do seu gesto acolhedor naquele momento o colocava como o maior entre os maiores, e sentia isso no momento que colocava meu ouvido em seu peito, e ele acariciava minha cabeça com sua grande e cálida mão. Eu lembro que ouvia os batimentos do coração dele. E também a respiração dele, segurando as lágrimas que teimavam cair.

“Senhoras, com licença. Primeiramente, essa aqui não é minha esposa. É minha irmã. E essa menina aqui, essa menina de ouro, é o meu maior tesouro. Essa menina é a coisa mais preciosa que tenho na vida. Essa menina aqui é MINHA FILHA. E eu não quero saber se ela é adotada, se ela é negra, se ela é fraca e magra, ou se ela não fala alemão ainda. Não quero saber de nada disso. Apenas vou lhes contar a minha certeza, e limpem bem os ouvidos antes, para ouvirem bem:”.

Eu nessa hora abracei de volta meu pai. Eu não sabia uma palavra de alemão, aquele lugar era longe, distante de casa, e eu estava vivendo com um homem que havia me adotado haviam poucos dias. Mas eu sabia que ele precisava de força. E quando eu o apertei, senti que ele percebeu em seu coração o que queria passar.

“Eu agradeço vocês. Eu ainda tinha uma hesitação, tinha um medo, tinha um receio. Mas ouvindo esse show de difamações contra ela e contra mim, vocês acenderam na minha alma uma chama. E essa chama vai arder para sempre, pois é uma chama que me dá a força para encarar tudo e todos para dar o melhor para essa menina, para minha filha. Uma chama que diz que vou passar por muitas dificuldades. Mas uma chama que diz que vai também dar tudo certo”.

Nessa hora senti um calor que vinha do peito do papai. Não era uma chama ameaçadora. Era um calor acolhedor. Um calor que preenchia meu coração.

“Se as palavras têm poder, então com essas lágrimas no rosto eu digo aos quatro ventos: essa é Alice. Alice Briegel! Minha filha que eu amo mais que tudo nessa vida, e ela vai crescer. Se tornará uma mulher linda, forte. Terá riquezas a perder de vista. Se casará com um ótimo homem. E com certeza quando tiver a chance de estender a mão para ajudar, mesmo que sejam pessoas como seus filhos, ela o fará sem hesitação. Pois vou criar minha filha para entender que não é com o mal que se cura o mal, uma vez que a pureza de uma pessoa está em ver o comportamento errado do outro e não se corromper, por mais que isso lhe machuque”.

E depois que disse isso, papai virou e deixou o grupo de mulheres lá. Fomos até uma gangorra ali do lado e ele me colocou num banco, e sentou no outro.

Papai limpou as lágrimas e me sorriu. E eu sorri de volta (bem tímida, é verdade, mas sorri!).

“Vamos lá, Alice! Vamos brincar! Eu vou subir, e quando você tocar o chão com as pernas você joga pra cima pra eu descer! Entendeu? Consegue fazer isso, meu amor?”.

Eu não entendia uma palavra do que papai estava dizendo, mas entendi pela gesticulação o que eu deveria fazer. Mas isso era o de menos! Era apenas eu e papai, como seria a partir daquele momento, e como seria pelo resto das minhas vidas! Eu não precisava de outras crianças! Eu tinha o melhor pai do mundo!

“Ja!!”, eu disse, pronunciando o “iá!” alemão, que era o equivalente a “sim!”.

E naquele momento eu disse minha primeira palavra em alemão. Foi o primeiro “Sim!” de muitos que diria em minha vida. “Sim” para uma nova vida, “sim” para uma nova família, “sim” para o papai mais amoroso que o mundo poderia me dar.

E, claro, “sim” para todas as inúmeras coisas que eu viveria em minha vida a partir daquele dia...

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