Amber #124 - Suspicious minds (1) - Die Aurikel

“Parado onde o senhor está, Chang Ching-chong!”, disse Tsai, esbaforida, apontando sua arma. Ela estava com um belíssimo vestido vermelho de seda, e seu cabelo tinha uma mecha preta fora do lugar, que caía em seu rosto, contrastando com sua pele branca como a neve, mas que não tirava nem um pouco do seu ar de gala, “É melhor que o senhor desça já comigo lá para baixo”.

Chang Ching-chong estava por cima de duas mulheres, uma loira e uma chinesa, já sem as calças. Quando virou o seu rosto e viu Tsai, o chinês tomou um susto. Ele era calvo, sem barba, e sem muita barriga, apesar da idade. Parecia ter entre quarenta e cinquenta anos.

“Calma, Tsai. Porque o desespero? Achou mesmo que seria fácil? Ou está preocupada com o seu querido Huang, lá embaixo?”, disse Chang, provocando Tsai. Ele puxou as calças para cima e as fechou, enquanto as duas mulheres ficavam lá na cama sem entender muito o que estava acontecendo.

Tsai viu então ao longe um vaso muito bonito, perto da janela ao lado de onde Chang Ching-chong estava, de porcelana escura, contendo uma flor. Toda a vez que ela olhava para aquele vaso, era como se ela conhecesse aquela planta, embora ela nunca havia visto algo como aquilo na vida.

Era uma flor linda. Era amarela, tinha sete pétalas arredondadas, e no meio, onde deveria ser o botão, era mais claro. Ela estava completamente hipnotizada, mas algo a dizia que Chang não poderia nem imaginar que aquela flor estava lá.

“Fim da linha para você, Chang Ching-chong. Você está preso. Descobrimos o que precisávamos descobrir sobre você. Você é um traidor, seu canalha!”, disse Tsai, se aproximando, acalmando a respiração, “Se envolvendo com os japoneses, fechando negócios com eles, promovendo uma festa para lucrar com essa guerra imunda!”.

“Tsai Louan, sugiro que saia logo daqui. Você sempre foi uma pirralha chata! É assim que as coisas funcionam, pare de achar que o mundo a sua volta tem que ser certinho, pois esse mundo não é real!”.

“Não acredito que estou ouvindo isso! Você deveria proteger o povo, lutar pela república e pela democracia no nosso país, depois de derrubar a monarquia que tanto fez o povo sofrer!”.

“Rá! Olha só. A filha de um senhor da guerra tentando botar juízo na minha cabeça. Você é a última pessoa que tem o direito de fazer isso!”.

Aquela flor então em um piscar de olhos trocou de lugar, enquanto Chang Ching-chong falava. Lá do fundo, se aproximou e ficou numa escrivaninha do lado esquerdo de Chang, como que se teletransportasse para aquele local. Aquele vaso continuava prendendo a atenção de Tsai, que apesar de estar apontando uma arma para Chang, se distraía levemente olhando para a flor. Ela então prosseguiu:

“Sim, meu pai foi um senhor da guerra, mas isso é passado. Hoje ele serve ao lado do generalíssimo! Pessoas mudam! Pessoas não são uma coisa absoluta, que não conseguem mudar ou melhorar!”.

“Seu pai pegou uma fatia do nosso país com seu exército pessoal. E agora está junto do Kuomintang, como se nada tivesse acontecido. Esse cinismo passa todos os limites!”.

Tsai viu então um monte de papéis. Pareciam relatórios, todos escritos em chinês. Documentos, todos registrados em folhas timbradas, com algo vermelho bem específico no topo. Era um emblema, com um globo terrestre no centro, e uma foice e um martelo em primeiro plano, dourados.

“Eu não acredito”, disse Tsai, pegando uma das folhas e lendo rapidamente por cima enquanto tentava não tirar o olho de Chang, “União Soviética? Então era tudo verdade! Minha nossa, não acha que seria tão fácil achar provas de que você estava de conluio com os soviéticos”.

Tsai ouviu um grito no seu coração. Era a flor amarela falando com ela de novo. Era um som que reverberava na sua alma um pedido de atenção, pois poderia ser perigoso. Mas ao ler tudo o que estava escrito em chinês naquela folha dilacerava o seu coração. Aquela era a prova definitiva que Chang Ching-chong, que era braço direito de Chiang Kai-shek na verdade estava sendo um informante secreto para a União Soviética!

“É, Tsai. Feliz por descobrir tudo?”, disse Chang Ching-chong enquanto corria em direção de Tsai, se aproveitando de sua distração.

Foi então que o vaso da flor apareceu na sua frente, flutuando, vindo de trás de Chang Ching-chong. Inexplicavelmente o vaso se jogou contra Chang, e, apesar do seu tamanho minúsculo de uns vinte centímetros no máximo, o vaso teve força o suficiente para derrubar aquele chinês.

E novamente Tsai ouviu no seu coração a flor dizendo algo. Era um pedido para que ela fugisse, mas aquele vaso era extremamente especial para ela. Ela sentia como se fosse algo imprescindível e insubstituível em sua vida, e sua vida não seria a mesma se não tivesse aquela flor.

A Gongzhu sentiu um peso imenso em seu peito enquanto a flor gritava em seu coração para que ela fugisse. Ela tentava dar uns passos para a saída, mas queria ao mesmo tempo voltar a salvar aquele pobre vasinho que para ela significava tanto!

“Da onde você veio, seu inútil? Uma última proteção para sua dona?”, disse Chang Ching-chong, sacando uma pistola da sua cintura, “Pois farei questão de que você só encontre com ela agora na outra vida!”.

E então Chang descarregou furiosamente todo o pente de balas de sua pistola contra o pobre vaso da flor amarela. Tsai observava a flor caindo no chão, murchando instantaneamente, enquanto que a água do vaso escorria por todo aquele chão de madeira. Tsai estava paralisada. Fora de si, gritava desesperadamente pela flor, mas já era tarde demais.

“Die Aurikel! Die Aurikel!”, gritava Tsai, em prantos, “Die Aurikel, não morra! Justo agora que eu te encontrei!!”

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7 de dezembro de 1939
7h40

“Die Aurikel!!”, gritou Tsai, dando um pulo da cama.

Schultz, ao seu lado, tomou um susto imenso. Ao olhar para sua garota, vira que ela estava ofegante. Sua respiração estava rápida, e ela transpirava frio. Depois de se sentar e olhar para o rosto dela, vira que Tsai estava com uma expressão de susto estampada em seu rosto.

“Princesa? Tudo bem aí?”, perguntou Schultz, acariciando o ombro dela, “Que grito foi esse?”.

E então Tsai recobrou a consciência. Toda aquela cena onde via Chang Ching-chong foi um sonho.

“Nossa, meu deus, o que foi isso?”, disse Tsai, baixando a cabeça e colocando sua mão sobre a mão de Schultz que acariciava o seu ombro, “Schultz, tive um pesadelo terrível”.

“Um pesadelo? Puxa. Pensei que as pessoas só acordavam assim aos saltos em filmes. É a primeira vez que vejo alguém acordando assim, saltando, aos gritos. Pelo visto foi uma coisa bem feia”, disse Schultz, envolvendo Tsai em seus braços, e a sentando na cabeceira da cama. Ela também se acomodou, colocando a cabeça no peitoral do alemão. Ele então a perguntou:  “Quer conversar sobre?”.

Tsai por um momento ficou em silêncio. O sonho havia acabado de acontecer, e ainda estava vívido em sua mente. Era claro que ela se recordava. O problema era que agora que ela tinha desperto e pensado sobre o sonho, ela havia se dado conta que não fazia sentido algum.

“Hmm… Não sei. Não faz muito sentido na verdade”, disse Tsai, envergonhada.

“Sério? Todo mundo tem sonhos estranhos. Eu queria muito sonhar com você! Sonhar com você de noite, e ver você de dia, nossa, eu nunca ia cansar disso!”, brincou Schultz, como toda pessoa em começo de namoro.

“Você é todo engraçadinho, né?”, brincou Tsai, de volta, “Mas tô falando, não faz o menor sentido. No sonho estávamos prestes a prender o Chang Ching-chong. Mas um vaso com uma flor amarela ficava chamando minha atenção”, Tsai nesse momento balançou a cabeça, mas o olhar de Schultz interessado fez ela prosseguir: “Eu sei que não faz sentido, mas aquele vaso com aquela flor era algo importante para mim. E quando Chang veio para cima de mim, o vaso se jogou para cima dele, espontaneamente, e derrubou Chang Ching-Chong no chão, me defendendo”.

“Uau. Não é todo dia que vemos um vaso de flores bancando o herói, haha!”.

“Eu disse que não fazia sentido, bao-bao”, disse Tsai, e na hora que Schultz ouviu ela o chamar de ‘bao-bao’, ele ficou vermelho. Esse era igual quando uma namorada chamava seu parceiro de ‘meu bebê’, ‘meu querido’, em chinês. Era uma forma extremamente carinhosa de chamar a pessoa que você considera importante, e Schultz sabia disso. Tsai prosseguiu: “Só que Chang atirou contra o vasinho com as flores, e quando isso aconteceu, nossa, eu senti uma tristeza indescritível. Como que aquela flor fosse um parente, uma pessoa que eu amasse muito”.

“Uma pessoa que você ama muito? Puxa, vou ficar com ciúmes! Você tá sonhando que ama outro cara? Hahaha”, disse Schultz, tirando sarro do que ouvia de Tsai. Essas risadas no fundo faziam Tsai se sentir um pouquinho melhor.

“Ah, não zoa! Acordei até gritando! Sei que não faz sentido, mas parecia algo terrível”.

“É verdade, você acordou gritando mesmo alguma coisa. Parecia alemão! Você lembra?”.

“Acho que sim. Acho que gritei ‘die Aurikel’. Curioso que mesmo no sonho eu gritava isso quando o vasinho foi alvejado pelo Chang”.

“Die Aurikel?”, perguntou Schultz, sorrindo, e quando Tsai confirmou ele soltou uma gargalhada, “Hahaha! Eu sabia que parecia alemão!”.

“E o que é?”.

“É uma flor! É o nome alemão para uma flor bem comum na Alemanha, chamada ‘orelha-de-urso’. É bem bonita!”.

“Orelha-de-urso”, disse Tsai, pensativa, “Entendi”.

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