Amber #133 - Suspicious Minds (10) - Aquele que ouve tudo.

Era difícil filtrar exatamente o que o microfone de Huang captava naquele imenso salão. Para um leigo, pareceria uma confluência de diversos sons, e várias palavras, tudo muito misturado, difícil de se decifrar alguma coisa.

Huang teria sido um excelente músico, uma pena que ele não tinha nenhuma habilidade com nenhum instrumento. Isso tudo se dá pelo fato de que seus ouvidos eram muito mais aguçados que maior parte das pessoas comuns. Talvez num nível de um músico, ou ainda maior, pois ele conseguia captar diferentes nuances de sons, não importasse a quantidade de camadas que eles estivessem dispostos. E o mais curioso é que ele fazia isso justamente no momento em que mais estava distraído - mas que na verdade era o momento que seu cérebro mais trabalhava para achar o que estava procurando no meio daquela bagunça de barulhos.

Seria bom se ela admitisse que terminou comigo por causa disso. Eu sei que sou distraído, mas pelo menos nessas horas dá pra ver que tem alguma utilidade isso, pensou Huang, enquanto olhava para o monitor portátil, com o fone no ouvido percebendo cada coisa que acontecia na sala.

E então uma memória brotou na sua mente. Huang estava se recordando das vezes que almoçara com Tsai. Não havia muito romantismo ou glamour. Como eram membros do exército, muitas vezes o único tempo que tinham juntos era ainda trajando a farda. Mas eram nesses almoços que eles poderiam ser um casal - mesmo que isso fosse da forma incomum comparado com os outros casais do mundo.

E nesses almoços Tsai sempre se queixava da mesma coisa:

“Huang, você tá me ouvindo?”.

E nesses momentos Huang se desculpava, pois não estava prestando atenção em uma única sílaba que Tsai dizia. Aparentemente ele até estava, mas quando ela perguntava a opinião dele, ou lhe perguntava algo, Huang sempre balançava a cabeça, como se voltasse de um transe, e Tsai, como toda mulher, ficava enfurecida quando seu companheiro não lhe dava ouvidos.

“Me desculpa, eu não prestei atenção. O que era mesmo?”.

Mas se Tsai perguntasse o que a pessoa a cinco metros dali conversava com seus subordinados, ele diria exatamente o que estavam tratando na conversa. Se Tsai perguntasse o que o major conversava com seu filho rebelde do outro lado do salão de jantar, Huang sabia com exatidão qual o sermão estava sendo dado. Mesmo na mesa ao lado, onde o Generalíssimo estava sentado conversando com os pais de Tsai, Huang teria prestado bem mais atenção do que em sua então namorada, que estava posta à sua frente.

“...creio que o senhor Chang vai gostar de…”.

De súbito as pupilas de Huang se dilataram, como se indicasse que ele, enquanto estava imerso em suas memórias, havia captado algo. Ouvindo todos os sons emitidos durante a festa, rapidamente ele virou seu rosto para o monitor, apertando alguns botões para mover a câmera.

“...não, que isso, senhor Chang! O senhor é bem mais…”

Na primeira fala Huang captou que haviam citado “Chang”. A primeira vez que ele ouvira na festa, que não havia sido dito por Schultz ou outra pessoa. Ao se colocar na frente do monitor, ele vira que o seu rival pelo coração de Tsai estava cruzando o salão naquele momento, e Huang viu que era a chance dele mostrar para Tsai mais serviço do que aquele loiro europeu. Huang sabia que Schultz havia usado a velha tática do garçom, mas ele sabia que não era cem por cento de certeza que acertaria onde estava Chang Ching-chong. Huang confiava nos seus métodos e no seu talento de destrinchar aquele monte de sons que ele captava com seu microfone.

No primeiro “Chang” que ouviu Huang captou que uma pessoa havia falado. No segundo “Chang” ele memorizou o tom de voz. Agora a questão era refinar o microfone para que buscasse o dono daquela voz.

Huang ligou a função “direcional” do microfone e começou a passear ao redor de todas as pessoas, movendo milimetricamente usando uma espécie de joystick, que controlava o suporte onde havia instalado o microfone.

Vamos lá, esse não. Esse também não…, pensou Huang, enquanto passeava com o microfone em todas as pessoas, e olhava para a câmera, tentando ter o visual da pessoa que buscava.

E então segundos depois Huang enfim achou. Calculando de cabeça a direção que o microfone estava apontado, ele foi virando sua câmera para aquela direção. A imagem demorou um pouco para focar no meio daquela meia-luz, mas conforme a imagem ia se tornando nítida, ele ia dando zoom.

De início seu suspeito estava de costas, conversando com outra pessoa. E então ele deu alguns passos, trocando de posição, por conta de uma pessoa que lhe pediu licença para passar.

“...o que estou dizendo senhor Chang Ching-chong é que os negócios são de vital importância para…”.

E então Huang viu o rosto. Ele não parecia velho, tinha uma pele praticamente sem rugas, mas os cabelos eram grisalhos e um corpo magro, atlético. Mal devia ter completado quarenta anos, o que deixava Chang Ching-chong com uma aparência de um homem bem mais jovem do que aparentava.

O que lhe chamou a atenção foi uma enorme cicatriz que ele tinha, cortando-lhe a face direita. Começava na parte da bochecha e se estendia até perto do olho, e depois continuava da sobrancelha até o final da testa. Por pouco não havia perdido o olho por esse acidente, sabe lá deus o que havia acontecido.

Mas era ele. Era Chang Ching-chong, sem dúvidas.

Huang deixou o microfone direcionado ouvindo a conversa, enquanto pegava o telefone para falar com Tsai.

“Vamos, atende, atente!”, dizia Huang baixinho para si mesmo.

O telefone obviamente não tocava. O que Huang fazia era emitir um bip bem agudo, que chamaria a atenção de Tsai se ela estivesse a no máximo dois metros do telefone, não mais que isso. O telefone sempre ficava na linha, era como se a ligação não fosse desconectada. Mas por mais que Huang tentasse emitir o bip, ou falar, parecia que Tsai não estava lá.

O chinês então passeou com a câmera, tirando de onde estava Chang Ching-chong e buscando o local onde o telefone estava. E quando enfim achou o telefone, onde estava Tsai? Ela simplesmente não estava lá! O combinado era que ela ficaria acessível ao telefone, esperando ele localizar onde estava Chang Ching-chong, ou algum sinal dos outros infiltrados.

Com o coração na goela, Huang começou a procurar onde estava Tsai naquele mundo de gente.

“Senhor, temo que precisamos ir”, disse uma voz que Huang ouviu claramente no seu microfone. Era alguém falando com Chang Ching-chong, “Temos informações que a Gongzhu se infiltrou na festa, e pode estar aqui buscando o senhor. Por gentileza, me acompanhe até os elevadores, precisamos deixar o local agora”.

Nesse momento o coração de Huang disparou. Foram descobertos! Eles estavam prestes a escoltar Chang Ching-chong para fora daquela festa, e Huang tinha que ser rápido e de alguma forma avisar a Gongzhu disso. Tentando se concentrar no monitor preto-e-branco, enfim viu alguém com um vestido que parecia ser vermelho, uma vez que a roupa fica meio escura quando se é convertido para tons de cinza. Huang pousou a câmera um pouco nessa pessoa e quando ela virou o rosto para o lado, Huang enfim a identificou, era mesmo a Tsai!

A questão era que a chinesa estava conversando com um casal de pessoas, aparentemente japoneses. E Huang não tinha a menor ideia de quem eram eles. Rapidamente ele voltou a câmera para o local onde estava Chang Ching-chong e o viu sendo levado para o corredor do elevador, exatamente abaixo de onde Huang estava.

“Ah, Tsai, você me paga! Isso é hora de ficar de papinho conhecendo pessoas?”, resmungou Huang, enquanto deixava seu equipamento lá. Ele pegou a arma que o velho Cheng havia lhe dado e guardado no coldre, em seu peito, “Será que eu que tenho que fazer tudo sozinho dessa joça?”.

E Huang então partiu para um alçapão lateral que levava para os andares inferiores. Pelo visto era ele quem iria chegar até Chang Ching-chong primeiro.

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