Amber #135 - Suspicious minds (12)

“Vamos, por gentileza, sente-se aqui conosco”, disse Aomame, apontando com a mão. A mesa tinha exatos quatro lugares, era elevada, uma mesa apenas para drinques rápidos para depois se voltar ao baile.

Tengo estava vestindo com um belo smoking, e Aomame estava com um vestido branco ricamente decotado e bem colado no corpo, que delineava muito bem sua forma atlética, apesar de não ser muito alta. Os saltos davam o toque final e toda a elegância.

“Eu sempre me assusto um pouco com a minha fama”, disse Tsai, com um sorriso amarelo.

“Você é quase a inimiga número um do imperador Hirohito, as pessoas respeitam e temem o seu nome lá para aqueles lados”, disse Aomame, com convicção. Tsai não gostou muito de ouvir isso, e se limitou a dar outro sorriso sem graça.

“Então vocês são japoneses?”, perguntou Tsai.

“Sim. Somos da Kenpeitai”, respondeu Tengo, e Aomame consentiu. Ele prosseguiu: “Mas francamente às vezes parece que só a gente que consegue ter uma opinião franca sobre o que está acontecendo no país. Especialmente sobre essa expansão desenfreada pelo oriente”.

“Uma opinião franca? Por serem da Inteligência?”, perguntou Tsai, e Aomame confirmou com a cabeça.

“Sim. Não tem como ser coniventes. Queremos ser um empecilho, uma pedra no sapato das grandes. Ser usada como ferramentas desse governo, como se não tivéssemos opinião alguma, é algo que não desce pela nossa garganta”, disse Aomame, e Tsai achou interessante esse ponto de vista. Realmente a fazia lembrar de Schultz.

“Isso é bom. É bom ver que tem pessoas que pensam assim. Essas fidelidades cegas só fazem o ódio crescer ainda mais no mundo”, concluiu Tsai, e nesse momento ela percebeu que Eunmi a olhava com uma expressão um tanto ansiosa.

“Viu, eu disse que eles eram boas pessoas, Gongju”, disse Eunmi, “Eles são de confiança. Nos salvaram muitas vezes, inclusive enquanto fugimos do acampamento. Fomos cercados por tropas japonesas, foi péssimo”.

“É mesmo?”, disse Tsai, ligando rapidamente uma coisa com a outra, “O que será que dois espiões japoneses faziam perto do mesmo local que nós estávamos acampados?”.

Aomame olhou nos olhos da Gongzhu e riu.

“É, você é realmente bem inteligente”, disse Aomame, e nesse momento Eunmi a encarou, sem entender o que ela queria dizer. Tsai continuava encarando a japonesa com uma feição séria, e Aomame prosseguiu: “De fato, queríamos alguma coisa que você tinha”.

“Vocês queriam algo que nós tínhamos? Imagino que seria a mesma coisa que as tropas japonesas também queriam?”, perguntou Tsai, lançando uma isca para ver se conseguia pegar Aomame.

“Não, definitivamente não. Os soldados estavam atrás de vocês. Aliás, nem eles sabiam que eu e o Tengo estávamos lá. Nós apenas estávamos os seguindo”, disse Tengo, interrompendo Aomame e tentando ser mais sutil do que sua amiga seria.

“E o que seria isso que vocês queriam?”, perguntou Tsai.

Aomame ficou um instante em silêncio. Ela bebeu uns goles da taça de champanhe e se reclinou na cadeira, dando uma esticada nas costas. A japonesa prosseguiu, quebrando o silêncio temporário:

“Acho que podemos fazer uma troca, Hime-samá”, disse Aomame, encarando Tsai séria, enquanto alisava em suas mãos a taça de champanhe, “Você nos dá o que queremos, e te damos o que queremos”.

“Como que você sabe o que queremos?”, perguntou Tsai, incisiva. Ela ainda não sabia se podia plenamente confiar naqueles japoneses.

“A coreana aqui nos contou. Chang Ching-chong, homem de confiança de Chiang Kai-shek, sumiu do mapa e apareceu aqui, no meio de Pequim, dando uma festa de arromba, trazendo empresários e pessoas influentes da Ásia inteira, estreitando laços políticos e econômicos. Ele está aqui nessa festa, Hime-samá”, disse Aomame, como se fizesse uma proposta indecente para Tsai, “E posso levá-la até onde ele está”.

Tsai olhou para Eunmi, que continuava com aquela cara de ansiedade, aguardando uma resposta positiva vinda de Tsai. A chinesa não entendia o que estava acontecendo, aparentemente muita coisa aconteceu enquanto elas estavam longe. Porém ela não teve tempo de conversar a sós com sua pupila coreana. Se talvez Tsai soubesse, não estaria como nesse momento, caindo na conversa de Aomame. Encurralada, sem ter para onde fugir, Tsai encarava a japonesa, que tinha um estranho talento de se manter com o rosto sereno, não se sucumbindo a um olhar feio, ou mesmo à pressão. Aomame sabia ser fria como um bloco de gelo, caso necessário. E Tsai havia encontrado uma pessoa muito mais calculista do que a própria.

“Mais champanhe, senhoritas?”, disse o garçom, ao servir uma taça para Tsai.

Nesse momento ela reparou que era o mesmo garçom que ela vira conversando com Schultz. O jovem garçom deu uma risadinha um bocado suspeita para Tsai, que não tirou os olhos dele depois disso. E então o coração de Tsai disparou, e ela ficou paralisada vendo o garçom deixar a mesa. Na sua mente apenas havia uma única preocupação: onde estava Schultz?

“Hime-samá? Tudo bem?”, perguntou Tengo, ao ver a expressão apreensiva de Tsai após a vinda do garçom.

Tsai esticou o pescoço e olhou na direção de onde tinha visto Schultz pela última vez. Haviam muitas pessoas, era difícil de enxergar alguma coisa. Porém conforme os segundos sem ver seu amado passavam, mais seu coração disparava, pensando no pior.

“Ei, Tsai! Será que podemos concluir aqui nossa conversa?”, disse Aomame, elevando a voz, e Tsai voltou para a cadeira, ainda com uma aparência levemente apreensiva.

“Sim, vamos logo com isso. Bom, estamos sim atrás de Chang Ching-chong. E o que vocês dois querem? O que querem que eu entregue? Alguma localização estratégica? Algum dos nossos soldados? A entrada para o QG onde Chiang Kai-shek está?”, disse Tsai, apressada, mas para a surpresa dela Aomame balançou negativamente com a cabeça.

“Nada disso. Eu já disse, não queremos atrapalhar em nada vocês, não queremos segredos militares, nem nada. Eu já disse, nós somos os bonzinhos, Gongzhu. Não me julgue por eu ser rabugenta. Não viemos fazer contraespionagem, nem nada do gênero. Te dou onde está e quem é Chang Ching-chong se você nos entregar o americano Ted Saldaña”.

Tsai nessa hora recuou o tronco. Apesar do barulho ao redor, ela tinha certeza que havia ouvido o nome do americano.

“O que raios aquele cara tem que tanta gente está atrás dele?”, perguntou Tsai, sem entender nada.

Aomame ficou quieta, encarando Tsai. Tengo olhou para ela e ficou com cara de paisagem, evitando contato visual com a Gongzhu. Eunmi continuava ouvindo cada segundo da conversa quieta, mas com uma cara claramente ansiosa. E Tsai encarava Aomame de volta, aguardando uma resposta.

“E então? Você não respondeu”, perguntou Tsai, e Aomame resolveu falar:

“Eu só quero a localização e a autorização de ter Saldaña em minha custódia. Ele não tem nenhuma valia para vocês, mas para mim ele tem. Só tenho isso a dizer”.

“O Saldaña é completamente louco. Vocês não têm noção do que ele é capaz de fazer. Simplesmente parece que todo tipo de pessoa, ser, ou qualquer coisa coisa, querem buscá-lo a todo custo. É algo indescritível, e não estou exagerando. Ter o Saldaña é algo extremamente perigoso e pode lhes custar a vida, sem exagero”, disse Tsai, mostrando preocupação com a escolha daqueles dois japoneses.

“Não tem problema. Estamos prontos caso algo aconteça”.

“Só pra você ter uma noção, ele deu até um prazo máximo para que viessem buscá-lo! Onde já se viu isso? E tenho que admitir, várias tentativas aconteceram. Com coisas que qualquer pessoa em sã consciência diria que é coisa inventada da nossa cabeça, por mais que te contassem ou trouxessem testemunhas”, completou Tsai, mas Aomame permanecia com a mesma feição tranquila, como se aquilo não a surpreendesse de forma alguma. Foi Tengo quem ficou surpreso, comentando:

“Sério? Que cara de pau, esse mexicano que se acha americano… Qual foi o prazo?”.

“Amanhã de manhã, às nove e quarenta”, disse Tsai, levando o tempinho antes de falar para fazer as contas.

Aomame deu uma gargalhada espalhafatosa ao ouvir Tsai dizendo sobre o prazo.

“Nove e quarenta uma merda, isso sim! Deixa ele conosco, Hime-samá. Não temos medo nenhum do que ele possa fazer”, disse Aomame, e essa mudança brusca de humor deixou Tsai estranhando aquilo, “E então? Vai trocar Saldaña por Chang Ching-chong?”.

E por uma última vez Tsai olhou para Eunmi, que parecia uma criança aguardando a sua vez de entrar no brinquedo. Definitivamente ela estava muito ansiosa. Nada daquilo fazia sentido, e ela se sentia nas mãos da japonesa. Realmente foi um plano e tanto. Porém, antes perder a batalha de cabeça erguida, do que perder tentando fugir, ou com qualquer artifício. O jeito era confiar em Aomame, ao menos naquela vez, e esperar para ver o que iria acontecer.

“Ele está na mansão da Tartaruga Negra, cujo dono é o senhor Cheng. É uma casa a uns dois quilômetros ao norte daqui, tem um papel aí?”, disse Tsai, e Aomame lhe entregou um papel, onde ela escreveu o endereço de Cheng, “Diga que você foi mandada por mim para tirar Saldaña e White de lá. Entregue isso aqui ao dono da casa, e ele permitirá você adentrar”.

E Tsai tirou o palito que prendia seu cabelo, e suas madeixas negras caíram sobre suas costas, quase que como uma dança, a deixando ainda mais elegante com aquele cabelo solto.

“Isso! Agora é sua vez de cumprir o que prometeu, Aomame!”, disse Eunmi, e Aomame guardou na sua bolsa o endereço que Tsai havia escrito. A japonesa se ergueu da mesa em silêncio, e Tsai a ficou encarando, aguardando se ela daria a informação que prometeu. Já Eunmi estava se erguendo também, totalmente ansiosa no aguardo do que estava esperando há várias horas.

Só que o que Eunmi aguardava, não tinha nada a ver com o que Tsai estava.

“Aomame, você prometeu algo em troca. Onde está Chang Ching-chong?”, perguntou Tsai, e Aomame se voltou para a chinesa, confirmou com a cabeça, e passeou o olhar pela festa.

“Sim, eu não estava esquecendo. Vocês realmente não confiam em mim, não é mesmo?”, disse Aomame, enquanto procurava. Aqueles segundos pareciam horas, mas enfim a expressão de Aomame mudou quando ela viu algo e o reconheceu, “Ele está logo ali, na escadaria com a estátua do peixe. É aquele homem abraçado com duas mulheres e um charuto na mão”.

Aomame foi em direção da saída com Tengo, e Eunmi foi logo atrás dela. Tsai olhou para a tal escadaria e tomou um susto quando constatou que Chang Ching-chong era ninguém menos do que o homem que ela havia visto antes no bar, que lhe parecia estranhamente familiar, e que era idêntico ao que vira em seu sonho naquela noite. A mesma pessoa que por muito pouco ela não teria abordado, momentos antes.

Comentários

Postagens mais visitadas