Amber #139 - Suspicious minds (16) - Um dia da caça...

“Quem? Fyodo-de-quem?”, perguntou Eunmi, chocada em saber que Schultz sabia até o nome daquele homem.

“Leon Fyodorov. Ele é um russo fugido da União Soviética. Ele é o contato do submundo que o coronel usa”, disse Schultz, e Eunmi ao ouvir ficou ainda mais confusa:

“Coronel? Que coronel?”.

“Ah, verdade, você não o conhece. O coronel Briegel, Roland Briegel. Meu melhor amigo. Puxa, como eu queria que vocês o conhecessem!”, disse Schultz, com felicidade enquanto falava do melhor amigo, “Mas o que esse russo está fazendo aqui, no meio da China?”

“Tem certeza que é ele?”.

“Sim, absolutamente!”, disse Schultz, enquanto encarava Fyodorov no meio das pessoas, cheio de dúvidas, “Enfim, mas obrigado Eunmi por ter vindo atrás de mim. Vou me juntar à Tsai, mas antes preciso saber mais sobre o Fyodorov”

“Mas ele não te conhece?”.

“A mim, não. Ele conhece só o Briegel. Posso usar isso como vantagem”, disse Schultz, ajudando Eunmi a se erguer, “Agora deixa eu te ajudar aqui a se levantar, isso! Eunmi, a Ho está lá fora. Acho melhor você se juntar a ela lá. Tenho medo do que o Fyodorov possa fazer se ele te ver aqui”.

“Tudo bem Schultz. Pode deixar!”, disse Eunmi, passando a mão no rosto para limpar as lágrimas. Apesar de um pouco abatida, ela estava com uma expressão bem melhor do que antes. Ela se despediu, e Schultz foi caminhando de volta para o salão, sempre com o olhar em Fyodorov, que não parecia ter noção de que estava sendo observado.

Escadaria do peixe. Ela está logo ali. Preciso ir logo me juntar à Tsai, talvez ela precise de minha ajuda, agora que ela descobriu onde realmente está Chang Ching-chong, pensava Schultz enquanto caminhava entre as pessoas no meio da festa, avançando até onde estava Leon Fyodorov.

Um sorriso é capaz de abrir muitas portas, e Schultz sabia disso. Ao mesmo tempo, ele devia ser cauteloso, pois uma pessoa como Leon Fyodorov poderia eventualmente ter olheiros ao seu lado, então era necessário agir de maneira rápida, mas cautelosa. Passeando calmamente entre as pessoas, dando uma volta inteira ao redor de Fyodorov e prestando atenção em todas as pessoas nas proximidades do russo, Schultz usava o seu charme e puxava assuntos em pequenas conversas com as pessoas ao redor de Fyodorov, sem ir direto ao alvo, pelo menos naquele primeiro momento.

E então Schultz percebeu que havia uma pessoa, a uns dois metros de Fyodorov, que ficava sempre de olho no russo e nas pessoas ao redor. Ele tentava disfarçar, sentado em uma mesa, mas era curioso como sempre de tempos em tempos olhava para Fyodorov. Era o único que repetia tal padrão.

“Puxa, o senhor é todo bonitão, não fomos apresentados ainda?”, disse uma mulher, talvez uma chinesa ou coreana étnica, se jogando pra cima de Schultz, falando em um inglês carregado de sotaque.

“Oh, acho que não!”, disse Schultz, com um sorriso amarelo, “George Croasdell, ao seu dispor, madame”.

“Sou Rita Lin, esse é o meu nome ocidental”, disse a mulher, completamente mole por conta do excesso de bebida, e com o hálito bem característico, “Meu marido me deixou, ele tá do outro lado da festa com uma vagabunda, sabia?”.

“Puxa, sério?”, disse Schultz, pensando em se livrar daquela mulher. Mas então uma ideia lhe veio na cabeça.

“É! Esses homens, são todos uns lixos mesmo! Vem cá, porque não me beija?”, disse a mulher, lascando um beijo na boca de Schultz, que assustado, não sabia como se desvencilhar daquela bêbada, “Ah, qual é? Não quer transar comigo? Não quer saber se a minha xoxota não é na horizontal igual vocês ocidentais acham?”.

“Moça, minha esposa está aqui”, disse Schultz, tentando despistá-la, “Mas eu tenho um amigo ali, que ele disse que te achou muito bonita, e está de olho em você desde o começo da festa”.

“Mentira! Jura? Quem?”, perguntou a chinesa bêbada, e Schultz apontou para o homem que devia ser o segurança de Fyodorov.

“Aquele ali ó. O nome dele é Wilson. Mas olha, não diga pra ele que eu disse isso, ok? Ele é muito tímido!”, disse Schultz, contando uma estória para sustentar sua mentira.

E então a mulher foi até o homem de olho em Fyodorov, enquanto Schultz ficou ao longe observando. Pego desprevenido com uma mulher que apareceu do nada, ele não soube o que fazer, e o alemão ficou de olho vendo a mulher bêbada o levar para longe dali, deixando Fyodorov sozinho.

Depois de aguardar, de olho na mulher até o momento que ela estivesse longe, Schultz enfim abriu um sorriso. O plano tinha dado certo. Agora era hora de se aproximar de Fyodorov.

“Por gentileza, o senhor poderia me acompanhar?”, disse uma voz masculina atrás de Schultz, o segurando pelo ombro. Depois de ter feito a pergunta, Schultz sentiu algo encostado em sua lombar. Uma coisa que ele previu que fosse uma arma, dada ao formato de cano que ele sentia ao encostar, “Não esboce nenhuma reação, senhor. Sabemos exatamente quem você é. A brincadeira termina aqui para todos vocês”.

Imobilizado, Schultz tentava disfarçar o nervosismo, mesmo no meio daquela festa imensa, com todas as pessoas dançando, bebendo, e conversando. Fyodorov estava a dois passos na sua frente, de costas. Mas pelo visto ele havia sido descoberto, não tinha muito o que fazer. O alemão pelo visto ficaria sem saber o que Fyodorov estava fazendo naquele lugar tão distante da Europa.

Sem dizer uma única palavra, apenas seguindo as instruções do homem que lhe havia rendido, Schultz, agora em suas mãos, foi sendo levado para o local onde estava antes, seguindo o falso Chang Ching-chong. O alemão foi extremamente obediente, ele sabia que não ia dar certo chamar a atenção para si com aquele tanto de gente, e com certeza algum inocente ia sair ferido. O jogo começaria no momento em que ele chegasse no local onde o queriam colocar.

Ao chegar na sala, já haviam quatro homens aguardando, entre eles, a pessoa que o garçom disse que era Chang Ching-chong.

“Poxa, pensei que iam me trazer onde estavam as prostitutas”, disse Schultz, tranquilo e irônico, “O que significa isso, senhor? Será que não se confundiram?”.

Um dos homens começaram a amarrar Schultz, pegando seus punhos. Ele deixa a arma em uma mesa, e Schultz presumiu que ele era a único armado ali naquela sala. Eles não responderam nada que o alemão perguntou, o ignorando completamente.

“Puxa, vão me amarrar? Mas eu não tenho esse fetiche, eu gosto é de ficar por cima! E vocês são bem feios, eu gosto de homens mais gatinhos!”, disse Schultz, fingindo estar alegre por conta da bebida, mas os homens continuavam tentando dar um nó com a corda.

O homem que amarrava Schultz ficava entre resmungos e trocas de olhares e comentários com os outros, incluindo o suposto Chang Ching-chong. Era claro que ele não sabia como amordaçar uma pessoa, e Schultz sabia que poderia ludibriá-los sem problemas. Eles eram muito amadores.

“Fica quieto, sabemos quem é você, alemão! Logo pegaremos a Tsai, e estará tudo acabado!”, disse o homem que fingia ser Chang Ching-chong, pegando a arma do cara que havia rendido Schultz, que estava em cima da mesa, “Fica quietinho aí, queremos entregar você vivo!”.

“Vocês estão me dando medo!”, disse Schultz, aos risos, “Seus danadinhos! Se vocês tocarem em um fio de cabelo meu que eu demorei tanto pra me aprontar, juro que vou pegar todos vocês!”.

“Queremos te entregar vivo sim, mas não quer dizer que vamos entregá-lo inteiro”, disse o homem que amarrou Schultz, fechando o punho e lhe dando um soco bem no rosto.

O soco pegou bem errado em Schultz, e praticamente nem doeu. Tava na cara que o chinês não sabia nem um pouco lutar.

“Me entregar inteiro? Que coisa mais clichê, amiguinho!”, disse Schultz, carregado no sarcasmo, dando até uma risada depois de receber aquele soco pífio, “Quer saber? Isso parece fala de vilão de filme de quinta categoria. Nem bater você sabe”, e ao dizer isso, Schultz o encarava como uma cobra prestes a dar o bote na presa.

O chinês recuou ao ver o olhar ameaçador de Schultz.

“Fraco? O que você acha que pode fazer, hein?”, disse o chinês, que desferiu outro soco, que também Schultz quase não sentiu, “Você que está amarrado nessa cadeira, não eu!”, e de novo o chinês deu um soco, mas quem gritou foi o próprio chinês que desferiu o golpe.

Quando Schultz percebeu, era o próprio chinês quem estava segurando seu próprio punho, que parecia deslocado, uma vez que a mão estava caída, parecendo sem vida. O chinês soltava berros e mais berros de dor, encarando a mão ali fora do lugar.

“Ah, fala sério! Me colocam para me sequestrar o grupo circense de Pequim, só pode! Só tem palhaço aqui!”, disse Schultz, se erguendo da cadeira. Como ele vira o laço péssimo e frouxo que o chinês havia feito nos seus punhos, Schultz na frente de todos ali se desatou e ergueu a corda mostrando a todos, gozando da cara deles, antes de jogá-la no chão.

O homem armado então a apontou para Schultz no momento que o viu em pé. Pela forma que ele apontava para Schultz era claro que ele não sabia manusear a arma, sequer sabia mirar.

“Vem cá, vamos te achar uma utilidade”, disse Schultz, erguendo o homem com o punho deslocado, e o usando como escudo humano.

“Solta ele! Solta ele senão eu atiro!”, disse o homem armado.

“Atira mesmo? Então vai lá, atira”, disse Schultz, o desafiando. Mas o homem permaneceu apenas mirando, sem reação.

Schultz balançou a cabeça com os olhos virados pra cima. Aquilo só devia ser uma piada. Um segundo chinês veio de lado e Schultz pegou o homem que gritava de dor e bateu forte com sua cabeça na parede, o deixando inconsciente, e depois foi para cima do chinês que veio pelo seu lado. Ele não sabia fazer nada, e foi facilmente derrubado por Schultz depois de dois ou três golpes.

Havia apenas o armado, que era o falso Chang Ching-chong e um outro comparsa.

“Vai, atira! Eu tô te dando uma chance, tô aqui parado”, disse Schultz, dando de ombros, “Anda logo, atira!”, mas o homem simplesmente não atirava. O outro chinês estava começando a ficar em pânico vendo Schultz se aproximar, e então o falso Chang Ching-chong deixou a arma no chão e começou a correr em direção da outra porta.

“Ah, cacete, será que eu tenho que fazer tudo? Não me pagaram para isso!”, disse o outro chinês que pegou a arma do chão, ao ver o falso Chang Ching-chong correr. Rapidamente ele aponta para Schultz e puxa o gatilho. E nada acontece. Vendo a arma não funcionar, ele olha para ela desesperado, gritando: “Caralho!! Por que não funciona?”.

E nesse momento Schultz se aproxima do chinês armado, lhe tomando a arma das mãos sem maior resistência.

“Ei, essa arma é falsa, amiguinho, olha só aqui dentro do cano”, disse Schultz, mostrando para ele o que ele já tinha visto de longe, “O cara não pintou a parte de dentro, esse amarelo aqui mostra que isso aqui é mais vagabundo que plástico”.

O chinês desesperado tentou aplicar um golpe em Schultz, que o segurou sem maiores problemas, e depois deu um chute no estômago que o deixou no chão gemendo de dores.

“Agora só falta você. Espera aí!”, disse Schultz, quase que indo aos pulinhos atrás do falso Chang Ching-chong, que corria desesperado tentando fugir de Schultz.

A porta que ele tentava abrir estava trancada do outro lado. Ele tentava com toda a força girar a maçaneta, mas ela simplesmente não abria.

“Por favor, não me mata! Eu juro que eu não sabia no que isso ia dar! Fui enganado!!”, disse o falso Chang, com os olhos cheios de lágrimas, e uma cara de profundo terror no rosto.

“Calma, calma! Eu não quero te fazer mal. Vamos conversar”, disse Schultz, se aproximando do homem tomado pelo pânico, “Quero saber quantos Chang Ching-chong falsos temos aqui, e qual o plano de vocês com tantos sósias por aqui”.

“E-eu não s-sei!”, disse o homem gaguejando, “E-eu só lembro d-de uma m-mulher loira que d-disse que iria n-nos pagar uma g-grana! Só isso!”

“Uma mulher loira? Hã? No meio da China?”, perguntou Schultz, já cansado de surpresas. Ver Leon Fyodorov no meio da China já era algo bem inesperado.

“Isso! Eu juro, não me mata! Ela que arranjou tudo isso!”, disse o homem, e Schultz ficou por um momento pensando quem poderia ser essa pessoa que aquele homem se referia. Dado ao seu estado de pânico e medo, era claro que ele estava falando a verdade. Aquele ali, todo esse plano com sósias, tudo isso só os tornavam meros coagidos no meio disso tudo. Eram os pequenos no meio de um esquema muito maior. Agora Schultz tinha que descobrir quem era essa tal “mulher loira” que ele se referia.

Então subitamente Schultz ouviu sons de tiros. Uma rajada de tiros foi efetuada na sua frente, e graças ao reflexo Schultz conseguiu dar um salto para o lado, caindo no chão, enquanto os disparos eram feitos.

Ainda se recuperando do susto, Schultz depois de ter se jogado no chão olhou para sua frente, onde estava o falso Chang Ching-chong. A porta estava cheia de buracos, e o corpo do chinês escorregava na porta até o chão, tingindo toda a madeira de vermelho. Ele havia sido baleado, e os projéteis haviam atravessado a porta e o matado.

Schultz tenta se erguer, mas sente uma dor no seu braço. Ao colocar a mão percebe que estava sangrando.

“Ai, que droga!”, disse Schultz, levando a mão ao ferimento. Ele percebera que havia levado um tiro de raspão. Mas o corpo do homem na sua frente não tinha tido a mesma sorte.

Pelos buracos na porta ele via que tinha alguém. E essa pessoa estava destrancando a porta e a abrindo.

Cacete, preciso sair daqui!, pensou Schultz se erguendo rapidamente e se afastando da porta, buscando cobertura na mesa, a tombando no chão para servir de proteção.

Porém quando a porta se abriu, Schultz ficou na expectativa para ver quem era a pessoa que havia atirado, e no momento que olhou percebeu na hora. Se tratava da tal “mulher loira” que o chinês se referia. Estava vestindo um uniforme da Gestapo completo, naquele exato tom de cinza, gola preta, quepe, e até a cruz de ferro alemã, em um lugar de destaque entre as golas do uniforme. A diferença é que no lugar de calças, estava uma saia. E na mão, estava uma pistola M1911 ainda com fumaça no cano.

“Schultz? Sua voz é inconfundível, sabia querido?”.

A mulher deu uns passos para frente, e conforme a luz ia iluminando seu rosto, o alemão sentiu quase como se o seu coração parasse quando a reconheceu:

“Ingrid? É você?”, disse Schultz, ao reconhecê-la.

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