Livros 2019 #1 - As irmãs Makioka


Vamos fazer uma pausa nas séries e ler uns livros que faz bem pra cabeça. Como sempre estou ali na região da Paulista, bem perto do Sesc Paulista, que possui uma biblioteca, descobri que emprestam livros gratuitamente. Passeando pela modesta biblioteca decidi começar com o livro As irmãs Makioka (細雪; Sasameyuki) escrito em 1944 por Jun'ichiro Tanizaki.

O livro na verdade é uma compilação de três livros, possui quase umas oitocentas páginas. Mas é um livro muito bem escrito, desses que a gente nem sente o tempo passar enquanto lê. Foi traduzido para o português direto do japonês (parabéns para as tradutoras!), e tenho que admitir que foi muito bem feita. Dá pra ver toda a adaptação bacana da linguagem polida japonesa, os termos de época, e as notas dos tradutores explicando os termos em japonês. Eu não tenho nenhuma ascendência asiática, mas como sempre estou a par da cultura oriental, aprecio bastante e percebo quando coisas são bem bem feitas, como a tradução. Vamos dar os créditos pra equipe: Leiko Gotoda, Kanami Hirai, Neide Hissae Nagae e Eliza Atsuko Tashiro. Parabéns, ficou um excelente trabalho!

A história é sobre as quatro irmãs Makioka: Tsuruko, Sachiko, Yukiko e Taeko. De uma família abastada de Osaka, os Makioka, elas perdem os pais, e como únicas herdeiras do nome, vêem a decadência de seu nome dentro da sociedade japonesa, seja pelo esforço de guerra japonês (o romance se passa de 1936 até 1941, e termina um pouquinho antes do ataque a Pearl Harbor), ou pela pobreza mesmo, pois dinheiro não dura pra sempre. Cada uma delas tem um perfil, e o autor ao longo da história as desenvolve muito bem. É o tipo de livro que quando a gente termina, a gente se sente como se fizesse parte daquela família, passando por todos os perrengues, felicidades, anseios e brigas.

Tsuruko é a mais velha. Casada com o Tatsuo, que pegou o sobrenome da mulher pois como só haviam mulheres Makioka na família, existe uma tradição no Japão que nesse caso o homem pega o sobrenome da mulher para que o sobrenome não "morra" por terem nascido apenas mulheres na geração (no Japão, apenas o sobrenome do homem passa para os filhos, inclusive a esposa deixa de ter o sobrenome dela). Ela é a esposa ideal, teve muitos filhos, vive na "casa principal" dos Makioka, leva uma vida confortável, mas é muito preocupada e ás vezes até paranóica. Apesar de ser admirada, na verdade ela tem uma mente muito insegura, e nunca sabe direito fazer as coisas.

Sachiko é a segunda, e é casada com o Teinosuke. Ela tem uma filha pequena, a Etsuko, que é muitas vezes o alívio cômico do romance, com suas peraltices. Ela é talvez a "protagonista", por ter um leve destaque em relação às outras irmãs, muito porque como a irmã mais velha vive a vida dela, sobra pra Sachiko apagar todos os incêndios e problemas com as irmãs mais novas. Muitas vezes a história é contada do ponto de vista dela, então acho que ela é meio protagonista.

Yukiko pode não ser tão protagonista como Sachiko, mas ela é a "irmã coringa" que transita no meio de todas. Yukiko é uma solteirona de trinta anos (o que na época era tipo, inaceitável. Hoje ainda é um pouco... hahaha) e talvez por conta de sua falta de atitude, e de sempre estar disponível para as irmãs, é a única que não consegue um casamento. Conhece pessoas, recebe propostas de miai (casamento arranjado) vive com problemas de beribéri (falta de vitamina B no corpo), mas nunca nada dá certo. Quando conhece um cara legal, a família descobre um podre dele e cancela. Quando acham um cara com um perfil íntegro, Yukiko não vai com a cara dele. Sem contar que ela vive ajudando as irmãs, cuidando da Etsuko (filha da Sachiko) ou ajudando a irmã Tsuruko na casa dela. Ela sofre muito por não conseguir um casamento, e o livro inteiro é mostrando essa trajetória de idas e vindas do amor dela.

Taeko, a caçula, é constantemente chamada de Koisan, que no dialeto de Osaka é uma forma carinhosa de chamar a irmã caçula. Taeko é a rebelde, veste roupas ocidentais, quer trabalhar e fazer sua vida, mas para a época uma mulher do nome Makioka trabalhar era algo impensável, pois elas tinham que manter seu nível social, casar com alguém de posses, e a coitada da Taeko sofre um bocado por não conseguir poder fazer suas escolhas. Isso sem contar que ela até tem pessoas interessadas para casamento, mas como ela é a caçula, ela acha que seria indelicada passar na frente da irmã Yukiko, mais velha que ela, e se casar antes.

Existem outros personagens na trama, mas se eu ficar entrando em detalhes o post vai virar uma bíblia. Mas em suma o livro é muito bom, e Kanizaki é um autor extremamente talentoso. Uma narrativa gostosa e envolvente, sabendo focar tanto no interno quanto no externo, mesmo que não tenha uma profundidade tão grande dentro da alma feminina. Mas os acontecimentos, e as atitudes que são desenhadas pelo autor são bem interessantes de ver como são discorridas.

Parece que o autor se baseou na família uma de suas esposas para escrever o livro, e pelo que está escrito também parece que sofreu censura na época da guerra. Acho que foi muito porque como o Japão estava em guerra, tinha muito racionamento, e o governo dizia para abrir mão dos luxos, etc, e como o livro trata da vida de uma família da alta sociedade, seria eventualmente alvo de censura na época do Japão Imperial. Todo mundo tinha que "ser pobre" para ajudar o Japão a vencer a Guerra do Pacífico.

Você chega a um momento sentir quase como se elas fossem da sua própria família, principalmente conforme o livro vai avançando. A gente torce por uma, se entristece com a outra, fica com raiva das ações delas, e por aí vai. Um drama familiar de época, mostrando a vida, os costumes e os valores desse Japão tão distante, mas que hoje em dia ainda tem influência em como a sociedade nipônica é construída.


Teve até filme (imagem acima), de 1982. Engraçado que depois de ler o livro dá pra sacar certinho quem é quem. A escolha das atrizes acho que foi bem feliz, nem vi o filme mas já acho que deve ser excelente!

Comentários

Postagens mais visitadas