Livros 2020 #4 - Um beijo de colombina

Antes do Sesc Paulista fechar por conta da quarentena, peguei emprestado lá o livro Um beijo de colombina, da maravilhosa Adriana Lisboa. Eu espero que não seja punido por estar com o livro ainda, afinal o Sesc está fechado por conta do novo Corona Vírus, então não quero nem saber de multa depois.

O livro é lindo. Primeiro porque foi escrito por uma mulher que vive um protagonista homem. Ok, eu sei que não é muito difícil, homem é tudo igual: somos superficiais, brucutus, e basicamente em todas as atividades que desempenhamos somos inferiores às mulheres. E a Adriana Lisboa provou que mesmo na hora de criar um protagonista masculino, até nisso as mulheres sabem fazer de um jeito muito melhor que nós, homens.

O protagonista (que a gente não fica sabendo do nome dele até o final do livro) vive uma cruzada em busca de reconstruir quem era sua namorada, a Teresa. Eu falo "quem era" pois sim, ela se suicida logo no primeiro capítulo, deixando apenas um poema do Manuel Bandeira:

Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.

E de fato, ela desaparece, e por conta de ter deixado o poema, concluem que foi um suicídio por afogamento. É então que o namorado dela começa a traçar de volta a ela todas as informações e pessoas que ela conhecia. Ele descobre que ela tinha uma namorada, também chamada Teresa (que é chamada de "Teresa Dois") que vive na Tailândia com uma filha. Cuida da cachorra chamada Boy, que a Teresa era babá de vez em quando (que se chamava assim pois a Teresa quando era criança tinha um cachorro também chamado Boy), e a coisa mais bonita no livro é um personagem que não está presente fisicamente, mas meio que espiritualmente: o poeta Manuel Bandeira.

Francamente nunca fui muito de poesia, no máximo eu entro na Google Assistente e falo: "Recite um poema", e gosto de ouvir ela recitando. Mas se perguntar quem é meu favorito, não sei dizer. Mas o livro tem Manuel Bandeira como uma espécie de alma que guia o protagonista em busca de conhecer outro lado de sua namorada que ele não conhecia. Ele conhece vários poemas, conhece a história, onde ele viveu, coisas da vida do Manuel Bandeira que iam de encontro com diversas coisas da própria Teresa, e a autora faz de um jeito incrível que quando o livro termina a gente se sente íntimo desse cara que participou da lendária Semana de Arte Moderna de 1922.

A narrativa é bem envolvente, pois é um misto de tristeza, saudades e flashbacks. É curioso como a gente tenta reconstruir a vida de uma pessoa depois que ela falece (especialmente se a pessoa é especial para a gente), e a gente vive todo esse misto de emoções de um homem apaixonado que vê sua namorada se suicidar do nada.

Tem um momento também que ele reencontra a Marisa, uma mulata bem gata (pelo menos como descreve) e ela tenta tirá-lo dessa vida de continuar atrás da Teresa. Os dois até se engajam num relacionamento, é bem interessante. E o mais doido: tem sexo no meio, e bem descritivo, e, mais uma vez, foi genialmente escrito por uma mulher. Como ela sabe as sensações de nós homens? Isso é muito doido. Um homem não consegue descrever o que uma mulher sente no sexo, a gente é tudo uns previsíveis mesmo.

Livro muito bem escrito, conciso, poético... Foi gostoso lê-lo e indico muito, uma obra prima da autora.

Nota: 10

Agora os Spoilers sobre o final. 
Se não quiser saber, a postagem acaba aqui.
Não diga que eu não avisei.

Passar bem.


SPOILERS COMEÇAM ABAIXO:


É curioso que o protagonista consegue traçar muita coisa do passado da Teresa. Conhece muitas pessoas, até se engaja num relacionamento novo com a Marisa, mas tudo muda quando no penúltimo capítulo a Marisa lhe entrega um jornal que fala sobre a "autora de livros famosa que se suicidou foi encontrada viva em Mangaratiba".

Eu fiquei tipo: oi???

O protagonista, que tinha feito diversas anotações sobre sua vida com a Teresa, anotado todas as descobertas e coisas que viveu desde o suposto suicídio dela, entrega no apartamento dela todos os papéis, vai até a praia próxima, tira os sapatos, e é a vez dele dar um mergulho no mar. Talvez como um símbolo de ter superado o medo, ou para lavar a alma mesmo, achei bem bonito o desfecho.

E no último capítulo, já narrado pela Teresa, ela conta que o nome do condenado é João. E com aquele monte de relatos que o seu namorado havia feito ela resolve formatar aquilo e lançar um livro, contando sobre seu desaparecimento, mas pela perspectiva dele. Não fica certo se eles voltam, ou o que acontece depois, mas ainda assim, um livro muito bem construído com um mega plot-twist no final. Perfeito.

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