Naquela densa névoa

"Cheguei!", disse ao entrar no recinto.

Já estavamos sob o mesmo teto havia alguns meses. Tinha saído pra fazer algumas compras, nada de importante, e trazer um pouco de chá, pois o nosso estava acabando e lá, bom... Não dá pra viver lá sem chá. Eu inclusive ainda gosto muito de tomar um, com quase nada de açúcar, mas sentindo aquele cheiro bom. Cheguei anunciando minha entrada, olhei em direção a sala e ela estava lá como sempre, debruçada sobre os papéis. Não sei se sequer notou minha chegada, então fui guardar as compras.

Comecei a esquentar um pouco de água. Como sempre, chovia muito, naquele lugar era mais ou menos um dia de chuva e um de sol, sempre se alternando. E eu me acostumei muito com o clima daquele lugar, verdade, mesmo sendo horrível e muito úmido. Coloquei alguns saquinhos de erva e despejei a agua fervente e aquele cheiro subiu. Camomila, uma das coisas que mais conseguem me acalmar, mas me acalmar bem. Foi meio complicado de achar, ainda mais do jeito que eu queria, mas consegui.

Chá é uma coisa mágica. Como disse, não gosto de colocar açúcar, isso estraga totalmente o aroma e o gosto. Pra mim o líquido não tem que ter gosto, o importante é o vapor subindo e inundando o local em volta. Quando estou com tempo, eu sugo aquele cheiro bom, prendo a respiração e engulo um pouco. Chá é uma cultura excelente. Já estava no quinto trago quando senti um cheiro de perfume no local. Um estranho perfume de eucaliptos. Não liguei e tomei o chá.

Foi aí que eu, ainda em pé de frente a pia e ao nosso pequeno fogão senti como se algo estivesse me empurrando. Senti duas mãos abraçando a região da minha cintura com uma ternura sem igual, e por um momento parei de tomar o chá. Virei pra trás, e era ela, aparentemente um pouco abatida. Aliás, nunca consegui entendê-la. Sempre tão racional, tão calculista era era um misto incrível de "aparentementes". Ficava aparentemente feliz, aparentemente triste, aparentemente transtornada, mas sempre com aquele olhar perdido, sério como se visse tudo por cima.

Já estávamos morando sobre o mesmo teto já haviam quase seis meses. Éramos um casal, mas jamais comum. Não tínhamos o amor convencional de beijo, transas e amor. O sentimento que havia entre nós era sempre essas estranhas nuances, um abraço, uma conversa, um problema. Virei pra ela, eu surpreso, pois eu mesmo sendo daquele jeito mais emotivo fiquei até abismado com a atitude que ela tomou naquele momento e a abracei, virando-me de frente.

Olhei nos olhos dela, e os vi lacrimejar. Não sabia o que dizer, abracei ela forte e perguntei o que era.

Sim... Não gosto de ver mulheres chorando, nem que seja chorando de dar risada. Me sinto horrível, mesmo que eu não tenha nada a ver com isso, é um grande ponto fraco meu.

Ela encostou o ouvido no meu peito e falou algumas palavras bem baixinho "Falta... Uma semana, certo? Semana que vem será seu aniversário. Vinte e três anos e eu não preparei nada...". Ela era assim. Poucas palavras, poucas ações. Deixei a sacola na cadeira e trouxe ela, em prantos pra sala. Sabe, um homem tem que fazer o que tem que ser feito, no meu caso foi abrir meu coração e tentar entendê-la. Tentava entendê-la a cada dia de nossa convivência, e mesmo por detrás daquela pessoa calculista, imbatível e indomável havia uma menininha que sentia-se incapacitada exatamente por não saber demonstrar esse tipo de sentimento.

"Não, não chora querida. Você tem que me dar nada! Olha... Sei que dinheiro não é problema, mas o que falta exatamente é o sentimento que vem com a coisa, né?", ela balançou a cabeça positivamente, e engoliu o choro. "Já recebi o meu presente! Te ver desse jeito, como uma mulher 'normal' já é um grande presente. Ver que você mesmo a pessoa inteligente, forte que é, tem lá suas horas ruins e ás vezes acaba chorando. Somos exatamente o oposto, isso é verdade. Eu sou emotivo, teatral e interpessoal. Já você é fria, reservada e intrapessoal. Mas só de ter recebido esse abraço e esse carinho, logo de você que é desse jeito, bom... Meu presente tá aqui!".

Ela então me abraçou como uma criança abraça um ursinho. Vou admitir, fiquei meio sem ar, hehe...

Olhando pra mim de volta aquele jeito sério depois ela concluiu: "Gosto do seu estilo também. Não é um que seguiria, mas é bom." Sempre poucas palavras. Palavras ao vento. Eu na hora, bem mais imaturo do que sou agora disse:

"Ah, mas você tá me zuando, né? Agora vai dizer que sou um manteiga derretida?!"

Ela deu risada. Mas claro, aparentemente.

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