Faça bolas de sabão.

A vista nem era tão boa. Mas ventava bem forte. Lá estava eu, prostrado em frente ao prédio, olhando o movimento das pessoas. Morro de medo de altura, mas gosto de ver as pessoas lá de cima. Vendo lá de cima todos parecem uns robôzinhos, indo a compromissos, andando, vivendo suas vidas. Tudo estava realmente bem calmo, até ela aparecer lá, subindo as escadas lentamente.

Estava vestindo um vestido meio rosa, numa mão um copo com água e detergente, no outro, um ferro retorcido pra fazer bolas de sabão. Estava lá, brincando e olhando pra mim. Percebi, mas meio que fingi não vê-la. Continuava aquele mesmo misto de mulher e menina, a mesma amiga de sempre. Boa e velha amiga. Amigo mesmo é aquele que mesmo depois de um tempão você sabe que pode contar com ele, o tempo é o maior juíz de quanto a amizade perpetuará.

"Achei você! Tentou de novo, mas nem conseguiu..."

Dei um risinho na hora. O braço tava bem dolorido dado as marcas dos cortes. No pulso nem dava pra ver nada demais. Virei num impulso só e comecei a olhar pro céu.

"É... Acho que não foi dessa vez mesmo! Haha... Acho que o próprio cara lá de baixo não deve gostar muito de me ver." Respondi a pergunta dela.

Comecei a ver várias bolas de sabão voando, sendo carregadas pela brisa que tomou o lugar da ventania de antes. Elas dançavam no ar, pareciam ter vida. Via nelas o reflexo, a luz distorcida, as cores do arco-íris até tocarem em alguma coisa e explodirem. Ao menos tempo vinham outras, e mais outras. Bolas de sabão, pra espantar a solidão, não volte os olhos para o chão. Porque elas voam, e tudo que voa significa o aéreo, o imaginário, o sonho. A liberdade.

"Mas consegui tirar boas lições. Quando estive perto da morte acho que devo ter encontrado com Deus, sabe? Não sei, ele deve me odiar, cometi os piores do pecado. Era um ser bem maior que esse da bíblia, que mais parece um cara que fica espionando pra ver o que você faz de errado, sabe?", e era exatamente o que eu estava dizendo, até uma bolha bater bem no olho. Como reação instantânea fechei os olhos e levei minhas mãos para esfregar. Quando recobrei o olhar, ela tava ali na minha frente, sentada num banco.

"Um ser maior? Não entendi. Ou melhor, acho que até entendi. Algo que vai além, não maior em tamanho, certo?", ela disse com aquele jeitinho de criança e adulta.

"Isso. Mas nem precisou falar nada pra eu entender tudo, sabe? Nunca perder a vida vai trazer a solução pros problemas. A gente só pode solucionar os problemas se a gente estiver bem vivo pra poder arrumar tudo de errado que fizemos."

Estava mais aérea que o normal. O vento batia bem forte, e ela teimava em segurar o vestido pra ele não subir. Também pudera, aquela roupa não cabia mais no corpo adulto que tinha.

"Acho que, se estamos vivos é porque ainda temos a esperança de arrumar tudinho. Quando nasci, tive problemas sérios, fiquei um tempo sem o líquido da bolsa e muitos médicos pensavam que eu fosse morrer. Quando era moleque me afoguei, desde então ganhei um mega trauma de água, mas não sei como de alguma forma consegui pedir por ajuda. E mesmo quando a escolha foi minha de acabar com tudo, eu sempre tava lá, era duro na queda mesmo."

Mas não tem problema que você não possa resolver. E a vida sempre lhe reservará coisas boas, coisas ruins, mas independente disso você tem que estar sim preparado para o fim, e nele talvez você possa até escolher. Outra lição é que os seres humanos podem perder absolutamente tudo, mas e a esperança? Ela sem dúvida é a última que morre. Acho que foi isso que papai-do-céu quis dizer pra mim, hahah... Tentar, lutar e se não der... Tenta de novo! Antes falhar do que desistir, mas se persistir tem muito mais chances de ganhar do que perder.

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