XI - A Força



5 de julho de 2000
19h56

"É, a SAS entrou bem na hora, ainda bem", comentei com ela.

O barulho dos carros a nossa volta era péssimo. Pessoas indo de um lado pro outro, a imprensa sendo enganada. Ninguém nunca soube o que acontecera. Nós estávamos numa ambulância, mais longe do cordão de isolamento. Ela como sempre estava sentada sem dizer nada. Quando conversávamos, parecia que eu falava sozinho.

"Dessa vez Dietrich foi pego de novo. Espero que não dê mais dores de cabeça", disse nosso diretor, enquanto se aproximava.

"Acabou. Ainda bem", comentei.

Uma pessoa chamou nosso diretor e ele o seguiu, ficando a alguns metros de nós. O alvoroço ainda era grande na nossa volta. Depois de uns cinco minutos ele veio até nós.

"A pasta... Estava vazia. Os documentos foram... Roubados!", ele disse, olhando pra baixo e frustrado.

Na hora me assustei. Ela como sempre permanecia inabalável, olhando para o nada, enrolada num cobertor.

"COMO ASSIM? O Yuri quase morreu pra conseguir isso! Não é possível que...", na hora minhas mãos começaram a tremer e suar frio.

"A dawn of souls é nada menos do que os nomes verdadeiros e localização de cada um dos nossos homens. Esse documento nunca era pra ser emitido, mas parece que ele foi depois de árduo trabalho. A partir de agora todos nós somos alvos fáceis, portanto meus jovens, quero que me ouçam agora atentamente as minhas instruções", ele disse, dando uma lista de umas dez coisas pra eu e ela fazermos. Mas o que mais nos espantou foi um dos últimos itens:

"Quero que vocês dois se casem. Um casal pode passar desapercebido facilmente do que se vocês dois ficassem solteiros", o diretor disse, sério.

Na hora eu vi aquela aquariana que nunca se abalou arregalar os olhos. Eu não sabia o que fazer, mas até que estava relativamente calmo. Já ela, parecia assustada, parecia ter sido pega totalmente de surpresa, desde o roubo da Dawn of souls como o casamento com alguém como eu.

O diretor nos deixou a sós. Ficamos sentados um do lado do outro. Ambos cabisbaixos. Mesmo com toda a bagunça ao redor de nós, apreciamos o silêncio de nossas companhias. Foi aí que quebrei o gelo. O sol estava se pondo.

"Sei que provavelmente nós não duraremos muito tempo juntos, né?", eu iniciei, "Mas acho que agora não tem mais jeito. Até que a morte nos separe. Eu estou tão assustado quanto você, ainda mais um casamento forçado, mas, não tenho motivos pra te exigir nada. Isso é para nossa segurança e...", ela me interrompeu.

"Quer dizer que eu não vou ficar junto... dele?".

Eu não soube o que dizer. Exceto que os olhos dela pareciam marejar um pouco, mas ela não derrubou uma lágrima sequer. Eu também não sabia o que fazer, olhei pros lados e, sem jeito, a abracei de lado.

Nunca soube o que realmente era, até hoje. Parecia que ela já esperava por alguém, e esse casamento comigo somente iria complicar a situação que ela sempre quis. Sinceramente não me sentia bem com ela também naquele momento, éramos totalmente distintos um do outro, água e vinho.

Nos casamos alguns dias depois e fomos para o exílio. Vivemos juntos durante alguns anos.




Ainda naquele dia encontrei Victoire.

"Envelhecimento acelerado?", a minha falecida esposa iniciou.

Estávamos no meio da rua. Vittorio havia saído. Era apenas eu, Victoire e "ela". Enfim colocar em pratos limpos toda esse grande mal entendido.

"Al, sou eu", iniciou Victoire Blain.

"Vicky? Acho que você me deve explicações. O que você injetou em mim?".

Ela tomou ar, e prosseguiu.

"Al, eu injetei em você um experimento que criei. Uma poderosa droga que é capaz de estimular os radicais livres do seu corpo e modificar seu relógio biológico. Você sofrerá de envelhecimento precoce a partir de agora, e seus efeitos serão considerados como se fosse uma simples Síndrome de Werner".

Fiquei paralizado no momento. Ainda não estava sentindo os efeitos do envelhecimento precoce. Talvez uma grande dor de cabeça fosse o primeiro sinal da fadiga do corpo. Apenas fitei minha esposa e vi a expressão fria dela se transformar com um ar leve de tristeza. Victoire continuou:

"Al, você sabe porque eu entrei no ramo biológico, né? Não, você não sabe. Foi você que matou minha irmã, a Émilie, há cinco anos atrás. E isso tudo é a minha vingança pra você".

"Victoire, eu não matei sua irmã!", eu berrei.

"NÃO ACREDITO EM VOCÊ!!", ela retornou o grito.

Por um momento o local ficou em silêncio. Eu prossegui.

"Vou lhe falar o que eu sei: Encontrei sua irmã, já faz muito tempo, na França. Ela estava casada e tinha em seu poder o filho da Noriko Yamamoto com o Lucca. Émilie está muito acima de nós, sempre um ou dois passos na nossa frente. Eu tive apenas sorte. Foi aí que ela me deu isso, o crucifixo que meu irmão sempre andava com ele".

Victoire derrubou lágrimas.

"Minha irmã... Ela está viva?".

Foi aí que a minha falecida esposa entrou no meio da conversa:

"Sim, ela está. Está na França. Eu ainda não conhecia o Al nesse momento, mas o que ele fala é bem verdade. Mas agora quem quer fazer uma pergunta aqui sou eu. Quanto tempo ele tem de vida?", questionou a garota de cabelo lilás.

O silêncio permeou na sala.

"Viva, Al. É tudo que posso dizer pra você".

Victoire falou diversas coisas. As lágrimas não paravam de cair. Seu maior conselho foi que eu não deveria viver pensando em destino. Mas que deveria viver um dia após o outro, um de cada vez, que o tempo que eu tivesse ainda vivo sob os efeitos do envelhecimento precoce não dependia da doença. Mas sim da minha vontade de viver.

Uma semana depois nasceu o primeiro fio de cabelo branco. E desde então eles multiplicaram de maneira exponencial. Mas a minha morte vai chegar precocemente, por isso devo aproveitar todo tempo que tenho antes que a idade chegue.






Passado algumas semanas depois fui visitar Yuri no hospital. Deixei ela em casa, e fui sozinho. Não tinha mais nada a temer, pensava eu.

"Bom dia, Al. Será que ainda depois de tudo isso ainda posso te chamar de amigo?", ele iniciou.

"Relaxa, Yuri. Vim apenas para ver como você está. Pelo visto você é duro como uma rocha, está até consciente! Nem parece alguém que levou tantos tiros", brinquei. Yuri deu um sorriso cansado e olhou pra cima. Seus olhos lacrimejaram.

"Al. Desculpe. Eu era também um grande amigo de seu irmão, e me sinto um lixo. Fui enganado e manipulado, e se não fosse por você, eu estaria morto agora", algumas lágrimas caíram de seu rosto. Eu apenas observava sem saber o que fazer. Ele prosseguiu, com tristeza em suas palavras: "Seu irmão mais velho foi um HERÓI. E foi justo eu que o capturei e o prendi. Isso ainda dói em mim, Al. Dói muito mais que todos esses ferimentos".

"Yuri, eu só gostaria de dar um enterro digno ao meu irmão. Mas provavelmente seu corpo foi escondido como segredo de estado, ou algo do gêner...", eu prossegui, mas Yuri me interrompeu, me olhando com uma cara de profunda indagação que não entendi de princípio.

"Não te contaram... Não te contaram a verdade até hoje?", questionou Yuri, que estava com os olhos arregalados.

Me aproximei de Yuri, e mesmo deitado naquela cama de hospital, o agarrei pelos ombros. Eu estava ficando nervoso, que verdade era essa que ele disse que eu não sabia?

"Seu irmão conseguiu fugir na execução. Tinha perdido um olho, e estava extremamente ferido, alguns ossos quebrados e parte do corpo desfigurado. Devido ao seu estado foi decretada sua morte, era praticamente impossível alguém sobreviver naquelas condições, porém, na verdade, seu atual estado é desaparecido".

"YURI! Não brinque comigo, não brinque comigo!! Meu irmão mais velho está morto! Não me crie falsas esperanças!! Você está dizendo que existe uma chance dele estar vivo?!", eu gritei, aos berros.

Yuri virou o rosto e fechou seus olhos. Eu comecei a berrar no ouvido dele, mas tudo que ele me respondeu foi silêncio. Meus olhos lacrimejavam de raiva, até que alguns seguranças e enfermeiros entraram assustados no quarto e me levaram embora do hospital. O silêncio que Yuri fez aquele dia continua como uma grande incógnita até hoje.

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