Amber #71 - Enigma.

“Bela tentativa, Anastazja”, disse Liesl, pegando o rádio que Anastazja havia feito, “Mas pegar o código morse dos nazistas não é tão fácil. Eles usam um sistema de criptografia extremamente evoluído, chamado...”

“Enigma! Eu sei”, disse Anastazja.

“Você sabe?”, perguntou Liesl, abismada, “Mas isso é informação altamente secreta do governo”.

Anastazja ficou pálida, arregalando os olhos. Liesl ficou muito desconfiada dela. Porque ela não revelou que conhecia o Enigma antes? As duas ficaram se olhando em silêncio. Anastazja vermelha sem saber onde enfiar a cara, e Liesl com os olhos cerrados, encarando a polonesa.

Foi aí que Alice quebrou aquele clima de desconfiança que dominava a situação:

“Liesl!”, chamou Alice, “Como exatamente funciona esse Enigma?”.

Liesl ficou mais relaxada ao ver que Alice havia quebrado o silêncio. Na hora pensou o óbvio, talvez por Anastazja ser estudante de uma universidade renomada talvez havia ouvido falar e achasse ser capaz de decifrar. Não achava motivos para desconfiar que a polonesa fosse uma ameaça. Pelo menos ainda não.

“A máquina Enigma é uma máquina que decifra informações e as transforma em código, enviando para o outro lado coisas confidenciais. Eu francamente não sei muito, mesmo o coronel Briegel viu pouquíssimas vezes uma. Os generais nazistas possuem muito poucas, menos de dez até onde eu sei, e guardam elas como se fossem algo inestimável”, disse Liesl, se aproximando e pegando das mãos de Anastazja o rádio que ela havia feito com sucata, “Mesmo que você consiga captar os sinais que o Enigma solta, é impossível decifrá-lo”.

“Mas e se observássemos o código?”, disse Alice, tentando mostrar valor ao trabalho e dedicação sincera de Anastazja, e pela boa intenção dela, “Com certeza podemos ver alguns padrões que se repetem, como vogais, ou sei lá. Não estou dizendo que é fácil decifrar o código deles, mas se a Anastazja conseguir observar ela pode eventualmente descobrir. Ela é bem inteligente”.

“Sim, na teoria poderia funcionar, mas pelo que o coronel Briegel me disse a Enigma é bem diferente. Eu não sei como, mas ela consegue embaralhar as letras, essa de observar o código e tentar achar vogais ou coisas do gênero não funciona. Com certeza o país que conseguir decifrar os códigos vão conseguir ganhar essa guerra e rastrear todas as ordens dos nazistas. Eu não sei como, mas ela embaralha as letras e vogais de um jeito que apenas outra máquina enigma consegue desembaralhar. É um sistema engenhoso”, disse Liesl, olhando atentamente para o rádio interceptador que Anastazja havia construído. Depois disso entregou a ela, com um olhar de decepção, “Infelizmente Anastazja, por mais que sua intenção seja boa, o Enigma é indecifrável”.

Anastazja pegou o rádio em mãos e baixou a cabeça, triste. Sua aparência era de alguém realmente decepcionada com seus esforços que deram em nada. Liesl e Alice acharam que realmente ela foi alguém genial por ter feito um rádio com sucata que havia achado nas redondezas. Só faltavam mesmo algumas pilhas para fazê-lo funcionar.

“Tudo bem”, disse Anastazja, erguendo o rosto e melhorando a cara de frustrada, “Vamos para Varsóvia então?”.

“Vamos sim”, disse Alice, tomando a frente, “Estamos bem perto, mas estamos com medo de dominarem de vez Varsóvia. Acho que temos que acelerar e chegar lá o quanto antes. O problema é chegarmos em segurança lá”.

“O que mais temo é termos feito esse esforço todo para chegar lá e justamente bombardearem o local quando estivermos por lá”, disse Liesl, torcendo para que no fundo estivesse errada.

As três então seguiram para Varsóvia.

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15 de setembro de 1939
07h20

A ordem era ter precaução. E para ter precaução, qualquer combate deveria ser evitado a todo custo. Para isso as três somente se aproximaram de Varsóvia quando uma brecha apareceu. Parecia que a Luftwaffe havia feito uma ligeira pausa nos intermináveis bombardeios no cerco da capital polonesa.

Liesl ao longe observava com um binóculo para onde as tropas estavam de movendo naquele dia. Entre aquela fumaça interminável, cheiro de queimado, gritos e explosões era possível ver que o ataque daquele dia seria em um distrito a leste de Varsóvia.

“Ei, Anastazja, o que tem ali daquele lado?”, disse Liesl, passando o binóculo para Anastazja. Ao ver ela rapidamente reconheceu o local.

“É Praga”, disse Anastazja. Liesl parecia confusa.

“Praga? Igual da Tchecoslováquia?”, perguntou Alice, confusa, que estava do lado delas.

“É o nome daquele distrito ao leste de Varsóvia”, disse Anastazja, “Acho que se formos entrar precisamos ir pelo oeste”.

“Escuta, sabe onde fica a Universidade daqui?”, perguntou Liesl, tentando saber o local onde Kovač poderia estar.

Anastazja achou meio estranho a pergunta, mas pegou o binóculo e procurou um grande conjunto de edifícios próximo do rio Vístula que cortava Varsóvia no centro.

“Dá pra chegar pelo oeste. Fica bem perto do rio, olha ali aquele conjunto de prédios com aquele pátio aberto no centro”, disse Anastazja, passando o binóculo e apontando com o dedo para onde Liesl deveria olhar. Ao ver a fumaça desaparecendo Liesl pode ver exatamente onde estava a universidade da cidade, “Mas porque quer ir pra lá? A última coisa que alguém quer ir no meio de uma cidade sitiada é na universidade!”.

“Estamos em busca de um professor, um catedrático, da universidade, lembra? É um tcheco, eu esqueci o nome dele agora, mas o sobrenome é Kovač. Aquele que eu mostrei a ficha, se lembra?”, disse Liesl, apontando na mochila onde estavam os documentos sobre o cientista.

“Verdade, lembrei. Certo. Mas você não me disse o que ele tem de tão importante”, perguntou Anastazja. Alice achou que deveria explicar a situação.

“Meu pai, Briegel, é um agente da SD que quer derrubar Hitler do poder. Ele simplesmente sumiu do mapa há alguns dias na Alemanha, e não temos nenhuma pista. A única pista que temos é que ele guardou a ficha de um professor universitário de Varsóvia, chamado Tomas Kovač”, disse Alice. Antes de prosseguir ela fez uma pausa, olhando para Liesl com uma cara levemente consternada, antes de prosseguir: “Não sabemos exatamente o que ele tem, mas se o papai estava atrás dele é porque ele tem alguma coisa. Pode ser que ele nos leve até papai, pode ser que ele esteja sendo caçado pelos nazistas, ou...”.

“...Ou ele pode estar envolvido com minha prima Maggie, que foi assassinada há alguns anos, em Guernica”, completou Liesl. Nessa hora Anastazja arregalou os olhos. Ela realmente expressava muito as emoções de maneira bem exagerada.

“V-você estava em Guernica há dois anos?”, disse Anastazja, abismada, “Minha nossa! Isso é loucura! E você ainda sobreviveu, o que torna isso ainda mais... Uau!!”, disse Anastazja, bem alto, como se não acreditasse. De súbito Liesl e pegou e abaixou com as duas as puxando, como se tivesse ouvido algo e se assustado, “Ai, nossa, desculpa! Que susto!!”.

“Anastazja, fica quieta, por favor!”, disse Liesl, pedindo para Anastazja ficar quieta. Ouviram alguns tiros vindo das redondezas, “Fiquem aqui e não saiam daqui, vou dar uma espiada”.

Quando Liesl se ergueu ouviu mais um tiro. Ao erguer a cabeça viu o alvo do tiro: uma pessoa, possivelmente polonesa, que estava fugindo, correndo. Um desses que fugia parecia carregar um rifle, talvez fizesse parte da resistência, e por estar fugindo era possível deduzir que havia sido descoberto. Dois soldados nazistas estavam correndo atrás dessas duas pessoas, que fugiam na direção de onde Liesl, Alice e Anastazja estavam.

“Minha nossa. Estão correndo nessa direção!”, disse Liesl, baixinho sacando sua Martini-Henry, “Isso aqui pode ser útil”, nesse momento ela acoplou o visor que Anastazja havia feito. A polonesa e Alice se ergueram lentamente para observar também o que Liesl estava vendo. Alguns instantes depois delas estarem fitando a cena da fuga, a pessoa de trás, que carregava o rifle, foi baleada, caindo morta no chão.

“O que é aquilo que ele tá segurando? Tá brilhando!”, disse Alice, observando o polonês que corria na frente.

Liesl não conseguia dizer nada. Quando Alice voltou o olhar para ela, viu que ela olhava chocada pro visor da arma. Parecia que não acreditava no que via.

“Liesl, o que você tá olhando? Que cara é essa? Conta logo!”, disse Alice, cutucando Liesl, a tirando daquele quase transe. Anastazja também virou o olhar para Liesl, mas não seria necessário mais o visor para ver, a pessoa da frente se aproximava cada vez mais delas, e era possível já distinguir um pouco das duas feições.

“Esse negócio brilhando é uma lanterna na mão dele. Está completamente sujo, vestindo uma calça cheia encardida e uma jaqueta rasgada, mas não é isso que me deixou chocada, olhem bem pra ele!”, disse Liesl, tirando o olho do visor, fazendo com que as duas vissem o homem que vinha na direção dela, que estava nesse momento com o rosto bem nítido, apesar da distância, “Ele é um retardado! Por isso estão correndo atrás dele!”.

“Por Deus! Que crueldade! Vão mata-lo, temos que fazer algo!!”, disse Anastazja, alto, praticamente gritando. Os dois soldados na frente ouviram a voz de Anastazja e ergueram o rosto, tentando achar na frente deles de onde vinha a voz.

“Liesl, não é ‘retardado’ a palavra”, explicou Alice, quando conseguiu ver melhor, “Esse homem vindo na nossa direção tem Síndrome de Down, dá pra ver as características no rosto dele!”.

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