Amber #103 - O rançoso e a petulante (3)

Chao havia sucumbido. Era o fim pra ele.

“Ora sua, cala essa sua boca!!”, disse Chao se erguendo e jogando seu corpo contra Tsai, num empurrão, fazendo os dois caírem pesadamente no chão.

Tsai o empurrou para o lado e se ergueu, e Chao também o fez. Ele parecia disposto a querer lutar ainda, mas para todos os que assistiam aquele embate, era mais do que óbvio que Tsai havia saído vencedora.

“Eu não vou desistir. Eu não posso desistir!”, gritava Chao, cuspindo sangue, “Mesmo que eu caia vinte vezes, eu me levantarei vinte e uma! Eu treinei muito para esse dia, tudo esperando a oportunidade para enfim te botar no seu lugar, sua vadia desgraçada!”, e ao dizer isso, Chao tentou mais uma vez fechar o punho e ir para cima de Tsai, que apenas deu um passo pro lado e o viu errar o golpe, e tentar se recompor.

“Ei, Chao, chega disso, você perdeu! É melhor desistir e manter um pingo de honra depois dessa humilhação e sair na esportiva do que ficar insistindo no erro!”, gritou Huang, indo em direção de Chao. Huang parecia querer apaziguar os ânimos daquela luta que Chao encarava como uma briga.

“Saia daqui seu inútil! Eu já disse, eu vou vencer essa idiota!”, disse Chao, mais uma vez tentando dar outro golpe em Tsai, avançando pra cima dela, e mais uma vez ela apenas deu um passo, e ele caiu direto de cara numa árvore.

Huang então se aproximou e acudiu de certa forma Chao, tentando erguê-lo, e o levar para fora dali. 

“Eu já disse, essa luta acabou, Chao!! Vê se me ouve, seu cabeça dura do caralho!”, gritou Huang, tentando trazer um pouco de razão na cabeça de Chao, mas ele continuava olhando pra Tsai, furioso, bufando como um touro, não dando a mínima para o pedido de Huang.

Schultz observava aquele peça toda na sua frente se desenrolando. Ao menos agora ele estava mais calmo. Ele não tinha um olhar treinado para artes marciais, foi bem difícil distinguir o que acontecia no meio de tantos golpes, mas depois da assessoria de Eunmi ele começou a reparar no que não conseguia ver antes. Era incrível toda aquela troca de movimentos, todos bem calculados, e a incrível força que tudo aquilo tinha. O alemão agora sabia observar punhos, chutes, defesas, investidas. Estava com o olhar tão calibrado, que inclusive viu a mão de Huang puxando algo do bolso da calça de Chao, algo que parecia um envelope, enquanto Huang acudia Chao ferido.

“Ei, como assim, vocês viram aquil...”, disse Schultz, mas ao virar, vira que nem Chou, nem Li, nem Eunmi, nem ninguém havia percebido aquilo. O que havia naquele envelope que Huang havia afanado de Chao? Nesse momento Schultz percebeu que talvez não era um bom momento pra começar alguma intriga, se alguém era a líder ali era Tsai. E ela deveria depois ser informada desse furto e perguntar para Huang o que era aquilo que ele havia sorrateiramente pegado do bolso de Chao, enquanto o ajudava a se levantar.

Porém, quando Schultz virou o rosto pro outro lado, viu o outro Chou, o Chou Dafeng, o chinês imenso com cara de simpático, que antes olhava com ternura toda vez que botava os olhos na Gongzhu. Ele estava também com uma expressão ligeiramente assustada, encarando Huang. Pela sua feição, Schultz presumiu que não foi apenas ele que havia reparado nas mãos leves de Huang.

“Me deixa!”, gritou Chao, empurrando Huang, que se apoiou no chão ao ser jogado. Huang se ergueu, bateu a poeira da roupa, e saiu resmungando coisas inaudíveis. Chao então prosseguiu, indo pra cima de Tsai com seu punho cerrado.

Mas dessa vez, para a surpresa de todos, Chao acertou Tsai em cheio no rosto.

A Gongzhu não gritou. Soltou apenas um gemido, quase inaudível. Mas aquilo para Schultz pareceu quase que passar em câmera lenta. Aquele soco parecia realmente ter acertado ela de jeito, o que o deixou muito preocupado. Tsai permaneceu com o rosto virado depois do impacto do soco, enquanto Chao também ficara estático, e era possível ver o quanto ele demandava de respiração, pois seu peito se enchia e se esvaziava numa velocidade constante. Obviamente ele estava cansadíssimo, exausto, e estava nas últimas. Não haviam golpes, não havia nada. Apenas os dois ficaram parados, como estátuas, e aquilo tudo era muito estranho. O que significava aquilo?

Eles estavam a uma certa distância. Logo era um pouco difícil entender o que estava acontecendo. Mas quando Schultz percebeu, vira que a boca dos dois estava se mexendo, como se eles estivesse falando, mas sequer gesticulavam. Bem baixinho, de forma que ninguém conseguia ouvir. Mas como o silêncio no local só era quebrado pelo som de pássaros, do vento que passava, e dos mosquitos que enchiam o saco no ouvido, aqueles segundos que os dois ficaram naquela posição, falando algo inaudível para eles que estavam longe, inevitavelmente acendeu uma dúvida entre os membros do pelotão.

“Ei, parece que os dois estão falando alguma coisa!”, disse Li, após também ter reparado. Chou confirmou com a cabeça, ela havia percebido também, mas não era possível ouvir. E tão rápido elas perceberam, Chao novamente cerrou os punhos, olhou para Tsai, e deu mais um golpe.

Só que dessa vez, Tsai desviou.

“Eu já disse, Chao! Já basta dessa luta!”, disse Tsai, mas Chao parecia ignorar, e depois de errar um golpe, veio com mais um pra cima dela.

“Cala a boca! Olha só a humilhação que você me fez passar!”, disse Chao, mas Tsai desviou mais uma vez sem problemas do segundo golpe, “Todo o meu pelotão e o seu está vendo! Você sabe muito bem a rivalidade que existe entre os quatro pelotões!”.

“Me recuso a lutar com alguém que já foi derrotado. Isso vai contra meus princípios. Aceite que perdeu e desista de uma vez por todas, Chao!”, disse Tsai, elevando a voz. No fundo ela parecia preocupada com Chao naquele estado.

E Chao ficou por alguns segundos encarando o chão. E então ele, depois de tomar ar, avançou contra Tsai. Seus golpes eram completamente diferentes.

“Minha nossa, ele não vai desistir mesmo!”, gritou Schultz, assustado. Os golpes de Chao agora pareciam bem mais fortes que os anteriores, eles pareciam rasgar o ar, era possível até ouvir, ele parecia estar disposto a usar todas suas últimas forças unidas numa investida final, “Eunmi, é impressão minha ou os golpes parecem diferentes? Ele parece realmente desferir os golpes com muito mais força que antes, mesmo que os golpes de antes já parecessem muito fortes!”.

“Incrível. Nunca vi alguém assim! Dá pra sentir a força empregada em cada movimento, ele parece querer aniquilar de vez Tsai, indo até as últimas consequências!”, disse Eunmi, abismada.

E então um golpe acerta Tsai, mas ela continua se mantendo na defensiva, tentando encaixar algum golpe, mas os movimentos de Chao pareciam impregnados de uma profunda fúria. Ele chegava a soltar gritos furiosos enquanto desferia os golpes. Schultz, apreensivo, dá um passo pra frente, com medo do que possa acontecer, desejando de alguma forma defender a mulher que ele sentia que queria proteger. Porém ao mesmo tempo ele sabia que aquela era a luta dela, e que devia respeitar.

Porém, outro golpe acerta Tsai. E dessa vez a acerta pra valer, no rosto. Ela solta um grito contido, e o coração de Schultz e dos membros do pelotão dela salta pela boca.

“Gongzhu!!”, gritaram Li e Eunmi, enquanto Chou avançava em direção dela.

“Chega disso! Chao está fora de si! Ela luta acabou há muito tempo!”, disse Chou, levando sua caixa médica até Tsai.

Mas Chao parecia estar fora de si. Tsai tentava se recompor do golpe que a acertou em cheio, a ele não parava de golpeá-la, mesmo ela tentando se manter em pé, numa posição defensiva. Era claro que até se defender daquele canalha e covarde era algo doloroso, dada a feição que a Gongzhu tinha e os gemidos de dor que ela soltava quando um golpe de Chao passava pela defesa dela.

Schultz então leva suas mãos pra sua cabeça. Chou, que estava indo ao encontro da Gongzhu para no meio do caminho sem acreditar no que via. Li e Eunmi gritavam por Tsai, enquanto Dafeng, Ho e Chen não sabiam o que fazer, de tão chocados que estavam. Huang apenas observava aquilo tudo com a cara fechada, e Schultz, se vendo no meio daquele turbilhão, olhava para todos os lados, como se buscasse por alguma ajuda, alguma resposta, para tudo aquilo.

Como aquele sentimento de vitória, de que tudo acabaria bem momentos atrás, se transformou no desespero assim, de maneira tão abrupta?

Puta que pariu, foco, Schultz, foco! Cacete... Esse cara tá completamente fora de si, ele tá lá desferindo golpes atrás de golpes na Tsai, ele vai acabar matando ela! Alguém tem que fazer algo! Acho que eu consigo segurar ele, mas esse tonto do Huang fica só encarando de cara fechada, acho que ele nem vai ajudar! E agora, o que vou fazer?, pensou Schultz, e enquanto seu olhar, fora do foco da luta, buscava algo que lhe tirasse daquele sentimento de desespero, algo que o fizesse voltar a si para pensar em algo, ele novamente vira um vulto atrás de uma árvore, do outro lado de onde Chao massacrava Tsai.

“Hã? De novo?”, disse Schultz, pensando alto, reparando na moita, “Que porra é essa, olha aquilo ali, Li!”, disse Schultz, apontando, mas na hora que Li, que estava completamente focada na forma covarde que Chao empregava contra Tsai, e no embate que os dois estavam travando, não percebeu de primeira quando Schultz a chamou, e quando olhou para onde o alemão apontava era tarde. O vulto havia novamente sumido.

“Para de ficar vendo coisas, Schultz! Não é hora de brincadeiras, eu não vi nada, cacete! Para de se preocupar com isso! A Tsai tá em perigo!”, repreendeu Li, que estava muito tensa vendo aquilo tudo, “Chou, anda logo, vamos acabar com isso! A gente tira a Tsai de lá e você, Schultz, segura o Chao”, disse Li, tomando a frente distribuindo tarefas. Ela viu Chou Dafeng do outro lado, e pensou que ele poderia ser útil de certa forma também: “Dafeng, será que você pode ajudar a separar? Junto do Schultz, tenta segurar o Chao! Ele tá espancando a Tsai, ela vai acabar se machucando muito!!”.

“AHHHHHHHHHH!”, gritou Tsai, e esse momento foi a gota d’água. Chao estava com o punho fechado apertando a ferida nas costas de Tsai, a ferida acima das nádegas, que ela acabou sofrendo ao proteger Schultz no momento do descarrilamento. Ela soltava um grito cheio de desespero, um grito que ecoava por todo o local, algo que ninguém imaginava que Tsai poderia fazer.

Afinal, ela também era humana. E aquele golpe covarde, se aproveitando de um ferimento deixou todos chocados sobre o que aquilo havia se transformado. Chao estava possuído por um demônio interior, avançando contra Tsai com golpes cheios de violência e um vigor fora do normal, querendo transformar aquilo em um homicídio, e não mais numa luta. 

Chou e Li avançaram para ajudar Tsai, enquanto Schultz e Dafeng iam em direção de Chao, mas nessa hora que eles se aproximavam, Tsai olhou nos olhos deles. Apesar da sua expressão de dor, aquele olhar tinha uma energia. Chao continuava a golpear, o vento continuava a soprar, e o mundo continuava a girar. Mas a impressão era que o tempo havia se congelado, parado. Mas aquele olhar, profundo, dizia muito mais do que qualquer palavra pudesse falar. Os membros do pelotão conheciam tão bem sua líder, que sabiam que aquele olhar sempre vinha acompanhado de uma ordem para o pelotão.

E então Tsai fez três gestos com sua mão. Foi tudo bem rápido, e Chou, Li e Dafeng que conheciam o que aqueles três gestos significavam não avançaram mais.

“Ei, por que pararam?”, perguntou Schultz, sem entender o motivo dos três terem parado no meio do caminho, “O que aconteceu?”.

“A Gongzhu... Ela deu uma ordem. Por meio de gestos”, disse Li, atônica.

Schultz havia percebido os gestos, mas não tinha noção do significado daquilo.

“Tá, mas o que ela quis dizer?”, perguntou Schultz, e Chou respondeu:

“Pare. Prepare as armas. Aguarde a ordem”, disse Chou, pausadamente. Embora ela tivesse compreendido perfeitamente os gestos, ela estava confusa sobre o que Tsai tinha em mente. O que iria acontecer ali?

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