Amber #113 - A certeza de Eunmi.

“Ah, eu? Quem sou eu?”, disse Yamada em japonês. O soldado reconheceu os trajes do exército imperial que Yamada vestia. Apesar de estarem sujos e cheios de terra, não havia dúvida que Yamada fazia parte do exército, “Meu nome é Yamada Koichi”, disse o japonês, e logo depois de dizê-lo, ele concluiu que foi uma besteira enorme ter dito seu nome verdadeiro. Se fosse contar mentiras, era melhor começar a começar a partir daquele momento: “Eu sou da divisão trinta e oito, e me perdi do grupo tem um dia. Vi uns barulhos aqui e vim pedir ajuda, eu estou morrendo de fome e sede, será que vocês podem me ajudar?”.

O soldado ficou encarando Yamada e então gesticulou para que ele subisse.

“Tudo bem, venha cá. Tem um pouco de água aqui pra você, Yamada”, disse o soldado, e Yamada subiu fingindo estar desesperado atrás de água.

Muito bem, Yamada! Ele caiu nessa conversa igual um patinho!!, pensou Yamada, enquanto bebia água dando altas goladas.

Depois de beber a água, Yamada devolveu a garrafa e olhou ao redor. Vira que o rifle SMLE da Li estava encostado ao lado de uma mureta, e discretamente foi até onde o rifle estava, colocando sua bandoleira no ombro, pronto para levar para Li, como ela havia pedido.

Yamada foi se distanciando, verificando os cantos, fingindo buscar as chinesas que estavam ali no acampamento. Ao olhar para trás vira que o soldado que o havia achado estava conversando com alguns superiores, e volta e meia eles fitavam Yamada, enquanto verificavam alguns cadernos e fichas.

Droga! Eles devem estar me procurando nas fichas. Sorte minha que foi justo uma companhia de soldados que nem têm ideia de quem eu sou. Preciso é dar o fora antes que descubram quem eu sou, pensou Yamada enquanto se apoiava numa pedra esperando o momento certo para correr.

Do outro lado Eunmi se juntava a Chou, Chen, e Li. Esses três últimos estavam parados atrás de algumas árvores, com seus rostos voltados a uma direção, observando algo.

“Meninas, cheguei. Pra onde estão olhando?”, sussurrou Eunmi, e Li apontou para um jipe militar a poucos metros dali, guardado por alguns soldados.

“É tentador, mas perdemos nossas roupas, dinheiro, comida, tudo ali no acampamento por conta dessa patrulha inesperada deles. Acho que seria justo ao menos nós levarmos alguma coisa deles”, disse Li, piscando com o olho para Eunmi.

“O quê? Você tá maluca?”, disse Eunmi, descartando imediatamente a ideia de Li, “O Yamada nos disse para a gente seguir essa trilha, que havia alguém nos esperando no final dela!”.

“Qual é a sua, coreana? Você acha mesmo que a gente deve confiar naquele japonês?”, perguntou Li, e Eunmi nesse momento ficou profundamente decepcionada por ouvir que Li ainda tinha suspeitas infundadas contra Yamada.

“Li, não acredito que você vai começar com isso de novo! O Yamada é confiável! Ele nunca fez nada de errado contra a gente, até decidiu deixar o próprio exército para se juntar a gente, mesmo que a gente não tivesse nada a oferecer!”, disse Eunmi, enquanto Chou e Chen apenas ficavam ali ouvindo a conversa das duas atentamente, “Vocês suspeitando do Yamada assim nem parece que conviveram com a Tsai tanto tempo. Não seriam capazes de agir com o coração nobre que a Tsai tem, mesmo convivendo com todos os exemplos de postura e caráter que ela sempre demonstrou a todos!”.

Li então se calou, prestando atenção no que Eunmi tinha a dizer:

“Mesmo eu, que não conheço a Gongju há tanto tempo igual vocês, eu sei como é a Tsai. E consigo imaginar o que ela faria no meu lugar. A Tsai é uma pessoa com um coração tão bom que ela nunca levantaria suspeitas infundadas por apenas não ir com a cara de alguém”, disse Eunmi, e nesse momento algumas memórias brotaram na sua cabeça. Memórias que fizeram ela de certa forma sentir vergonha de si mesma, “Ao contrário de mim, que tenho muito a aprender, afinal eu não sou exemplo pra ninguém. Vocês mesmos me viram com o Jin-su. A Gongju nunca teria feito aquilo que eu fiz, mas nem por conta do meu erro eu vou deixar de tentar me aproximar dela e ser uma boa líder”.

“Então você sugere que a gente confie no Yamada e siga a trilha?”, perguntou Chou, interagindo na conversa.

“A Tsai que eu conheço mesmo que a pessoa que ela confiou a traísse, ela nunca diria que ele é errado, ou não daria uma segunda chance, ou iria puni-lo de alguma forma”, disse Eunmi, “A Gongju na verdade é uma pessoa que se erraria, erraria por ser uma pessoa boa demais. E isso na verdade é uma característica muito nobre da pessoa. Então por isso, não há motivos para suspeitar do Yamada. Se ele diz para seguirmos por aqui, seguiremos. Se der certo e chegarmos num local protegido, ótimo. Se não, mesmo que a gente morra, a gente morrerá sabendo que confiou nas pessoas, e ficaremos com a consciência limpa por ter feito o correto”, Eunmi então concluiu: “A Gongju ofereceria a vida dela por qualquer um aqui. Se mesmo a gente que estamos longe de ser como ela não fizermos assim, quem fará? Estaremos seguindo os passos dela e a deixando orgulhosa de nos ter como parceiros e amigos?”.

Aquelas palavras acertaram em cheio a alma de Li. Em seu coração a chinesa sentia um misto de vergonha com vontade imensa de agir, de mostrar em ações o que ela havia compreendido. Porém ao mesmo tempo ela tinha um orgulho, um sentimento que não a deixava mostrar uma feição diferente de descreio, embora por dentro seu coração acreditava em cada palavra que Eunmi havia dito:

“Tudo bem, você me convenceu. Deixa esse jipe pra lá, vamos seguir pela trilha”, disse Li, avançando na frente seguida pelas outras.

Yamada do outro lado tentou outra tática. Se misturou em um grupo de outros soldados para tentar fugir dali de maneira incógnita. Porém, pelo seu estado, todo sujo e fedido, cada soldado que Yamada cruzava fazia uma expressão de repulsa por conta de seu estado. O japonês, então, fingindo que não estava vendo nada vira que a ideia de tentar sair pelos fundos do acampamento era uma melhor opção, mas naquele instante já era tarde. Ele já estava perto da saída.

A melhor parte é que eles nem se ligaram que eu estou com o rifle da Li. Acho que eles devem estar achando que eu sou o dono real do rifle! Foi mais fácil que eu pensei!, pensou Yamada.

“Pare aquele soldado!!”, gritou um oficial, mas Yamada fingiu que não era com ele. Alguns soldados ao redor ouviram a voz do tenente e viram que ele apontava para Yamada, e logo os soldados encararam Yamada, que mesmo sob o olhar de todas as pessoas continuava andando, fingindo que não era com ele.

Com o coração na boca, Yamada orava por todos os deuses por um milagre que o tirasse dali. E então o mesmo tenente que havia dado o último grito, soltou outro, ainda mais sonoro:

“YAMADA KOICHI, NÃO É ESSE O SEU NOME?”, gritou o tenente, um grito tão alto que até Eunmi e as outras ouviram do outro lado.

“Li, é o Yamada. Temos que voltar. Acho que descobriram ele!”, disse Eunmi quando ouviu o sonoro grito do tenente ecoando por todo o local.

“Ah, merda! Eu juro pra você, coreana, se ele estiver nos levando para uma emboscada, eu vou te atormentar tanto no inferno, que você vai implorar para morrer de novo!”, disse Li, tirando a caixa e enfim a abrindo, revelando seu misterioso conteúdo, sua inesperada ‘arma secreta’.

Eunmi ficou boquiaberta ao ver o que havia na caixa. Mas enquanto Li se aprontava para salvar Yamada, Eunmi apontou com a cabeça para o jipe. Chou e Chen rapidamente entenderam o recado.

“Descobri, eu sabia que tinha ouvido esse nome em algum lugar!”, gritou o tenente, descendo na direção de Yamada, “Koichi Yamada, ex-soldado recruta do exército imperial japonês. Atual status: DESERTOR!”, disse o tenente japonês, gritando na direção de Yamada a última palavra. Apontando o dedo para o japonês, o tenente ordenou aos gritos: “DETENHAM ESSE TRAIDOR DO IMPERADOR AGORA!!”.

E então quando os soldados foram para cima de Yamada, que obviamente saiu correndo, algo acerta em cheio o peito do tenente gritão, o fazendo cair pesadamente no chão.

“Yamada, por aqui, vamos!!”, gritou Eunmi, dando a mão e puxando o japonês, que passou na frente de Li segurando o rifle dela. Quando Li viu que Yamada havia recuperado sua amada SMLE, ela deu um sorriso pro japonês.

Muito bem, japonês. Agora deixa com as meninas aqui. A gente vai salvar a sua pele, pensou Li, engatilhando rapidamente outra flecha da aljava.

A tal arma secreta de Li era um arco-e-flecha. Parecia bem antigo e usado, extremamente simples, se constituindo apenas de um pedaço de galho entortado e uma corda, sem nenhum tipo de mira, nem nada. Tinha uma aparência gastada, cheio de arranhões, marcas de uso, e até pedaços de tecido na empunhadura. Mas seus tiros tinha uma precisão milimétrica e uma velocidade incríveis. Em um piscar de olhos ela havia derrubado quatro soldados que seguiam Yamada, com tiros precisos exatamente no mesmo lugar: no meio das sobrancelhas de cada um deles.

Se Li era mortal com um rifle, naquele momento todos viram que ela poderia ser até mais letal com um simples arco-e-flecha.

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