In tune - Parte IV - Aquela que embarca.

Naquele momento Al ficara atônico. Alguns dias haviam passado desde a última conversa. A decoração vitoriana dava um ar bizarro para a cena. Noriko estava caíra desacordada em cima da mesa, porém antes olhara de uma forma tão penetrante para Al que ele sentia a energia em cada uma das suas palavras, sussurradas, mas que pareciam verdadeiros berros.

"Don't stare at me like this...KEEP MOVING FORWARD!!"

E Al virou e saiu num passo rápido. Subiu algumas escadas, vira que alguns seguranças estavam pra trás. O momento não era pra pensar em nada, apenas seguir em frente. Seu coração parecia que explodiria a qualquer momento, e sentia-se no meio de um imenso claustro, correndo nos corredores daquele edifício de gala.

Foi aí que num momento abriu uma porta. Estava no topo do prédio. Um heliponto e um helicóptero pronto para decolar. Na sua frente um velho barrigudo e careca sentava no veículo, logo depois uma mulher acomodava no banco uma criança de cabelos lisos, e olhos asiáticos.

Al caminhava com cuidado. Sempre tivera medo de altura, e aquela noite em especial ventava muito. Fazia frio, a neve parecia lâminas cortantes em seu rosto. Todas as pessoas ali estavam em seus melhores trajes de gala. E a mulher, a última a embarcar, num vestido lilás justíssimo e um longo sobretudo de pele animal. Seu coração batia forte.

Foi aí que ele tomou todas as forças e gritou:

"Émilie!!"

O velho barrigudo questionou, olhando pra mulher. "Émilie? Qui est Émilie?", questionou, em francês. Alguns seguranças estavam vindo em direção de Al para prendê-lo. A mulher permanecia de costas, foi aí que ela virou-se lentamente e olhou para Al.

Nada havia mudado, era ninguém menos que a própria Émilie. Sete anos depois lá, na sua frente, a poucos metros, pronta para embarcar no helicóptero.

O que fazer naquele momento? Em sua cabeça um filme passou. Lembrou de todas as emoções, lembrou de quando a conheceu, do desgosto que demonstrava quando era criança, do funeral de seu irmão onde nem mesmo seu corpo ele pode ver. Todas essas memórias vieram de uma vez.

Isso em qualquer um poderia ser o estopim necessário para ir pra cima da pessoa que arruinou sua vida, seu passado e seu futuro. Mas não. Al justamente naquele momento queria apenas perguntar para Émilie o porquê disso tudo? Porque tanto ódio? Porque tanta inveja? Porquê?

A mulher fez um sinal para os seguranças. Todos eles pararam, e soltaram Al.

Émilie olhou para Al, virou-se de frente pra ele.

Sem dizer uma palavra abriu a pequena bolsa de mão.

Tirou de lá algo pequeno, que não deu pra ver de longe.

Ela jogou. Provavelmente aquilo voaria e se perderia, mas por um momento o vento havia parado.

Parecia que até mesmo a natureza tinha medo da Émilie, e a obedecia.

O objeto chegou até Al, que agarrou em pleno ar.

Um pequeno crucifixo de madeira clara. Era o crucifixo que seu irmão mais velho, cristão e católico, sempre usava!

Émilie embarcou no helicóptero. Foi embora. Desde então, seu paradeiro é desconhecido, e Al nunca mais a vira.

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