Set me free.

A textura gélida da arma encostando na minha testa tinha me feito arrepiar. Sem dúvida, ela parecia mais fria do que a aparência, e meus olhos estavam arregalados olhando para Val naquele momento, pronta para apertar o gatilho.

"Espera, eu não sei se isso é correto", eu disse.

"Como assim? Esse tempo todo e você ainda tem dúvidas?", ela disse.

"Mas pera lá, tem alguma outra maneira a não ser me matar?".

"Não", ela disse, e eu fiquei assustado, mas depois ela consertou, "Isso não é te matar. Preciso é que você sinta que você está morto. E sentindo que está morto, vai poder se desprender desse lugar".

"Mas tem que ter algo tão... Radical?".

"Tem. Você tem que ver que eu estou viva. Você sente o gelado do cano da arma mesmo assim na sua testa. Por mais que eu diga o contrário, você continua pensando que isso tudo é real, e que se eu puxar o gatilho você vai morrer mesmo".

"Mas é, oras! Isso pra mim por mais que você diga, parece real, mesmo que agora eu tenha lá as minhas dúvidas".

Nessa hora, Val tirou a arma da minha testa, e começou a falar:

"É o seu instinto humano. Mas será que é apenas ele? Depois que eu puxar esse gatilho na sua testa você estará livre. Seu instinto humano tenta proteger sua vida, te fazendo pensar que você vai morrer. Pessoas são assim, pessoas só morrem quando perdem essa vontade de viver".

Vontade de viver? Eu já tinha ouvido esse discurso antes.

"Al, eu posso puxar esse gatilho, e você cair no limbo. Aí sim vai ser pior do que se você estivesse morto, pois sua própria mente vai decretar seu falecimento. Ou, eu posso puxar esse gatilho e você voltar pra realidade", disse Val.

"E como que vou fazer pra voltar?", eu perguntei.

"Tudo vai depender da sua vontade de viver. Até esse momento você nunca se importou de existia ou se vivia. Você perdeu a mim, perdeu o seu irmão, não tem família e quase nenhum amigo. Sua vida era solitária, e cada vez mais você foi se afundando. Até que chegou o momento que você se enganava, e achava que isso era bom. Que isso te protegia. Nesse momento, sua vida se tornou uma mentira, e você nada mais fazia do que fugir".

"Nossa. Você realmente ficou de olho em mim lá no céu, né?"

"Sim. Você precisa superar isso. Foi lhe dado uma nova vida! Você pode voltar e ser feliz, ter uma vida comum, ter uma nova namorada, um emprego comum, uma vida comum e uma pessoa que te ame. Apesar dos foras que você levar da vida, você deve fazer um esforço para reconstruí-la! Seu destino nunca vai ser morrer sozinho num apartamento minúsculo em Pimlico. Seu destino é morrer junto de uma bela esposa, com muitos filhos e netos ao seu redor".

"Isso... Parece interessante até. Mas eu nunca tive uma vida comum. É difícil viver uma vida que você nunca viveu, e nem sabe por onde começar".

"Mas isso está no seu coração naturalmente, está no coração de todos! É essa vontade de viver que vai te salvar quando você pisar na tênue linha entre a vida e a morte. Quero que se lembre disso".

Nessa hora eu parei e pensei. Aquele sonho era muito bom. Eu estava com a pessoa que eu mais amava. O destino tinha me trago algo ruim, mas eu era jovem novamente, tive a chance de recomeçar. Provavelmente acertaria onde havia errado, enfim eu poderia ser uma pessoa feliz. Mas aquilo não era real. Eu estava me enganando, me iludindo.

Por mais dura que a realidade fosse, aquilo era real. Não importava se eu iria sorrir ou chorar, o importante era que eu estaria vivendo.

"Vamos, Val", peguei delicadamente na mão dela, e levei a arma dela na minha testa.

Os olhos dela lacrimejavam. Mas ainda assim, ela sorria.

Set me free.

- - - - - - - - - - - -

A realidade termina quando nós dormimos, mas o sonho acaba quando a gente acorda.

Qual deles é o mais belo pra você?

Comentários

Postagens mais visitadas