Doppelgänger - A história dentro da história (6)
Talvez apenas uma mulher poderia compreender tão abertamente o coração de outra mulher.
Amanda Figuerola era filha de um pai sueco, residente na Costa Rica. O pai não tinha muito o que oferecer, mas sempre fora dedicado. Havia visitado o país numa viagem de turismo, e lá conheceu uma mulher encantadora. Tinha um lindo corpo, um sorriso cativante, e mesmo que não tivesse muitos recursos, lhe sobrava aquele sangue latino que sempre encantou o mundo afora. Seu amor lhe dava tranquilidade, e o próprio nome da donzela latina inspirava esse estado: Paz Florido.
A jovem Paz se apaixonou a primeira vista pelo senhor Figuerola. Todas as noites eram regadas de amor, e nesse ninho eles deram a luz a quatro homens, e a caçula, a jovem Amanda.
O senhor Figuerola descendia dos povos celtas. Toda sua família na sueca ainda praticava seus rituais pagãos, porém ele desde cedo vira que nunca levara jeito para aquilo. Estar na Costa Rica era sua fuga. Seus quatro filhos homens também nunca viam, tampouco sentiam nada. Porém, justamente na mais nova, algo parecia diferente.
“Mãe, mãe”, disse a pequenina Amanda, puxando o vestido da mãe, “Tem um homem em pé lá no meu quarto. Ele tá me dizendo pra mim muitas coisas estranhas”.
Paz se assustou. Pensou que fossem narcotraficantes invadindo sua casa. Ela sabia que não muito longe dali haviam plantações de drogas que seriam enviadas aos americanos pelo México. Porém sua casa não tinha nada demais, eles eram muito humildes, viviam da terra, produzindo numa pequena chácara de agricultura familiar. Porém, quando Paz adentrou ao quarto, viu que havia ninguém lá.
“Filha, não tem ninguém aqui. Será que ele levou alguma coisa?”, disse Paz, abrindo os armários para conferir se estava tudo ali.
“Mãe, ele está ali, perto da janela”, disse Amanda.
Mas por mais que a mãe se virasse, ela não conseguia ver absolutamente nada. Não havia ninguém. Mas a filha falava com uma convicção muito forte. Paz, na sua humilde ignorância, pensou que a filha estava vendo coisas, pois ela não conseguia ver nada ali. Agachou na frente da filha e olhou nos olhos dela, segurando-a pelos ombros.
“Filha, não tem ninguém aí. O que esse homem te disse?”, disse Paz, sem crer no que a filha via.
“Esse moço disse que o José vai morrer em três dias”, disse Amanda, que logo depois disso a mãe lacrimejou e deu um tapa forte na boca da filha.
“NUNCA MAIS DIGA ISSO! JOSÉ É SEU IRMÃO, E ELE ESTÁ BEM!! ISSO É PECADO!! Vá já para a igreja confessar ao padre que você levantou uma calúnia!!”, gritava a mãe, enquanto a filha saía com a mão na boca ensanguentada indo em direção da pequena paróquia local.
Por mais que o padre ordenasse que ela orasse, as visões não paravam. A pobre Amanda não falava mais com a mãe, mas os espíritos sempre vinham contar coisas que estavam prestes a acontecer. Premonições com dia, hora e circunstâncias exatas.
E como previsto, três dias depois José, seu irmão mais velho, faleceu por atropelamento. A mãe não sabia o que fazer com a filha. Via aquilo tudo e ouvia os comentários na rua, de que sua filha mexia com magia negra. Que iria matar todos os habitantes da vila. Que sua filha tinha pacto com satanás. As fofocas nunca cessavam.
E então Amanda foi crescendo. Se tornou uma jovem bonita, tinha o que havia de melhor dos dois mundos: ser loira por conta de seu pai, e a pele bronzeada da sua mãe. Como seu tipo era bem diferente dos outros costa-riquenhos, os rapazes todos ficavam ouriçados ao vê-la – ainda mais no local onde ela morava, que era isolado de tudo.
“Filha, ouvi falar que tem uma dupla de americanos infiltrados por aqui. Parece que são sanguinários espiões, capazes de matar qualquer pessoa. Tome cuidado com eles, sim?”, disse a mãe de Amanda, temendo pela filha.
Amanda estava tomando banho, se aprontando para mais um dia na escola do seu vilarejo. Quando colocou seu uniforme, viu que dois primos seus estavam a encarando. Eram primos bem mais velhos, um tinha 22 e o outro 26. Amanda era uma menina de apenas doze anos.
“Sua bruxa. Você merece uma punição por ter matado todas as pessoas da família. Você é uma desgraça e merece uma punição... Que vamos dar agora!”.
Os dois foram pra cima de Amanda, com uma corda amarram as mãos dela, e a levaram para fora do portão da humilde casa. Ela gritava por ajuda mas ninguém aparecia. Quando fechou o portão ela olhou para a janela e viu ninguém menos que a própria mãe, com lágrimas nos olhos, testemunhando tudo e não fazendo nada.
Todas as pessoas que viam os dois primos carregando a jovem Amanda nada faziam. Na verdade, as pessoas eram tão fanáticas que temiam pelos dois primos, e não pelo que iriam fazer com Amanda. Achavam que Amanda era uma bruxa, e que qualquer um que tentasse fazer algo com ela, iria ter um castigo divino, amaldiçoados. Porém, Amanda era uma menina boa e pura, nunca iria fazer mal a ninguém, mesmo que pudesse fazer tal coisa. Via todos aqueles olhares de julgamento das pessoas do vilarejo, todos pareciam apontar o dedo e agradecer por aquela punição que os primos lhe dariam era um castigo de Deus contra aquela pecadora.
Os primos estavam praticamente babando. Levaram Amanda pra um matagal, e quando mal abaixaram as calças, seus pintos saltaram dela, duros como rocha. Rasgaram o uniforme escolar de Amanda, e a encheram de tapas. Sem dúvida, eles que estavam possuídos pelo demônio.
O que se passa na mente de uma jovem de doze anos ao ser estuprada? Ela não sabia o que estava acontecendo, e depois de um momento as dores pareciam estar anestesiadas. Apenas sentia uma pontada muito dolorida, esporadicamente, depois ela se forçava a fechar os olhos e torcer para que aquilo acabasse logo.
Os primos, covardes, revezavam na violência contra a jovem Amanda. Não tinham nenhuma dó dela, afinal na mente deles ela era uma bruxa, condenável à morte, e aquela era apenas a primeira punição contra ela. Pra eles, era justo. O que os movia era um sentimento sem igual de justiça, eles faziam aquilo pois diziam a si mesmos que ela merecia aquilo. Seu lindo rosto logo estava cheio de hematomas, seu olho direito inchado depois de socos que levou, suas nádegas com marcas de tapas e sua boca não parava de sangrar.
As lágrimas nos olhos embaçavam sua visão. Seus olhos só viam vultos, vultos que não paravam de estupra-la. Eram apenas dois, mas pareciam incontáveis, e aquilo era interminável.
Quando Amanda recobrou a consciência já era o pôr-do-sol. Seu corpo estava tomado pela dor. Provavelmente ela havia desmaiado depois de tantas agressões. Não tinha roupa nenhuma, apenas alguns trapos. Não sabia nem como voltar pra casa, tampouco como chegara ali. Provavelmente teria que ficar lá esperando a morte chegar, pois ela sabia que ninguém – nem mesmo sua família, a receberia no vilarejo depois disso. Amanda encostou numa árvore e dormiu ao relento, torcendo para que logo pela manhã já estivesse morta depois dessa vergonha.
- - - - - - - - - - -
“Ela acordou, venha Arch!”.
“Minha nossa... Espero que os analgésicos façam efeito logo. Porque alguém faria algo tão cruel com uma menina tão jovem?”.
“Ela está ainda meio entorpecida pelos medicamentos. Acho que não consegue falar nada”.
Amanda não conseguia distinguir os rostos com precisão. Mas se aquele era o céu, e se aqueles eram os justiceiros divinos, ela tinha a obrigação de delatar os que haviam feito aquilo com ela.
“Quem fez isso com você, garota?”.
Como um suspiro alto, ela disse o nome e o sobrenome deles, usando ao máximo seu esforço. Depois fechou os olhos, e só ouvia palavras perdidas enquanto novamente caía num sono profundo.
“Sim, são eles, esses nomes....”; “...Eles são ambos ligados ao traficante....”; “...Nos levar direto a ele...”; “Lucca, chamem nossos homens, vamos acabar logo com isso”.
- - - - - - - - - - -
O pão estava quente. Tinha uma manteiga, que derretia lentamente. O café com leite também estava bom. Era difícil pegar o pão, pois o braço estava enfaixado e engessado, e embora mesmo que o outro braço estivesse com curativos, Amanda conseguia rasgar pedaços de pão com a mão, e colocar na boca.
O gosto do pão se misturava com o sangue que ainda saía dos ferimentos da sua boca, dando um gosto ferroso característico. Mas aquela era a primeira refeição de Amanda em dias – pelo menos a primeira que ela realmente se lembrava. No acampamento improvisado ela estava em uma mesa simples, sentada numa cadeira desmontável de madeira, próxima a dois furgões numa língua que ela não ler naquele momento – inglês.
Um jovem, que não aparentava ter mais de vinte anos, sentou-se na mesa com ela. Ele parecia ter notícias, e falava um espanhol bem fluente.
“Amanda Figuerola é seu nome, não? Amanda, não sei como dizer isso, mas os primos que te estupraram pertenciam a uma gangue que trafica armas no Nicarágua. Eles são um braço deles, e isso vai nos ajudar a chegar nos cabeças, quando cruzarmos o país até lá”.
Amanda ficou chocada. Mas não conseguia falar nada.
“Eles resistiram, estavam armados, e nós éramos em maior número e melhor armados. Acabamos executando-os ontem à noite, depois de arrancar mais pistas para completarmos nossa missão”.
Amanda ainda não falava nada. Abaixou os olhos e olhou pro pão que comia. Ela clamava por justiça, e parecia que um cavaleiro da esperança havia aparecido.
“Você tem pra onde ir?”.
Amanda balançou a cabeça negativamente.
“Nós trabalhamos na inteligência, atualmente estou fazendo um trabalho nos Estados Unidos, mas sou inglês. Você enquanto delirava chorava pedindo para não te levar de volta... Não tenho muitas coisas boas pra te oferecer, mas se quiser dar uma chance, posso tentar te arranjar uma nova vida em outro lugar”.
Os olhos de Amanda lacrimejaram. Por um lado, temia morar sozinha em um novo lugar, sem sua família. Por outro lado, temia que ninguém mais no vilarejo a aceitasse, e que eventualmente pessoas a violentariam movidas pelo mesmo fanatismo. Das duras dores, pegou a dor que carregava esperança. Olhou para os olhos do seu cavaleiro da esperança, se esforçou pra abrir a boca apesar da dor, e com toda a força que tinha disse no mais alto e bom tom que poderia falar:
“S-si!”, disse Amanda.
Amanda foi levada para “Land of Freedom”, a América. Seus salvadores conseguiram que a Inteligência a protegesse, pelo menos até que ela ficasse grandinha e conseguisse andar por conta própria. Em um mês todos aqueles ferimentos haviam cicatrizado, e ela era uma nova pessoa. Uma nova identidade. Um novo lar.
Mas ela nunca esquecera dos homens que a salvou. E depois de meses, conseguiu conversar com eles, e implorou para que a permitissem caminhar nos mesmos passos que eles. Ela queria de alguma forma estar próxima dos que a salvara. Eles eram Arch e Lucca, que coincidentemente estavam em missão na América Latina naquela ocasião, um freelance conseguido pela CIA.
Amanda tinha apenas quinze anos em 1988. No ano do expurgo e assassinato de Arch. O homem que não apenas a havia salvado, mas que havia lhe oferecido uma nova vida estava morto. Amanda adotou o nome de Ravena, e se tornou uma poderosa médium a serviço da Inteligência americana, ajudando a resolver inúmeros casos.
Ela queria continuar aquilo que o homem que lhe salvou a vida havia começado. Continuar seu legado, mesmo depois do seu falecimento, e levar adiante seus ideais como uma bandeira por toda sua vida, em gratidão por tudo que ele lhe fizera quando ela tinha apenas doze anos.
Amanda Figuerola era filha de um pai sueco, residente na Costa Rica. O pai não tinha muito o que oferecer, mas sempre fora dedicado. Havia visitado o país numa viagem de turismo, e lá conheceu uma mulher encantadora. Tinha um lindo corpo, um sorriso cativante, e mesmo que não tivesse muitos recursos, lhe sobrava aquele sangue latino que sempre encantou o mundo afora. Seu amor lhe dava tranquilidade, e o próprio nome da donzela latina inspirava esse estado: Paz Florido.
A jovem Paz se apaixonou a primeira vista pelo senhor Figuerola. Todas as noites eram regadas de amor, e nesse ninho eles deram a luz a quatro homens, e a caçula, a jovem Amanda.
O senhor Figuerola descendia dos povos celtas. Toda sua família na sueca ainda praticava seus rituais pagãos, porém ele desde cedo vira que nunca levara jeito para aquilo. Estar na Costa Rica era sua fuga. Seus quatro filhos homens também nunca viam, tampouco sentiam nada. Porém, justamente na mais nova, algo parecia diferente.
“Mãe, mãe”, disse a pequenina Amanda, puxando o vestido da mãe, “Tem um homem em pé lá no meu quarto. Ele tá me dizendo pra mim muitas coisas estranhas”.
Paz se assustou. Pensou que fossem narcotraficantes invadindo sua casa. Ela sabia que não muito longe dali haviam plantações de drogas que seriam enviadas aos americanos pelo México. Porém sua casa não tinha nada demais, eles eram muito humildes, viviam da terra, produzindo numa pequena chácara de agricultura familiar. Porém, quando Paz adentrou ao quarto, viu que havia ninguém lá.
“Filha, não tem ninguém aqui. Será que ele levou alguma coisa?”, disse Paz, abrindo os armários para conferir se estava tudo ali.
“Mãe, ele está ali, perto da janela”, disse Amanda.
Mas por mais que a mãe se virasse, ela não conseguia ver absolutamente nada. Não havia ninguém. Mas a filha falava com uma convicção muito forte. Paz, na sua humilde ignorância, pensou que a filha estava vendo coisas, pois ela não conseguia ver nada ali. Agachou na frente da filha e olhou nos olhos dela, segurando-a pelos ombros.
“Filha, não tem ninguém aí. O que esse homem te disse?”, disse Paz, sem crer no que a filha via.
“Esse moço disse que o José vai morrer em três dias”, disse Amanda, que logo depois disso a mãe lacrimejou e deu um tapa forte na boca da filha.
“NUNCA MAIS DIGA ISSO! JOSÉ É SEU IRMÃO, E ELE ESTÁ BEM!! ISSO É PECADO!! Vá já para a igreja confessar ao padre que você levantou uma calúnia!!”, gritava a mãe, enquanto a filha saía com a mão na boca ensanguentada indo em direção da pequena paróquia local.
Por mais que o padre ordenasse que ela orasse, as visões não paravam. A pobre Amanda não falava mais com a mãe, mas os espíritos sempre vinham contar coisas que estavam prestes a acontecer. Premonições com dia, hora e circunstâncias exatas.
E como previsto, três dias depois José, seu irmão mais velho, faleceu por atropelamento. A mãe não sabia o que fazer com a filha. Via aquilo tudo e ouvia os comentários na rua, de que sua filha mexia com magia negra. Que iria matar todos os habitantes da vila. Que sua filha tinha pacto com satanás. As fofocas nunca cessavam.
E então Amanda foi crescendo. Se tornou uma jovem bonita, tinha o que havia de melhor dos dois mundos: ser loira por conta de seu pai, e a pele bronzeada da sua mãe. Como seu tipo era bem diferente dos outros costa-riquenhos, os rapazes todos ficavam ouriçados ao vê-la – ainda mais no local onde ela morava, que era isolado de tudo.
“Filha, ouvi falar que tem uma dupla de americanos infiltrados por aqui. Parece que são sanguinários espiões, capazes de matar qualquer pessoa. Tome cuidado com eles, sim?”, disse a mãe de Amanda, temendo pela filha.
Amanda estava tomando banho, se aprontando para mais um dia na escola do seu vilarejo. Quando colocou seu uniforme, viu que dois primos seus estavam a encarando. Eram primos bem mais velhos, um tinha 22 e o outro 26. Amanda era uma menina de apenas doze anos.
“Sua bruxa. Você merece uma punição por ter matado todas as pessoas da família. Você é uma desgraça e merece uma punição... Que vamos dar agora!”.
Os dois foram pra cima de Amanda, com uma corda amarram as mãos dela, e a levaram para fora do portão da humilde casa. Ela gritava por ajuda mas ninguém aparecia. Quando fechou o portão ela olhou para a janela e viu ninguém menos que a própria mãe, com lágrimas nos olhos, testemunhando tudo e não fazendo nada.
Todas as pessoas que viam os dois primos carregando a jovem Amanda nada faziam. Na verdade, as pessoas eram tão fanáticas que temiam pelos dois primos, e não pelo que iriam fazer com Amanda. Achavam que Amanda era uma bruxa, e que qualquer um que tentasse fazer algo com ela, iria ter um castigo divino, amaldiçoados. Porém, Amanda era uma menina boa e pura, nunca iria fazer mal a ninguém, mesmo que pudesse fazer tal coisa. Via todos aqueles olhares de julgamento das pessoas do vilarejo, todos pareciam apontar o dedo e agradecer por aquela punição que os primos lhe dariam era um castigo de Deus contra aquela pecadora.
Os primos estavam praticamente babando. Levaram Amanda pra um matagal, e quando mal abaixaram as calças, seus pintos saltaram dela, duros como rocha. Rasgaram o uniforme escolar de Amanda, e a encheram de tapas. Sem dúvida, eles que estavam possuídos pelo demônio.
O que se passa na mente de uma jovem de doze anos ao ser estuprada? Ela não sabia o que estava acontecendo, e depois de um momento as dores pareciam estar anestesiadas. Apenas sentia uma pontada muito dolorida, esporadicamente, depois ela se forçava a fechar os olhos e torcer para que aquilo acabasse logo.
Os primos, covardes, revezavam na violência contra a jovem Amanda. Não tinham nenhuma dó dela, afinal na mente deles ela era uma bruxa, condenável à morte, e aquela era apenas a primeira punição contra ela. Pra eles, era justo. O que os movia era um sentimento sem igual de justiça, eles faziam aquilo pois diziam a si mesmos que ela merecia aquilo. Seu lindo rosto logo estava cheio de hematomas, seu olho direito inchado depois de socos que levou, suas nádegas com marcas de tapas e sua boca não parava de sangrar.
As lágrimas nos olhos embaçavam sua visão. Seus olhos só viam vultos, vultos que não paravam de estupra-la. Eram apenas dois, mas pareciam incontáveis, e aquilo era interminável.
Quando Amanda recobrou a consciência já era o pôr-do-sol. Seu corpo estava tomado pela dor. Provavelmente ela havia desmaiado depois de tantas agressões. Não tinha roupa nenhuma, apenas alguns trapos. Não sabia nem como voltar pra casa, tampouco como chegara ali. Provavelmente teria que ficar lá esperando a morte chegar, pois ela sabia que ninguém – nem mesmo sua família, a receberia no vilarejo depois disso. Amanda encostou numa árvore e dormiu ao relento, torcendo para que logo pela manhã já estivesse morta depois dessa vergonha.
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“Ela acordou, venha Arch!”.
“Minha nossa... Espero que os analgésicos façam efeito logo. Porque alguém faria algo tão cruel com uma menina tão jovem?”.
“Ela está ainda meio entorpecida pelos medicamentos. Acho que não consegue falar nada”.
Amanda não conseguia distinguir os rostos com precisão. Mas se aquele era o céu, e se aqueles eram os justiceiros divinos, ela tinha a obrigação de delatar os que haviam feito aquilo com ela.
“Quem fez isso com você, garota?”.
Como um suspiro alto, ela disse o nome e o sobrenome deles, usando ao máximo seu esforço. Depois fechou os olhos, e só ouvia palavras perdidas enquanto novamente caía num sono profundo.
“Sim, são eles, esses nomes....”; “...Eles são ambos ligados ao traficante....”; “...Nos levar direto a ele...”; “Lucca, chamem nossos homens, vamos acabar logo com isso”.
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O pão estava quente. Tinha uma manteiga, que derretia lentamente. O café com leite também estava bom. Era difícil pegar o pão, pois o braço estava enfaixado e engessado, e embora mesmo que o outro braço estivesse com curativos, Amanda conseguia rasgar pedaços de pão com a mão, e colocar na boca.
O gosto do pão se misturava com o sangue que ainda saía dos ferimentos da sua boca, dando um gosto ferroso característico. Mas aquela era a primeira refeição de Amanda em dias – pelo menos a primeira que ela realmente se lembrava. No acampamento improvisado ela estava em uma mesa simples, sentada numa cadeira desmontável de madeira, próxima a dois furgões numa língua que ela não ler naquele momento – inglês.
Um jovem, que não aparentava ter mais de vinte anos, sentou-se na mesa com ela. Ele parecia ter notícias, e falava um espanhol bem fluente.
“Amanda Figuerola é seu nome, não? Amanda, não sei como dizer isso, mas os primos que te estupraram pertenciam a uma gangue que trafica armas no Nicarágua. Eles são um braço deles, e isso vai nos ajudar a chegar nos cabeças, quando cruzarmos o país até lá”.
Amanda ficou chocada. Mas não conseguia falar nada.
“Eles resistiram, estavam armados, e nós éramos em maior número e melhor armados. Acabamos executando-os ontem à noite, depois de arrancar mais pistas para completarmos nossa missão”.
Amanda ainda não falava nada. Abaixou os olhos e olhou pro pão que comia. Ela clamava por justiça, e parecia que um cavaleiro da esperança havia aparecido.
“Você tem pra onde ir?”.
Amanda balançou a cabeça negativamente.
“Nós trabalhamos na inteligência, atualmente estou fazendo um trabalho nos Estados Unidos, mas sou inglês. Você enquanto delirava chorava pedindo para não te levar de volta... Não tenho muitas coisas boas pra te oferecer, mas se quiser dar uma chance, posso tentar te arranjar uma nova vida em outro lugar”.
Os olhos de Amanda lacrimejaram. Por um lado, temia morar sozinha em um novo lugar, sem sua família. Por outro lado, temia que ninguém mais no vilarejo a aceitasse, e que eventualmente pessoas a violentariam movidas pelo mesmo fanatismo. Das duras dores, pegou a dor que carregava esperança. Olhou para os olhos do seu cavaleiro da esperança, se esforçou pra abrir a boca apesar da dor, e com toda a força que tinha disse no mais alto e bom tom que poderia falar:
“S-si!”, disse Amanda.
Amanda foi levada para “Land of Freedom”, a América. Seus salvadores conseguiram que a Inteligência a protegesse, pelo menos até que ela ficasse grandinha e conseguisse andar por conta própria. Em um mês todos aqueles ferimentos haviam cicatrizado, e ela era uma nova pessoa. Uma nova identidade. Um novo lar.
Mas ela nunca esquecera dos homens que a salvou. E depois de meses, conseguiu conversar com eles, e implorou para que a permitissem caminhar nos mesmos passos que eles. Ela queria de alguma forma estar próxima dos que a salvara. Eles eram Arch e Lucca, que coincidentemente estavam em missão na América Latina naquela ocasião, um freelance conseguido pela CIA.
Amanda tinha apenas quinze anos em 1988. No ano do expurgo e assassinato de Arch. O homem que não apenas a havia salvado, mas que havia lhe oferecido uma nova vida estava morto. Amanda adotou o nome de Ravena, e se tornou uma poderosa médium a serviço da Inteligência americana, ajudando a resolver inúmeros casos.
Ela queria continuar aquilo que o homem que lhe salvou a vida havia começado. Continuar seu legado, mesmo depois do seu falecimento, e levar adiante seus ideais como uma bandeira por toda sua vida, em gratidão por tudo que ele lhe fizera quando ela tinha apenas doze anos.
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