Amber #8 - Omnia vincit amor.

21 de abril de 1937
08h23

O esconderijo de Sarkin já havia sido descoberto por Sundermann anteriormente. Era uma casa , distante de Munique, no campo. Parecia um armazém agrícola. Um edifício de madeira, pintado de vermelho bem escuro. Ao lado tinha uma fazenda, onde nada estava plantado. Haviam uns três morros ao redor, e Schultz estava com um par de binóculos observando o movimento no local.

“Schultz? E aí, alguma coisa?”, disse Briegel, entregando um saco de papel com comida pra ele, “Trouxe os pretzels que você pediu”.

“Ah, valeu meninão!”, disse Schultz, pegando o saco com os pretzels, “Sim. Uns dois caminhões apareceram aqui, saíram aparentemente carregados de algo, mas não deu pra ver exatamente o que era. Escuta, cadê a Alice?”.

“Deixei ela no hotel. Ela disse que tava cansada, acho que peguei pesado chamando ela pra vir em campo com a gente ontem. Acho que acabou piorando a gripe dela por ter pego tanta friagem…”, disse Briegel.

“Entendi. E o tal Hollandaise? E se ele abriu a boca pro Sarkin?”, perguntou Schultz.

“Se ele fez isso, é vantagem pra gente. Sarkin vai ficar tenso ao saber que existe gente atrás dele. É sempre bom manter uma pessoa sob pressão, pois é mais fácil ainda de se cometer deslizes. Mas não tem tantos guardas aí na frente, nem nada, e ele mal deve ter tomado conhecimento da falta de um capanga qualquer como ele, então eu suponho que Sarkin não saiba de nada”, disse Briegel, fazendo uma pausa e dando uma mordida no pretzel, “Depois que o Hollandaise entregou o Goldberg e fugiu eu duvido que ele vai durar muito tempo. Ele é peixe pequeno. Os mafiosos vão encontrar ele quando descobrirem que ele fugiu e vão acabar com a vida dele. Gente idiota pra fazer a tarefa dele não falta”, Briegel apontou com a cabeça pro local antes de prosseguir, “E sobre esse lugar? Descobriu algo?”

“Bom, o local é isolado, só tem essa estradinha de terra. Mas como está no meio desses montes dá pra entender porque Sarkin não tem muitos seguranças. Primeiro pra não chamar a atenção, segundo porque é desnecessário. Vi uns dois ou três guardas, mas se formos entrar vamos precisar da ajuda daqueles dois”, disse Schultz, se referindo a Sundermann e Goldberg.

“Entendi. Bom, eles estavam vindo comigo, mas acho que o Goldberg tava meio tenso depois da ameaça de ontem. O Sundermann ficou lá dando uma força pra ele”, disse Briegel.

“Dando uma força? Sei... Eles devem estar é se pegando!”, brincou Schultz.

“Eles são dois moleques. Saíram da adolescência agora. Não estão prontos pra uma guerra como essa. Tente ser um pouquinho compreensivo, sim?”, disse Briegel, “Vamos lá ver como eles estão”.

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Sundermann e Goldberg estavam em uma padaria, onde Briegel havia comprado pretzels pra ele e Schultz estavam comendo. De longe, ao cruzar a rua deu pra ver os dois pela janela. Estavam sentados lado a lado numa mesa.

“Olha lá eles! Eles estão abraçados!”, disse Schultz.

Briegel ficou em silêncio e continuou caminhando. Enquanto se aproximava viu que Sundermann olhou pros lados enquanto estava abraçado ao lado de Goldberg, como se estivesse se assegurando que ninguém estava os vendo.

“Ei, vamos pregar uma peça neles! Vamos bater na janela e dar-lhes um susto!”, brincou Schultz.

“Espera aí, Schultz!”, alertou Briegel.

E momentos depois dele falar isso, Sundermann lascou um beijo em Goldberg. Um beijo apaixonado, os dois não mostraram muitas carícias públicas, mas era possível ver que a língua dos dois dançavam no meio das suas bocas. Era um beijo de duas pessoas que se amavam, de dois homens que eram apaixonados entre si. Naquele momento nada parecia que impediria aquela cena. Haviam apenas os dois no universo. Foram apenas uns cinco ou dez segundos, e depois trocaram mais uns dois ou três selinhos depois disso.

Briegel e Schultz que observavam tudo do outro lado da janela ficaram perplexos. Não tanto pelo fato de serem dois homens se beijando, mas dois homens que serviam ao Führer, que diziam que homossexualidade era algo que merecia punição, e justo os dois estavam lá em altos amassos. Escondidos do resto dos frequentadores da padaria, mas ainda assim, eram beijos cheios de paixão.

Goldberg nessa hora olhou pela janela sem querer e viu que na rua estavam Schultz e Briegel, que haviam observado tudo. Ele ficou com o rosto vermelho e apontou pra Sundermann, que se apressou em pagar logo a conta e sair.

“Escuta, não é isso que vocês estão pensando! Nós somos amigos!”, disse Sundermann ao sair, querendo explicar a Briegel e Schultz o que estava acontecendo.

Briegel, mesmo sendo o mais maduro, não sabia o que responder. Ele não tinha absolutamente nada contra pessoas gays, mas o medo que tinha era de acabar falando algo que os machucasse. E Sundermann foi justamente se explicar pra Briegel, já que este era o mais velho e mais maduro do grupo, e esperava a compreensão do mesmo. Mas a resposta veio curiosamente do outro lado, de Schultz.

“Ei cara, relaxa!”, disse Schultz, abraçando Sundermann de lado, “Olha, vamos guardar o seu segredo, fica tranquilo. E eu peço desculpas também, eu fiz umas brincadeiras bestas dizendo que vocês eram boiolas, mas agora vi que o que existe entre vocês na verdade é bem bonito. Eu não sou um cara romântico assim com a mulherada, mas eu admiro pessoas assim. Talvez as pessoas de fora condenem vocês dizendo que vocês são promíscuos, só querem saber de sexo, ou coisas piores, mas acho que ninguém viu o que nós vimos. E o que nós vimos é amor. E vocês tem o direito de amarem do jeito que vocês quiserem, e pau no cu do Hitler se ele disser que ‘alemães deviam casar com alemãs e fazerem filhos alemãezinhos’. Chega desse blábláblá! Quero mais que esse Hitler se exploda. Se ele visse o carinho que vocês estavam demonstrando, e a pureza e a vontade de apenas serem felizes juntos, sem dúvida até ele daria o braço a torcer!”.

Briegel se espantou. Apenas soltou um “É isso mesmo! Falou tudo!” pra Schultz, aprovando sua fala. Goldberg ficou emocionado e abraçou carinhosamente seu parceiro de lado, e enfim quebrou o gelo depois de tanto tempo calado, por causa da timidez.

“Obrigado, senhor Schultz. É muito bonito ouvir isso. Ainda mais vindo do senhor, mesmo sendo hétero. Muito obrigado mesmo”, disse Goldberg, “E o senhor também, coronel”.

E Sundermann deu um beijo na testa de Goldberg com ternura. Ele também estava grato, e nunca tinha ouvido palavras tão sensatas. Não eram os dedos incriminatórios que a sociedade apontava pra eles. Tanto Briegel quanto Schultz apesar de serem héteros não viam a necessidade de condenar o amor entre os Sundermann e Goldberg. Eles já deviam carregar um fardo imenso por serem soldados e gays no meio da Alemanha Nazista. Não precisavam de mais dedos apontando que eles estavam errados, ou que deveriam ser mortos. E apoiar o amor deles não faria Schultz nem Briegel afeminados, ou gays. Pelo contrário! Eles sabiam que no amor não havia uma regra. Pessoas gays se amavam tanto quanto pessoas héteros. E ver aquilo fez eles vislumbrarem que um dia no futuro talvez héteros e gays poderiam viver em paz e harmonia, sem repreensão, nem nada do gênero.

“Muito bem então, vamos voltar ao nosso trabalho!”, disse Briegel, motivado, “Parece que tem uns dois soldados do Sarkin fazendo ronda por lá. Preciso que vocês dois neutralizem eles para que possamos entrar e confrontar Sarkin. Podem nos ajudar nisso?”.

“Sim, coronel!”, disseram em uníssono, Sundermann e Goldberg. Todos caíram na risada depois.

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