Amber #90 - 中国の姫 (Chugoku-no-hime)

“Hã? Do que ele te chamou?”, perguntou Schultz para Tsai, enquanto ela puxava pelo colarinho o japonês, que era arrastado sem problemas por ela.

“Por favor, não me mata!! Eu sou apenas um tradutor! Eu nunca peguei numa arma sequer!”, implorava o japonês, chorando e completamente em pânico enquanto era arrastado no chão sendo levado por Tsai. Ao se aproximar do local onde todos os outros membros do pelotão estava, Tsai tomou um impulso e o jogou na frente de todos, que já estavam se reunindo lá em cima, perto do casarão, “Não me mata, por favor! Meu lugar não é no exército! Eu só queria estudar, eu não queria pegar em armas nem nada e...”.

“Quieto”, disse Tsai, numa voz baixa, mas incrivelmente nítida. Por alguns segundos o japonês ficou quieto, mas logo seu rosto começou a se entristecer de maneira tão forte que parecia até distorcido: olhos fechados, boca se abrindo, lágrimas, catarro, tudo. Sem controle sobre suas emoções, o japonês abriu o berreiro: chorava igual uma criança, tentando segurar os gritos, soluçando. Era uma cena realmente deprimente para quem via de fora, mas apenas o nipônico sabia o tamanho do pânico que sentia. Tsai meio que o ignorou e se virou para Chou para ir buscar algo, “Escuta, preciso que me traga aquela foto de todos nós juntos, que tem o Huang nela. Está no meu escritório, em cima da mesa, por favor”.

“É pra já, Gongzhu!”, disse Chou, se dirigindo até o casarão.

“Calma aí japonês, a gente não vai te matar!”, disse Schultz, se virando para o japonês. Ele ao ouvir do nada parou de chorar, como se uma esperança houvesse brotado. Mas nesse momento Schultz lembrou que o último que teria alguma voz de decisão lá era ele, e que se alguém tinha o direito sobre a escolha de vida ou morte do japonês era Tsai. Ele então se virou pra ela, com um sorriso amarelo, dizendo: “Ou a gente vai? Poxa, olha o estado do cara! Não tem como não ter dó vendo essa carinha!”, ao dizer isso Schultz apontou para o seu rosto, e o japonês, embora ainda estivesse com os olhos vermelhos, o nariz cheio daquela gosma verde, o rosto vermelho e com a face toda em pânico, tentava fixar os olhos na Gongzhu, como se pedisse por clemência por meio do olhar de cão arrependido.

“Tudo bem. Fique calmo. Não pretendemos te matar”, disse Tsai, e nessa hora o japonês parecia novamente a derrubar lágrimas, mas dessa vez com um sorriso de alívio no rosto. Ele tentou engatinhar até as pernas de Tsai para abraça-la, mas ela no último momento desviou e ele caiu de cara no chão, tropeçando, “Precisamos na verdade de algumas informações. Você pode ser útil para que consigamos encontrar uma pessoa que foi raptada pelo exército japonês”.

Chou enfim chegou com a foto emoldurada e um copo de água para o japonês. Entregou para a Gongzhu e depois foi levar o copo até o japonês.

“Aqui, pode beber isso. É apenas água, você vai se acalmar”, disse Chou, entregando o copo d’água pro japonês. Ele bebeu aquela água apreciando cada gole. Sentia que cada gota descia pelo sua goela, refrescante, a melhor água que ele havia tomado até então. Uma água com o sabor de saber que sua vida não acabaria naquele momento. Uma gratidão por algo tão simples que ele jamais pensou que sentiria.

“Pode começar pelo seu nome, camarada”, disse Schultz, em chinês, para o japonês.

“Y-Yamada”, respondeu o japonês, entregando o copo de volta para Chou, “Yamada Koichi”.

“Ei, princesa! No Japão eles invertem a ordem do nome e sobrenome também, né?”, perguntou Schultz para Tsai. Ela confirmou com a cabeça, mantendo o olhar pousado em Yamada, “Certo. Koichi Yamada. Mas vocês aqui preferem sempre serem chamados pelo sobrenome, certo?”.

“Sim, senhor. Pode me chamar apenas de Yamada”, respondeu o japonês, fazendo uma reverência, baixando a cabeça. Ele ainda estava sentado no chão, e todos os outros estavam em pé ainda o encarando.

“Eu sou Schultz. Ludwig Schultz, sou alemão, muito prazer”, se apresentou Schultz. Então ele foi apontando para cada uma das pessoas e dizendo seus nomes, “Essa aqui é a batedora, Li. Aquela fortona ali é a Ho. O baixinho com a dinamite é o Chen. Aquela te trouxe água é a Chou. Aquela ali no fundo é a nossa coreana favorita, a Eunmi, Ri Eunmi...”.

“Coreana? A Coréia é parte do Japão”, disse Yamada, mas Eunmi ao ouvir isso ficou extremamente ofendida. Ela então chegou perto e deu um tapa no rosto de Yamada. Nesse momento Schultz a segurou, enquanto Yamada estava com a cara no chão, novamente com os olhos cheios de lágrimas. Eunmi queria voltar lá e bater ainda mais no japonês, mas Schultz a segurou e a estava levando para outro lugar.

“Seu japonês filho duma puta!! Vocês todos são uns lixos, não valem a merda que vocês cagam, seus desgraçados!!”, gritava Eunmi, enquanto Schultz a tentava acalmar, “Me solta, Schultz!! A Coréia nunca foi parte do seu país de merda! Vocês acabaram com minha casa, minha vida, minha família!! Bandidos!!”.

“Chega, Eunmi, por favor”, disse Tsai, calmamente. Mesmo no meio daquele esforço em se desvencilhar de Schultz ela pôde ouvir claramente a ordem da Gongzhu: “Emoções são importantes, mas use-as com sabedoria, e no momento correto. Usar sua energia para descontar sua raiva pessoa contra um soldado que mal deve ter chegado na maioridade não vai mudar nada, nem vingar ninguém. Por gentileza, se acalme”.

Yamada ficou abismado. Tsai tinha tanta fama no Japão que vê-la ali na sua frente era quase como um encontro com uma verdadeira divindade. Ela era bem mais alta, e bem mais bonita do que ele jamais poderia imaginar. E sua voz, apesar de bem feminina, mostrava uma autoridade conseguia transmitir admiração, e não medo, como ele estava acostumado com as autoridades japonesas. A voz da Gongzhu parecia transmitir um imenso respeito. Não apenas pela sua educação e cordialidade, mas pela sua inteligência e determinação.

“Obrigado, Chugoku-no-hime”, disse Yamada, baixando a cabeça, “Eu nunca imaginei que essa missão seria justamente contra alguém como a senhora. Todos do exército japonês falam muito da senhora”.

Tsai apenas ouvia, com uma expressão calma. Ela já tinha ouvido falar que os japoneses sabiam quem era ela, mas não sabia que a fama era tanta quanto o que Yamada dizia. Schultz, ainda confuso, tomou a frente para tirar uma dúvida que o estava matando de curiosidade:

“Yamada, o que significa isso que você chamou a Tsai? Chugo-o-quê?”.

“Chugoku-no-hime. É como as forças armadas do Império Japonês a chamam”, explicou Yamada, olhando para Schultz, “Ela é muito temida por aqueles lados, não apenas por ser uma excelente combatente, mas também pela excelente equipe dela”, nessa hora o japonês virou seu olhar para Tsai, que pela sua expressão parecia saber exatamente do que ele estava falndo, “Em japonês, ‘chugoku-no-hime’ significa ‘princesa da China’. É assim que o exército imperial japonês se refere aquela que vocês chamam de ‘gongzhu’”.

“Uau. Pelo menos mantiveram o mesmo codinome, mas em japonês”, disse Li, erguendo os braços.

“Espero que não achem que somos algum tipo de grupo que quer acabar com a República da China e voltar a ser um Império”, brincou Ho, “Vai que eles ao ouvirem ‘princesa da China’ vão acabar pensando que a Gongzhu é descendente daquele fracassado do Pu Yi”, ela disse se referindo ao último imperador da China antes da Revolução de 1911 que instaurou a República da China, derrubando a Dinastia Qing, que comandava a China há séculos.

“Não faz muito tempo que você se alistou pro exército, não?”, perguntou a Tsai para Yamada. Ao ouvir a pergunta, o japonês ficou cabisbaixo.

“Acho que mal tem uns três ou quatro meses”, respondeu Yamada, ainda com uma feição triste, “Me chamaram mais porque eu sou fluente em chinês, e me colocaram para ajudar nas traduções e coisas do gênero. Eu não queria entrar no exército! Eu queria me tornar um acadêmico, estudando e ministrando aulas, não isso”.

“Mas ao invés disso, te mandaram entrar no exército por essa estranha ‘lealdade’ para aquele imperador de um metro e sessenta. Vocês japoneses devem ser uns bitolados mesmo”, disse Schultz, com um tom sarcástico em sua voz.

“Não, nada disso. Eles soltaram esses boatos aí que a gente luta pelo imperador, mas não é nada disso. É muito mais pela honra das nossas famílias e pelos lugares que a gente vive. Toda a família e a aldeia se despedem da gente na hora que a gente é chamado para o fronte, com toda a pressão de representarmos e lutarmos pela honra das nossas famílias e tudo mais, mas o pior é o que acontece com a gente quando a gente enfim tá lá dentro”, explicou Yamada.

“Francamente não consigo imaginar”, disse Schultz, interessado nas explicações do japonês. Aquilo que viria mudou completamente o jeito dele os encarar.

“Eles ficam nos humilhando até dizer chega! Como se ficassem pisando na gente, nos humilhando, fazendo a gente passar vergonha, xingando e nos batendo, para que a gente desconte a raiva nos chineses”, disse Yamada, explicando a injustiça do tratamento dos soldados japoneses, “Assim o pobre soldado que é pisado sem parar pelos caras de cima obviamente vai ir para a batalha sedento de raiva pra matar algum chinês. Infelizmente é assim que a coisa funciona, são todos uns malucos!”.

Tsai olhou novamente para a foto do Pelotão Pássaro Vermelho. Todos ali eram importantes. Todos ali eram imprescindíveis para o sucesso do grupo. Não havia apenas amizade, companheirismo ou capacidade de atuar em conjunto. Cada membro daria a vida pelo pelotão, e em troca, todos do pelotão dariam a vida por um único membro que fosse. Aquela irmandade era algo muito mais forte do que as táticas usadas pelo exército japonês.

“Yamada”, chamou a Gongzhu, “Estamos atrás de um dos nossos. Ele foi capturado por japoneses. É esse aqui, o segundo á minha esquerda”, ela apontou. Yamada deu uma longa olhada em silêncio. Mas aquela falta de palavras por mais que durassem alguns segundos, estava deixando Tsai apreensiva, temendo pelo pior, “Qualquer pista. Por favor. Me diga que já o viu em algum lugar”.

Yamada balançou negativamente a cabeça.

“Infelizmente não tenho ideia de quem seja, senhora”, disse Yamada, “Sou um zé-ninguém que mal entrou no exército. Tirando as humilhações nossas que de cada dia, não me recordo de ter visto nenhum prisioneiro assim”.

Todos olharam então para a Gongzhu. Uma pessoa sentindo o tamanho de pressão e responsabilidade que estavam em seu coração talvez não suportaria e estouraria ali mesmo. Mas Tsai, mesmo sendo uma ótima guerreira, extremamente inteligente e capaz de realizar o impossível, havia também algo que a ajudava a administrar tudo isso: um autocontrole invejável.

Ela pegou de volta a foto e olhou mais uma vez pro registro que tinha de Huang. Na sua cabeça diversas coisas estavam passando, como a tortura que ele devia estar sendo submetido, ou mesmo se ele havia fugido e estava perdido, ou ainda se ele estava morto. Ela voltou o olhar para Yamada e deu um pequeno sorriso com o lábio apenas, balançando a cabeça várias vezes, confirmando. Olhou para cima e depois voltou o olhar para cada um dos membros do seu pelotão.

“Meus amigos, meus companheiros, já tomei minha decisão”, disse Tsai.

E então seu olhar se encontrou com o de Schultz, que arregalou os olhos quando percebeu que ela o estava olhando. Schultz novamente sentiu seu coração bater mais acelerado. O que havia naquela mulher que o fazia sentir assim? Será que era o fato dela ser asiática, e ele querer inconsciente copular com ela? Como se isso fosse uma forma de ter descendentes com a etnia que ele não tinha? Ora, ele não havia parado de ter relações com qualquer mulher que fosse desde que ele havia chegado na China, mas ainda assim nenhuma mulher o fazia sentir assim com o coração acelerado como a Gongzhu o fazia sentir. Ficou tão congelado dentro do olhar da Gongzhu que quase não percebeu o que ela falou depois.

“Não podemos ficar aqui. É capaz que mandem outros homens, ainda mais fortes”, disse Tsai para todos, mas olhando ainda para Schultz, “Vamos para Nanquim. Levaremos o Yamada, e daremos um jeito para que ele volte sem problemas para o exército dele. Temos que encontrar Chou Xuefeng, e depois partiremos para o norte, até a Coréia, levar a Eunmi. No meio do caminho daremos um jeito de descobrir aonde o Huang está”.

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