Amber - Kaisertreue (5)

6 de outubro de 1916

O funeral e enterro de Johann Schwarz foi realizado às pressas em um cemitério improvisado para as vítimas do lado alemão, não muito longe do campo de batalha. Porém todos se esforçaram nos melhores detalhes possíveis, arranjando um caixão decorado, uma salva de tiros, e diversos oficiais de alto-escalão marcando presença. Georg Bruchmüller estava presente, mas não disse uma única palavra para Briegel, nem para os outros. Apenas acompanhou tudo de longe em silêncio.

No fundo o Durchbruchmüller sabia que parte daquilo tudo era culpa dele. Que a batalha de Somme já se encaminhava para o fim derradeiro, e não era na base da insistência que mudaria o andar da carruagem.

Todos os membros do Kaisertreue estavam inconsoláveis. O enterro já havia sido feito, e Briegel estava na frente da marcação de onde estava a cova de Schwarz, com seu capacete indicando o local.

“Sabe, eu pensei que quando uma pessoa morria, sei lá, a pessoa agonizante diria suas últimas palavras ou algo do gênero”, disse Briegel, de joelhos, na frente da lápide de Schwarz, “O problema é que achamos que algo que funciona numa ficção, funciona do mesmo jeito na vida real. Mas Schwarz não disse nada. Nem ao menos se despediu. Não deixou uma última palavra antes de partir”, nesse momento ele pegou e apertou forte na mão um punhado de terra do chão, “Foi sozinho, calado, com um tiro no meio do peito. Um tiro único e mortal”.

Albert estava com os olhos vermelhos, tentando ao máximo segurar as lágrimas. Ozal o cumprimentou, e deixou o cemitério improvisado onde todos aqueles mortos estavam enterrados além das trincheiras. Albert ficava ainda mais emocionado vendo que mesmo diante da morte de Schwarz, Briegel não derrubava uma única lágrima. E ele sabia o quanto essa incapacidade de chorar doía dentro do seu amigo. E isso o fazia quase que chorar em dobro vendo aquela cena.

“Eu achava que minhas lágrimas haviam secado. Mas o que mais machuca é que não consigo chorar de forma alguma. Eu gostaria de chorar, mas simplesmente não consigo”, disse Briegel, lamentando, como se falasse com Schwarz, olhando para sua lápide, “Será que você pressentiu sua morte quando me deu isso, Schwarz?”.

Albert nessa hora viu Briegel tirando do bolso um pequeno vidro de perfume. Em meio às lágrimas que teimavam cair, Pfeiffer o perguntou:

“O que é isso? Ele te entregou algo antes da batalha?”, perguntou Pfeiffer, que permanecia com Briegel sozinho na frente da lápide.

“Pft... Besteira. Ninguém prevê a própria morte. Não acredito nisso”, disse Briegel, olhando para onde Schwarz estava enterrado. Então se voltou para Pfeiffer, mas ainda de joelhos na frente da lápide: “Ele me entregou isso, para que eu desse para a Brigitte. Um perfume, com aroma de Artemísia, que ela adora. Ele sabia que não teria uma folga tão cedo, e pediu para que eu entregasse, já que ele achou que eu iria cair fora depois dessa missão”.

Ao ouvir, Albert ficou profundamente emocionado, e não conseguiu mais conter as lágrimas. Chorava de maneira inconsolável, levando suas mãos ao rosto. Mas ainda assim, Briegel não conseguia derrubar uma única lágrima.

“Eu poderia ter protegido. Eu poderia ter salvado ele!”, lamentou Pfeiffer, engolido pela culpa, “Mas não! Fiquei preocupado com aquele maldito mensageiro! Que ele tivesse levado o tiro! Até EU preferiria ter levado esse tiro, se isso significasse proteger o Schwarz! Ele era jovem, tinha uma esposa, tinha uma vida inteira pela frente!”.

Briegel então se ergueu, guardando o vidro de perfume de volta no bolso.

“O que aconteceu, aconteceu, Pfeiffer”, disse Briegel, ainda de costas para Albert, “Nada do que fizermos trará o Schwarz de volta”.

“Horvath não conseguiu nem vir aqui, sabia? Quando confirmaram a morte do Schwarz ele simplesmente sumiu. Eu o encontrei e o chamei para vir participar do enterro, mas ele nem sequer me respondeu. Schwarz era amigo de todos nós, mas era bem próximo do Horvath, e a amizade era recíproca”, Pfeiffer pegou um lenço para secar um pouco as lágrimas e assoar o nariz, “Horvath estava tão em luto, tão triste, tão derrotado, que com um único olhar ele parecia me dizer que não aguentaria ver seu melhor amigo sendo enterrado”.

Nesse momento um soldado se aproximou de Pfeiffer e Briegel. Ele trazia uma carta.

“Senhor Pfeiffer, capitão Briegel”, disse o soldado, batendo continência, “Meu nome é Otto. Otto Frank se apresentando”, o soldado vendo que Briegel se virou pra ele, prosseguiu: “Trouxe uma ordem, do Durchbruchmüller. Capitão Briegel, o senhor está dispensado do fronte em Somme, assim como todos do Kaisertreue. O senhor está autorizado a dar a notícia do falecimento de Johann Schwarz para sua esposa, Brigitte Schwarz. Essa carta pede também para que o senhor esteja a postos para ser chamado no futuro para servir seu país nas próximas semanas”.

Briegel pegou a carta e passou o olho por cima. Depois a amassou, jogando no chão.

“Obrigado, Frank”, disse Briegel, olhando para Otto Frank, “Faz tempo que não o vejo, espero que esteja tudo bem”, ao ouvir isso, Otto ficou um pouco embaraçado. Briegel sabia como ninguém quebrar o gelo, especialmente quando se tratava de um colega. Briegel o cumprimentou e seguiu embora, dizendo uma última coisa: “Se me permite, vou aprontar minhas coisas. Com licença”.

Otto pôde sentir o clima pesado depois do funeral de Schwarz. Como era amigo de Pfeiffer, se voltou para ele.

“E agora, Albert? O que você vai fazer?”.

“Eu não sei Otto. Acho que é a primeira vez na vida que não sei o que fazer”, disse Pfeiffer, com os olhos vermelhos, sem chão, “Talvez continuarei a seguir o Briegel, mas depois disso acho que até nisso tenho dúvidas”, nesse momento ele olhou pra cima e ficou em silêncio observando as nuvens. Então se voltou para Otto, perguntando: “Mas mudando de assunto, o que achou sobre o mensageiro?”.

“Encontrei algumas coisas sim”, disse Frank, lhe dando uma pasta que ele carregava em sua bolsa, “Ele é austro-húngaro, vinte e sete anos, e parece que era um pintor antes de servir o exército”.

“Espera aí, ele não estava com o uniforme do exército da Bavária? Como ele conseguiu entrar lá, sendo austro-húngaro?”, perguntou Pfeiffer.

“Parece que deram permissão pra ele. Sei lá, achei meio estranho isso também”, disse Otto, “Esse é o nome dele”.

Albert leu atentamente e memorizou o nome. Os dois então seguiram para a saída daquele cemitério. Depois de desabafar um pouco com seu amigo Frank, Albert Pfeiffer já estava com uma cara melhor. Mas Pfeiffer já havia decidido o que fazer. E antes de tirar um merecido descanso daquele inferno em Somme, ele tinha uma última coisa a fazer...

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7 de outubro de 1916

“Me solta, por favor me solta!!”, disse o mensageiro, enquanto era puxado pela gola do seu posto, “Pra onde o senhor está me levando? Pra onde o senhor está me levando?!”, dizia o mensageiro, completamente em pânico, pedindo clemência a Pfeiffer.

Pfeiffer o levou para um bosque não muito distante de seu posto, onde ele coletava as mensagens. Lá no local estavam Briegel, Ozal, e Horvath, o aguardando. Pfeiffer jogou o mensageiro em uma clareira no meio das árvores onde os quatro estavam ao seu redor. Seu rosto era de extremo pavor, parecia ter dado de frente com a morte como nunca antes havia acontecido.

“Como eu tenho ódio de você. Como tenho ódio de você!!”, disse Pfeiffer, dando voltas na frente dele, furioso como muitos nunca o viram antes, “Você teve a chance, eu gritei pra você atirar, mas você não o fez!”, Pfeiffer então se voltou para o mensageiro, que continuava jogando no chão, e apontou o dedo pro seu rosto com violência, “Você poderia ter salvo! Mas não! Você não conseguiu atirar com a porra de uma arma em um alvo a poucos metros de você! Por culpa sua perdemos um amigo, uma esposa perdeu seu marido, e um pai perdeu o filho!”

“Senhor Pfeiffer, eu sinto muit...”.

“CALA ESSA BOCA!”, gritou Pfeiffer, “Eu não te dei a permissão para falar, seu merda! Sabe o que me dá mais raiva? Eu tomei um tiro por você! Eu te protegi! No mínimo esperava que você tivesse no mínimo uma atitude recíproca, mas não! Tudo o que você fez foi nada. Absolutamente nada!”.

Pfeiffer então não aguentou, e deu um potente soco na cara do mensageiro, fazendo seu quepe voar para longe, e ele cuspir sangue por conta do ferimento. Agora o mensageiro não tinha o pressentimento, mas sim a certeza. A certeza de que era ali que ele morreria.

“Por favor, não me mata, senhor Pfeiffer”, implorava o mensageiro, com lágrimas nos olhos, chorando igual um desesperado, “Eu não sei o que eu tinha na cabeça, eu nunca fui bom com armas, eu sou um pintor! Eu não sirvo para a guerra! Eu tenho medo de morrer, tenho medo de tudo!”.

“Um pintor austro-húngaro. Sei exatamente quem você é. Fiz questão de pesquisar tudo sobre ti”, disse Pfeiffer, sacando sua pistola Frommer Stop, “E agora vou dar um fim na sua vidinha miserável, em nome do meu amigo que perdi”.

Nesse momento o mensageiro viu que ali era seu momento derradeiro. Albert havia falado com todas as palavras que iria por um fim na vida dele ali naquele momento, como uma forma de vingança do que havia acontecido, dois dias atrás. Briegel, Horvath e Ozal apenas observavam aquilo em silêncio, como se um julgamento já tivesse sido feito, e a sentença estava para ser aplicada ali, com suas próprias mãos.

“Não, não, não, por favor, não!!”, implorava o mensageiro, com lágrimas nos olhos, “Não me mata, por favor!!”, mas Pfeiffer parecia resoluto. Era visível em seu olhar. E o mensageiro nesse momento vira que nada do que dissesse mudaria a decisão que já havia sido tomada.

Sabendo que não tinha nada a perder, o mensageiro, profundamente desesperado achou que ao menos não morreria em silêncio. E soltaria tudo o que guardava dentro dele. Ao mesmo tempo, Pfeiffer precisava de uma última confirmação. Uma confirmação que só poderia vir da boca do mensageiro. Uma confirmação que assinaria embaixo, confirmando tudo o que Otto havia pesquisado e levantado sobre ele.

Vendo a arma de Pfeiffer apontada para sua cabeça, o mensageiro, jogado ao chão, completamente aterrorizado, disparou:

“Eu também sei quem você é, Albert Pfeiffer”, gritou o mensageiro, “Um judeu imundo! Um judeu que não tem país, que vem daquele fim de mundo desértico, fugindo da guerra, querendo acabar com nossos costumes europeus, roubando nossos empregos!”, o mensageiro cada vez subia o tom de sua voz, “Nossos empregos! Empregos alemães!”.

Albert engatilhou sua arma, apontando para a cabeça do mensageiro.

“Me diga seu nome”, disse Pfeiffer, com o dedo no gatilho, “Me diga seu nome para que eu possa guardar para sempre como se chama o idiota que matou meu amigo, e que farei questão de vingar agora!”.

O mensageiro sabia que aquelas seriam suas últimas palavras. Ele então encheu os pulmões, e gritou com toda força seu nome.

“ADOLF HITLER!!”, gritou o mensageiro, “Meu nome é ADOLF HITLER!!”.

E então Albert Pfeiffer puxou o gatilho. O som do tiro ecoou por todo o bosque, fazendo pássaros voarem, e folhas caírem das árvores.

“Ahhhhhhhhh!”, gritava o mensageiro, levando as mãos à sua perna, “Minha perna!! Você atirou na minha perna!!”.

Pfeiffer guardou a pistola, e continuou a encarar Hitler caído no chão.

“Eu tomei um tiro pra te proteger. Estou apenas devolvendo no mesmo lugar. Considere que estamos quites agora”, disse Pfeiffer, com a fumaça ainda saindo do cano da pistola, “Se vai inventar uma estória de como foi ferido, invente o que quiser, eu estou pouco me lixando. Apenas nós aqui sabemos a verdade. Eu vou apenas te dar um aviso: Esse tiro foi apenas um dos que eu vou descontar em você. Se você cruzar novamente com o meu caminho, farei questão de devolver em você um tiro no mesmo lugar que matou o meu amigo. No meio do teu peito, seu desgraçado!”.

Segurando a perna ensanguentada, o mensageiro havia passado da tristeza e clemência para uma fúria tremenda:

“Eu juro que vou te matar, Pfeiffer! EU JURO!! Você vai pagar pelo que você me fez, seu judeu imundo!! Isso não vai ficar impune!!”, gritava Hitler, furiosamente, “Não importa quanto tempo passe, eu vou acabar com tua vida desgraçada! Eu juro!!”.

Pfeiffer sabia que aquele lixo humano não merecia uma resposta. Uma pessoa que achava que seria alguém na base da mentira, da falácia, afirmando que era um soldado quando mal sabia manusear uma arma. Isso sem contar as outras “pequenas” mentiras que ele contava sobre seu passado, sobre quem era. Todos do Kaisertreue naquele momento sabiam que o jovem mensageiro Adolf Hitler era um lixo em forma de ser humano.

O que ninguém sabia naquela época era que naquele exato dia nascia um tirano. Uma das pessoas mais cruéis da história da humanidade.

“É bom que você procure um médico logo. Ferimentos na perna costumam sangrar muito”, disse Pfeiffer, deixando o jovem mensageiro Hitler sozinho, agonizando e gritando sozinho no meio daquele bosque.

“Eu te mato Pfeiffer!! Eu te mato!!”, gritava Hitler, segurando sua perna ferida, enquanto todos do Kaisertreue o deixaram lá, gritando para as árvores.

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Algumas semanas se passaram e Pfeiffer, já na Alemanha, enquanto caminhava nas ruas de Berlim, reconheceu uma pessoa no lado de dentro de uma cafeteria de esquina. Ao se aproximar da pessoa, vira que era Natalia Braun, a enfermeira que havia cuidado dele.

“Senhorita Braun?”, disse Pfeiffer, se aproximando da mesa, “Lembra de mim? A senhorita me ajudou na minha recuperação em Somme, há algumas semanas atrás”.

“Senhor Pfeiffer! Pelo visto sua perna está bem. Por favor, sente-se!”, disse Natalia, apontando para a cadeira.

“Obrigado. E a senhorita? O que está fazendo aqui?”.

“A investida em Somme foi uma desgraça. Ridículo ver tantas mortes, de todos os lados, por uma disputa de apenas nove quilômetros”, disse Natalia, frustrada, “Faz sentido chamar essa de ‘a guerra para acabar com todas as guerras’, pois se continuar assim, não vai ter nenhum ser humano vivo no mundo pra guerrear contra ninguém”.

“Guerras mudaram. Antes a luta era apenas no campo de batalha, e ficava por lá”, disse Pfeiffer, “Parece que a covardia de atacar cidades, civis, pessoas que deveriam estar protegidas fora do fronte está se tornando não mais uma exceção, mas uma regra a partir de agora”.

“Pois é. ‘Crueldade’ ganhou um novo significado”.

“Escuta, lembra do mensageiro que contei que salvei a pele no dia primeiro de julho? Aquele que me fez tomar um tiro na perna para protegê-lo?”, disse Pfeiffer, e Natalia confirmou com a cabeça, “Ele teve a chance de salvar a vida do Schwarz, mas ele não o fez. Tivemos que dar uma lição nele...”, nessa hora Natalia ficou com uma expressão apreensiva, “...Mas fica tranquila, não o matamos. Dei um tiro no mesmo lugar que ele me deu”.

“Não sei se fico aliviada, ou tensa ouvindo isso. O senhor baleou uma pessoa!”, disse Natalia Braun, se recordando do tiro na perna que ela havia tratado em Pfeiffer, “Imagino que ele deve ter ficado realmente amedrontado”, ao ouvir, Pfeiffer confirmou com a cabeça. Ela então prosseguiu: “Vingança parece que é a lenha que mantém a chama da guerra queimando. Pois descobri algo que o senhor talvez ficará abismado”.

“Algo? O que seria?”.

“O tal Pierre, aquele que matou Schwarz. O nome inteiro dele era Pierre Martin”, disse Natalia Braun, dando um gole no café, “O mesmo sobrenome do homem que o senhor teve que matar para salvar o mensageiro, o homem que acertou o senhor na perna. Isso não é um acaso. Pierre era irmão de Jean Auguste Martin, que o senhor foi obrigado a eliminar, no dia primeiro de julho”.

Pfeiffer ficou abismado. Era incrível como a vingança era uma corrente. Uma corrente de morte. A morte de Jean Auguste estava indiretamente ligada com a morte de Schwarz. Ligada de maneira horrível por meio do sangue que havia sido derrubado naqueles dias em Somme.

“Nossa, incrível. Acho que depois dessa, preciso de algo pra ajudar isso descer”, disse Albert, erguendo a mão chamando a garçonete, “E você? Vai voltar a tratar os feridos no fronte?”.

“Vou sim! Acho que é uma das únicas coisas que eu sei fazer. Isso vai ajudar a terminar de pagar os estudos da minha irmã mais nova”.

“Oh, a senhorita não disse que tinha uma irmã!”.

“Sim, o nome dela é Margaret. Ela é um gênio, está se formando em engenharia!”, disse Natalia, orgulhosa, “E quanto ao senhor?”.

“O Kaisertreue se desfez. Pelo visto aquele tonto do Schwarz era quem mantinha todos nós unidos, com o jeito descontraído e leve de viver”, disse Pfeiffer, com saudades do amigo, “Na verdade acho que agora é apenas eu e o Briegel. Mas continuarei ao lado do meu amigo. Ninguém suporta o cara, fico com dó de deixar ele por aí se ferrando sozinho. O problema de estar no campo de batalha é que por mais que seja horrível, a gente se acostuma”.

“Nossa. Isso é triste. De certa forma”.

“É verdade”, disse Pfeiffer, ficando quieto por um momento. Tomou coragem então para perguntar algo à moça, “Escuta, eu tenho uns dias de folga antes de voltar pro fronte. Se você concordar, claro, acho que seria bom a gente se encontrar aqui, conversar um pouco! Tomar um café!”.

Natalia Braun deu um sorriso. No fundo achou até achou fofo.

“Tudo bem, claro. Amanhã podemos nos encontrar mais cedo, pois daqui a pouco estou indo pro hospital trabalhar”, disse Natalia, dando uma piscadinha, “Amanhã às onze?”.

“Claro! Amanhã às dez e meia”, brincou Pfeiffer, querendo de alguma forma passar um pouquinho mais de tempo com ela, “Acho que temos muito o que conversar, senhorita Braun! Hahaha!”.

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Brigitte estava em sua casa quando ouviu a campainha tocar. Aquele som a fez se sentir bem, com um bom pressentimento. Foi correndo para a porta, carregando algo em seus braços, com um sorriso de orelha a orelha. Ela tinha certeza que era seu marido fazendo uma visita surpresa.

Mas ao abrir a porta tomou um susto. Era seu pai, fardado.

“Brigitte”, disse Briegel. Por um momento ficou em silêncio, sem saber como dar a notícia, então vira que Brigitte trazia nos seus braços um bebê. Um menino. Ele já estava bem maior desde a última vez que o vira, então Briegel a perguntou: “Minha nossa, é o Schwarz Júnior? Como ele cresceu!”.

O coração de Brigitte estava a mil, quase saltando pela boca.

“Papai... O que o senhor está fazendo aqui?”, disse Brigitte, tensa, “Está tudo bem? E o Johann?”.

Briegel nessa hora baixou a cabeça. Brigitte então ficou com os olhos cheios de lágrimas. Aquele silêncio era horrível. Sempre ouvira falar de outras esposas que recebiam notícias tristes de seus maridos que haviam ido ao campo de batalha, mas Brigitte nunca imaginou como seria com ela. Ela nunca se preparou para esse momento, na verdade.

Briegel tirou do bolso o vidrinho de perfume e entregou nas mãos de Brigitte.

“Foi o último desejo... O último desejo do Schwarz”, disse Briegel, entregando a ela o perfume que fazia Schwarz lembrar tanto dela, “Que apesar de toda a dificuldade, no meio a todo esse racionamento de comida, produtos, e tudo mais, que te entregasse esse perfume, que ele sabia que você tanto gostava”.

“Papai, não acredito... Papai, não, não, não!!”, disse Brigitte, com as primeiras lágrimas caindo do seu rosto, “Me diga que é mentira, pai! Isso só pode ser mentira! Johann não pode ter morrido!”, Brigitte então pegou no braço do pai, que continuava apenas cabisbaixo, ouvindo tudo, enquanto ela sacudia ele, derrubando lágrimas, “Ele estava no melhor momento, estávamos felizes, ele amava o Júnior! Estávamos começando a nossa família!! Não, pai, não!!”.

Mas Briegel não derrubava uma única lágrima. As pernas de Brigitte já não a seguravam mais. Ela soltou do braço do pai, e balbuciava coisas em seu pranto, como se não acreditasse naquilo. Caiu de joelhos no chão, segurando seu menino, o filho que era fruto do amor dela com Schwarz, e o bebê, ouvindo todo aquele choro do mãe, também começou a chorar.

“Johann, meu amor, o que vai ser de mim sem você, querido? Eu te amo tanto, Johann!!”, dizia Brigitte, com suas lágrimas caindo no rosto de seu bebê, “Porquê, porquê, porquê? Por quê tanta crueldade? Por quê tanta tristeza? Por quê, papai, porquê?”.

Mas Briegel continuava em pé na frente dela sem dizer nada, apenas olhando pra baixo, sem encarar nada.

Brigitte abraçou o filho e continuou por mais alguns momentos em profundo pranto e pesar. Seu querido Johann havia partido. Morto em combate. E ela não conseguia fazer nada a não ser chorar. Abraçada com o pequeno Johann Júnior, conforme ela se acalmava, olhava para o rosto do seu bebezinho. Para quem visse de fora parecia apenas uma mãe que encarava o filho que criaria sem a presença do pai. Mas por dentro Brigitte já havia decidido. Aquela seria sua despedida.

Depois de chorar muito, ela enfim conseguiu respirar um pouco. Ainda de joelhos no chão, ergueu o rosto para o pai. Apesar da situação delicada e vulnerável, seu olhar expressava uma firme determinação.

“Papai, quero que me treine. Me treine para ser alguém como o Johann foi”, disse Brigitte, com a voz ainda melosa por conta do choro, “Não tenha pena de mim por ser mulher, eu suportarei tudo, e continuarei e trilhar os passos do meu esposo, do lugar de onde ele parou!”.

Briegel nesse momento ficou espantado. Brigitte nunca fora alguém feita para o campo de batalha. Mas ela tinha uma determinação que parecia impossível de conter. Nem ele sabia o que responder, apenas ficou parado, estático, sem acreditar no que ouvia.

“E a partir de agora quero voltar com meu nome de solteira. Sou de novo Brigitte Briegel”, disse ela, enxugando as lágrimas, apesar dos olhos vermelhos, “Sem mais Schwarz. Briegel. Brigitte Briegel”.

“E quanto ao seu filho?”, perguntou Briegel.

E Brigitte novamente olhou para ele. Júnior continuava a chorar, e Brigitte sabia que não conseguiria ser pupila do seu pai e mãe de seu filho ao mesmo tempo. Ela beijou seu filho na testa demoradamente, e mais lágrimas caíam do seu rosto. Era a sua forma de dizer adeus.

“Vou achar um casal que o adote, e o faça feliz”, disse Brigitte, olhando demoradamente para seu filhinho, “Meu bebezinho, eu te amo tanto. Mas mamãe não pode ficar com você!”, e o bebê, como se entendesse cada palavra da mãe, não parava de chorar, “Eu sei que você nunca vai me perdoar, mas as coisas terão que ser assim, Johann Júnior. Cresça e vire um homem, um homem honrado, correto e bondoso como foi seu pai. Mas infelizmente, não poderemos mais nos encontrar”, Brigitte sentia uma tristeza pensando em seu corpo, como se dificultasse cada palavra que ela tentava dizer: “Mas pode ter certeza que sua mãe jamais esquecerá você, meu filhinho”.

E então Brigitte deu um abraço apertado no seu filho, e então ele parou de chorar, ouvindo o coração da mãe. Aquele seria o último dia deles juntos, como mãe e filho. A morte do pai separara a família de vez, e Brigitte sabia exatamente a dor que teria que passar para, de alguma forma, seguir em frente, e da sua maneira, fazendo o que seu marido não pôde fazer em vida.

Talvez inconscientemente essa foi a maneira que Brigitte Briegel encontrou para manter pra sempre em seu coração o homem que ela mais amou, Johann Schwarz.

Horvath Rudolf voltou para Budapeste. Arrasado depois da morte do seu amigo, começou a viver nas ruas. Se entregando à velhice, morreu por decorrência de diversas doenças em 1920.

Harun Ozal serviu até o fim da Primeira Guerra Mundial, até que conheceu por acaso Amin Al-Husayni, e com ele como seu protetor, conseguiu voltar à sua terra natal. Nunca mais ouviram falar dele desde então.

Albert Pfeiffer continuou lutando ao lado de Briegel até o fim da Primeira Guerra, quando enfim decidiu se casar com Natalia Braun, e tiveram juntos uma linda menininha, chamada Liesl Pfeiffer, em 1923. Judeu, vivendo na Áustria em pleno Holocausto, foi enviado junto com a esposa para o campo de concentração de Dachau, onde morreu, em meados da década de 1930.

Brigitte Briegel se tornou aprendiz de seu pai, e em poucos anos sucedeu a tudo que seu pai era, se tornando uma requisitada agente especial do exército e da Inteligência. Entregou seu filho, fruto da relação com Johann Schwarz, à adoção, e nunca mais teve notícias dele.

O mensageiro, Adolf Hitler, serviu até o final da Primeira Guerra, quando virou espião da República de Weimar. Enquanto espionava o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, acabou por se unir a eles, virando o líder do partido. Usando um discurso antissemita, se tornou chanceler, e depois Führer. Empregou reformas econômicas na Alemanha destruída na Primeira Guerra Mundial, e com o poderio militar germânico em mãos, coordenou a expansão nazista, declarando guerra e conquistando países vizinhos para o Terceiro Reich.

Heinrich Briegel não deixou a carreira militar com a morte de Schwarz. Mergulhou em seu trabalho de forma doentia, o que lhe levou rapidamente ao ponto mais alto, se tornando general do exército alemão em pouco mais de cinco anos, e um dos homens mais afamados de toda a Alemanha, sendo respeitado até no exterior. Se aposentou, mas seu nome ainda é reverenciado por todos em seu país, que o reconhece como sendo uma lenda viva, um herói de guerra com uma trajetória impecável.

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