Amber #130 - Suspicious minds (7) - A hora de mostrar serviço.

Às vezes a tática mais óbvia é a mais eficaz. Isso estava firme na cabeça de Schultz enquanto ele ficava de olho no garçom asiático que o havia servido champanhe momentos atrás. Se conseguisse usá-lo para conseguir informações, a tarefa de achar Chang Ching-chong poderia ser a coisa mais fácil do mundo. Só precisava mesmo de um informante. No mínimo um que pudesse caminhar despercebido. E o garçom ali era a pessoa ideal para esse feito.

“Schultz, eu preciso ir ali atrás daquele balcão”, disse Tsai, apontando com a cabeça, enquanto abraçava Schultz de lado.

“Onde tem aquele telefone? Pra quê?”, disse Schultz, baixinho.

“Eu vi uma das câmeras do Huang, então ele deve estar a postos”, disse Tsai, voltando o olhar para o teto, perto de um lustre, onde uma das câmeras de Huang estava instalada, “Combinamos que ele daria um jeito de ter o controle da fiação telefônica do edifício, e nos comunicaríamos via telefone”.

“Entendi. Nossa, esse cara manja mesmo das coisas”, disse Schultz, admirado.

“Huang é o especialista do pelotão. Ele não é apenas excelente no combate, mas também é excelente quando se trata de tecnologia, e consegue pilotar praticamente qualquer veículo, de carros, até barcos e aviões. É bem o cérebro do grupo”, disse Tsai, e então ela deu um beijinho na bochecha de Schultz, “Vou indo agora, querido. O dever me chama!”.

E então Tsai passou na frente de Schultz caminhando como uma poderosa, provocando o alemão que mantinha o olho naquele rebolado provocante da chinesa, enquanto ela ia em direção do telefone em cima da mesa, a alguns metros dali.

“Ei, gatinha! Não quer que eu te cubra não?”, disse Schultz, enquanto a via se distanciar no meio das pessoas.

E Tsai então se virou para Schultz, caminhando de costas, com as mãos na cintura, como se expressasse insatisfação ao ouvir aquilo vindo do alemão.

“Me proteger? Sinceramente Schultz, você parece que não me conhece às vezes!”, brincou Tsai, e Schultz deu uma risadinha de resposta.

E então Schultz ouviu uma voz do seu lado, e ao virar o rosto, vira que era o mesmo garçom de antes.

“Senhor? Eu fui providenciar a cerveja que o senhor havia comentado”, disse o garçom, com uma bandeja, e uma bela taça de cerveja servida de maneira perfeita. O garçom estava sorridente e bem solícito, e Schultz ao ver aquela taça de cerveja sentiu uma felicidade que o preenchia dos pés até a cabeça.

“Eita! Eu só tinha brincado, mas fico feliz que você me trouxe essa belezinha!”, disse Schultz, tomando alguns belos goles da bebida, “Está uma delícia! E pelo sabor, deve ser de primeiríssima linha”.

“Cerveja Gorkauer, senhor, uma das poucas que tínhamos em estoque”.

“Uma pena que essa cerveja pararam de fazer por causa dessa merda de guerra. É uma das minhas favoritas”, disse Schultz, tomando mais um gole. Mas no meio da apreciação, se lembrou que Tsai havia ido até o telefone, e ao virar o seu olhar discretamente, percebera que ela já havia sumido entre as pessoas.

“Algo mais, senhor?”.

“Não, obrigado! No momento não. Mas pode deixar que quando precisar, te chamarei”, disse Schultz, e então o jovem garçom fez uma reverência e saiu. Schultz então tentava observar onde Tsai havia se metido, sem muito sucesso. Isso até o momento que ele viu que por debaixo do lençol em cima da mesa do telefone era possível ver o que pareciam ser dois pés. Isso o acalmou, de certa forma. Era Tsai, escondida.

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Escondida embaixo da mesa onde estava o telefone, isolada num canto do salão, Tsai tirava uma pequena lâmina e começava a desencapar os fios. O que Huang havia orientado era algo bem preciso, e ela tentava fazer da forma exata que ele a havia instruído.

“Muito bem, aí esse vai aqui, e esse outro aqui”, disse Tsai, baixinho para si mesma, enquanto terminava de enrolar os fios.

Com o serviço feito, Tsai olhou por debaixo do lençol da mesa, e ao perceber que não havia ninguém olhando para aquela direção, rapidamente saiu, puxando um gancho de telefone e o deixando encostado atrás de um vaso, escondido. Tsai olhou para uma das câmeras e acenou com a cabeça.

“Muito bem, Gongzhu”, disse Huang, ao ver a confirmação dela, “Vejamos, vejamos…”, disse Huang, enquanto colocava no seu ouvido uma fone e um microfone que parecia muito com o que operadoras usam atualmente, mas que na época era apenas um emaranhado de arames e fios, mas que funcionava tão bem quanto, feito pelo próprio Huang. O chinês enviava pulsos nas linhas das casas e tentava puxar o sinal, tentando ver qual deles daria linha e que estaria fora do gancho, exatamente como estaria o ganho que Tsai conectou ao fio do telefone. “Achei. Deve ser esse”, disse Huang, emitindo um bip, alto o suficiente para apenas Tsai ouvir.

“Estou te ouvindo, Huang”, disse Tsai, ao pegar o gancho.

“Em alto e bom som, Gongzhu. Muito bem, ligação tá perfeita, sem chiados. Você fez direitinho”, disse Huang, enquanto Tsai se virava para a janela, disfarçando que estava com um gancho de telefone no ouvido, “E como está a situação aí embaixo?”.

“Tudo sobre controle, Huang. E você, está de olho na mansão inteira?”, perguntou Tsai.

“Tudo, a mansão inteira está aqui nas minhas mãos. Foi fácil entrar, a opção mais óbvia foi a mais certeira, como sempre”, disse Huang, tirando sarro.

“Huang, não acredito. De novo você entrou pelo banheiro?”, perguntou Tsai, sem acreditar.

“O quê? Nenhum guarda fica de olho na janela do banheiro. É desagradável e fedido! Sempre funciona!”, disse Huang, enquanto Tsai se sentia encabulada de ouvir as façanhas do seu companheiro de pelotão.

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Schultz acenou com a mão, chamando o simpático garçom. Não demorou muito para que ele viesse até Schultz carregando sua bandeja.

“Posso ajudá-lo, senhor?”, perguntou o garçom.

“Pode sim!”, disse Schultz, com um olhar desafiador para o garçom, “Olha, eu sou inglês, e estou interessado em expandir meus negócios pela China. Você sabe, um país continental, um país como esse precisa de imensas ferrovias levando suas mercadorias. E eu sou inglês, somos ótimos com ferrovias, e tenho excelentes contatos lá na Europa”.

“Entendi, senhor, mas infelizmente eu sou apenas um garçom. Não sei se posso ajudar investindo dinheiro no seu negócio”, disse o garçom, e Schultz rapidamente acenou com a mão, o acalmando.

“Não, não! É que essa festa aqui tem muitos caras bem ricos. E eu estava pensando em achar alguém que pudesse ter eventual interesse nisso”, disse Schultz para o garçom, que acenou com a cabeça ao entender o que Schultz queria. Discretamente o garçom se pôs ao lado de Schultz e se aproximou do alemão, falando baixinho:

“Tem o senhor Nakamura, é um grande investidor japonês, tem colocado montanhas de dinheiro em fábricas aqui no continente”, disse o garçom, apontando com o olhar, “Aquele homem com a gravata vermelha”.

“Entendi. Será que é seguro, mesmo ele sendo japonês?”.

“Se é? Puxa, senhor, é questão de tempo até os japoneses tomarem conta desse país. Eu sou chinês, mas tenho que admitir que esse exército que mal têm armas para lutarem, não tem como assustar os japoneses apenas com número”, disse o garçom, e Schultz percebeu o clima de frustração que havia entre os chineses por conta do resultado da guerra.

“Tem também o senhor Wang, ou o senhor Yu, são aqueles senhores ali que estão naquela roda, perto daquela pilastra, conversando”, disse o garçom, e Schultz confirmou com a cabeça.

“Perfeito. Acho mais fácil. Nada contra japoneses, mas um amigo meu se deu muito mal ao negociar com eles. O que eles propõem é sempre difícil de achar um meio termo, nunca dá muito certo”, disse Schultz, e então o garçom começou a passear o olhar para o redor do salão.

“Tem também outra pessoa que poderia ser interessante, o senhor Wei… Mas não sei onde raios ele foi parar”, disse o garçom, que esticava o pescoço buscando o chinês que ele se referia.

Schultz então pousou a mão no ombro do rapaz, o puxando para si. Fingindo tirar um papel com o nome de alguém, o alemão foi até o jovem, fazendo a pergunta decisiva.

“Um amigo meu indicou um outro, em específico. Mas achei o nome dele meio engraçado, não sei se ele fez isso pra me sacanear, sabe?”.

“E qual seria o nome, senhor? Às vezes pode ser verdade e a pessoa pode existir, nunca se sabe!”.

E então Schultz fingiu ler o papel, que não estava escrito nada.

“Chang… Chang Ching-chong”, disse Schultz, repetindo mais uma vez depois de falar, antes de cair numa risada contida, “Esse nome é muito estranho, acho que esse meu amigo me sacaneou!”.

Porém quando o jovem ouviu o nome ele esticou novamente o pescoço ao redor do salão, buscando alguém, sem dizer nada. Schultz apenas o olhava com uma cara de alguém envergonhado, mas em sua mente, vendo aquela cena do jovem procurando Chang Ching-chong no salão, o alemão tinha uma certeza enraizada em sua alma:

Ele caiu, pensou Schultz, enquanto o jovem procurava. Depois de alguns instantes seu olhar parou fixado em alguém, e depois o jovem voltou até Schultz.

“Eu acho que sei onde ele está, senhor, mas não tenho certeza”, disse o garçom, terminando sua frase com um risinho amarelo, fazendo uma espécie de charminho.

Schultz compreendeu o que aquilo significava e colocou um maço de dinheiro no bolso do paletó do garçom. O jovem sentiu o peso, olhou rapidamente para aquela quantidade enorme de dinheiro e sorriu para si mesmo.

“Será que você pode me indicar com certeza quem é?”, perguntou Schultz, tomando um gole e finalizando sua cerveja.

“Puxa, agora sim, senhor. Tenho cem por cento de certeza!”.

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