Amber #40 - A família desconhecida, morta pela intolerância.

4 de setembro de 1939
08h48

A casa de Ursel Meyer era uma casa simples próxima ao centro de Viena. Era uma casa pequena no meio de outras maiores do lado, com um pequeno quintal, poucas janelas, e de longe não parecia ter ninguém naquele momento. O dia já havia raiado, e era hora de continuar a missão.

“Coronel Briegel?”, perguntou um soldado alemão, puxando assunto com Briegel, que estava junto de Liesl e Alice, que estava completamente encapuzada, “Posso ajudar o senhor?”.

“Bom dia, soldado. Estou fazendo uma investigação aqui na redondeza por ordens do comandante Heydrich”, disse Briegel, sem contar que estavam prestes a entrar na casa de Ursel Meyer, “Algum problema?”.

“Seria nessa casa, coronel?”, apontou o soldado para a casa de Ursel Meyer.

“Na verdade, não”, disse Briegel fingindo pegar papéis da Liesl, como se fosse pedir informações ao soldado, “Precisamos na verdade entrar na casa de trás. Vocês farão algo aqui?”, perguntou Briegel.

“Ah, que alívio, coronel”, o soldado ficou mais tranquilo ao dizer, “Essa casa vamos invadir. Recebemos uma denúncia. A que está atrás dessa, não. Pode ficar à vontade, desculpe o incômodo”, disse o soldado, saindo da frente de Briegel. Os três começaram a caminhar pra dar a volta no quarteirão, enquanto isso Liesl parecia apreensiva:

“Droga. Temos que pegar a Meyer antes deles, coronel”, disse Liesl.

“Sim. Mas vamos manter as aparências. Vamos na casa na rua paralela, nos fundos da casa da Meyer, e vamos tentar entrar nela antes que os soldados a invadam. Temos que agir rápido, vamos!”, disse Briegel, que foi seguido por Alice e Liesl.

A casa nos fundos, do outro lado do quarteirão da de Ursel Meyer estava abandonada. O portão parecia que havia sido arrombado, Briegel, Alice e Liesl entraram sem problemas. Haviam estranhos rastros no chão do quintal, além de pegadas.

“Alguém foi levado arrastado daqui, coronel”, disse Liesl, atenta e esperta como sempre, “Existem marcas de pegadas aqui e rastros contínuos. Arrastaram pessoas pra fora dessa casa”.

Alice Briegel ficou com uma expressão apreensiva. Estava com medo de imaginar o que acontecera naquela casa.

A porta da frente estava apenas encostada. A fechadura estava quebrada, e era possível ver marcas de pés na porta. Claramente também arrombada, com muita violência, na base dos chutes. Os três começaram a andar pela casa, pra chegar no muro que dividia essa casa com a de Ursel Meyer.

“Pedras”, disse Briegel, vendo as janelas quebradas, “Uma casa arrombada, sinais de pessoas arrastadas, pedras que jogaram aqui, que merda aconteceu aqui?”.

“Ahhhhhhhhhhh!”, gritou Alice, um grito de pânico.

Briegel e Liesl pararam tudo e foram até ela. No corredor da cozinha havia um corpo, de um senhor de idade, e uma cadeira de rodas tombada no chão. O cheiro era muito forte e pela quantidade de moscas era óbvio que aquele senhor já havia sido morto há muito tempo, e seu corpo já estava entrando num estado de decomposição. Briegel abraçou Alice, que chorava no seu ombro.

“Eu vi um menorá naquele quarto”, disse Liesl, “Essa família era judia”.

“E esse homem, além de judeu, era idoso e inválido”, disse Briegel, “Mortos sem o menor escrúpulo por agentes nazistas. Provavelmente moravam aqui, foram arrastados pra fora, a casa completamente saqueada e ainda a vizinhança apedrejou. Maldição...”, Briegel nessa hora pegou gentilmente no rosto de sua filha Alice. Ela estava em lágrimas, nunca tinha visto algo tão chocante em sua vida assim, de tão perto, “Vamos indo, filha. Temos uma missão, lembra?”.

“Papai, que coisa horrível!”, disse Alice, chorando mais ainda, “Por que, papai, porquê?!”.

“Sim, eu também acho, querida! Mas não podemos perder o foco. Vamos indo, tudo bem?”, disse Briegel, e Alice, ao ver os olhos do pai, começou a se acalmar, mas ainda estava profundamente abalada com a cena que havia visto.

Apenas uma cerca de madeira dividia os fundos da casa dos judeus mortos e a casa de Ursel Meyer. Se esforçando pra não atrasá-los, Alice também os seguiu, e com a ajuda do seu pai, pulou a cerca que dividia a casa com a de Ursel Meyer.

A porta dos fundos estava destrancada. Briegel entrou sem problemas. Sem usar uma lanterna e sem fazer muito barulho foi calmamente adentrando a casa. Na frente da passagem que ligava a cozinha com o corredor para a sala havia uma placa em madeira ricamente talhada o sobrenome “Neumann” com duas estrelas-de-davi do lado, douradas, fixada na parede. Liesl foi em direção da porta principal, enquanto Briegel subia pros quartos.

Não tem ninguém. Nem um soldado na frente, pensou Liesl, enquanto olhava abrindo uma fresta na cortina da janela da frente, Não! Tem gente de binóculos na janela do primeiro e segundo andares do prédio da frente. Estão todos de tocaia, observando essa casa.

“Como está a situação, Liesl?”, perguntou Briegel.

“Dois soldados no prédio da frente com binóculos”, disse Liesl, apontando pra Briegel, “E a Meyer? Está lá em cima, coronel?”, perguntou Liesl.

“Não. A casa está vazia”, disse Alice, que havia subido pra averiguar com seu pai.

Então os três ouviram uma chave sendo colocada na porta ao lado deles. Foi apenas o tempo que Liesl se distraiu pra reportar ao coronel o que havia visto que acabou aparecendo alguém. Liesl se escondeu atrás de uma estante ao lado da porta, enquanto Briegel e Alice correram pra cozinha. Uma mulher entrou na casa, com duas sacolas de compras. Ela deixou as sacolas em cima de uma mesinha e abriu a gaveta do criado-mudo pra guardar as chaves.

“Parada aí!”, anunciou Liesl, puxando uma arma e apontando pra mulher, “Ursel Meyer, é você?”.

A mulher virou o rosto e olhou pra Liesl.

“É falta de educação mandar o outro se apresentar sem dizer quem você é antes”, disse Ursel Meyer, “E você, quem é?”

“Meu nome é Liesl Pfei--”, disse Liesl, se corrigindo, “Liesl Braun, e sou da Sicherheitsdienst, da Alemanha. Tenho algumas perguntas pra fazer pra você”.

Ursel então se virou calmamente. E então Liesl tomou um susto, recuando alguns passos. A mulher não estava guardando as chaves numa gaveta, e sim, sacando uma arma.

“Você é bem novata. Mas erros elementares assim não se cometem. Pra mostrar que ainda acredito que as crianças são o futuro, vou te dar a chance de fugir antes que eu estoure seus miolos, pirralha”, disse Ursel Meyer.

Aquilo era surpresa pra Liesl. Ursel Meyer tinha mais de trinta e menos de quarenta, aparentemente. Era uma mulher alta, magra, atlética, e pela firmeza no jeito de falar já estava com o controle da situação nas mãos.

“Chega disso!”, disse Liesl, ainda empunhando a arma, “Se for o caso nós duas vamos morrer aqui então!”, disse Liesl, se lembrando do que coronel Briegel a havia ensinado, “Eu tenho uma missão, e falhar não é uma opção!”.

Nessa hora as duas se assustaram ao ouvir que havia alguém batendo na porta.

“Abra a porta!!”, gritou um soldado batendo na porta, “Abra a porta ou vamos atirar!”

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