Amber #49 - Não importa o quanto cresceu, ele sempre será maior.

Heinrich Briegel levou os três para sua mansão, em Baden, Áustria. Desde pouco depois que Hitler subiu ao poder na Alemanha, o general aposentado do exército alemão já havia conquistado tudo. Absolutamente tudo. Heinrich Briegel era uma dessas pessoas tão condecoradas e importantes que até mesmo o Führer abaixava a cabeça. Uma espécie de Otto von Bismarck menos poderoso, se é que podemos chama-lo assim.

“Foi ele quem tentou te matar quando você era criança?”, sussurrou Liesl enquanto tirava o casaco e pendurava no cabide ao entrar na casa.

“Sim”, respondeu Alice, com Max gentilmente a ajudando a tirar o casaco de frio, “Ele não mudou nada, é incrível. Acho que até piorou. Vendo ele agora é quase como se isso me transportasse de novo para aquele dia em que ele matou todas as crianças do nosso grupo”, nessa hora Alice via que Heinrich começou a encara-la, sentado em sua poltrona, como se ele conseguisse ler seus pensamentos, “Ás vezes eu penso que tive sorte. Por ter criado meu pai do jeito que ele criou, com certeza ele foi muito forte em agir ao contrário dele, sendo sempre um pai carinhoso e gentil. Papai passou por coisas terríveis na mão dele, e com certeza muita coisa deve passar na mente dele quando encontra o próprio pai”.

Roland Briegel foi na frente, com um baita frio no estômago por ter sido praticamente obrigado a ter que visitar seu pai. Liesl, Alice e Max foram logo depois, se sentando próximo de Briegel. Ursel Meyer permanecia em pé ao lado de Heinrich, como se fosse uma assessora, com um caderno em mãos e entregando um copo de whisky sem gelo pra Henrich.

“Pai”, começou Briegel, “Eu vim atrás de inform–”

“Sabe onde está sua irmã, a Brigitte?”, interrompeu Heinrich, depois de dar um gole no copo de whisky.

“Hã? Brigitte?”, perguntou Briegel, pra saber se tinha realmente ouvido corretamente.

“Não sabia que ele tinha irmãos”, sussurrou Liesl pra Alice. Max ouvia tudo também quietinho com uma cara de curioso.

“Tem sim”, respondeu Alice, baixinho pra Liesl, “Papai é o terceiro filho de cinco. Brigitte é a mais velha, e é a irmã que ele mais detesta também. Brigitte é idêntica ao pai, na minha opinião até pior. A segunda é uma irmã, a única que papai tem amizade, a Teresa, e também a única que conheço. Acho que você se lembra de quando ela foi no meu casamento, não?”, nessa hora que Alice perguntou Liesl rapidamente buscou nos seus pensamentos e se lembrou de que havia sido apresentado pra Teresa Briegel.

“Sim. Eu me lembro dela”, respondeu Liesl, se lembrando do casamento de Alice com Max, onde conheceu Teresa Briegel, “E os mais novos?”.

“Os dois mais novos são dois filhos gêmeos”, nessa hora Alice fez uma pausa, como se estivesse buscando um jeito melhor de falar algo que seria humilhante por si só, “Mas eles são nazistas. A mãe faleceu ao dar luz a eles, papai era pequeno nessa época, não tem lembranças da mãe. E cresceu nas mãos de um sociopata, o próprio pai”.

“Eu não sei onde está a Brigitte”, respondeu Briegel, “E, sinceramente, não dou a mínima. Ela é adulta, sabe se virar muito bem”.

“Não te perguntei isso, seu inútil. Perguntei se sabe onde ela está?”, perguntou novamente Heinrich, completamente ignorante, aos berros.

Roland Briegel tomou um ar, como se estivesse se segurando pra não responder seu pai. Roland odiava que pessoas gritassem, muito por conta de seu pai, que parecia ter uma orquestra inteira dentro dos pulmões.

“Não”, respondeu Briegel, calmamente e sério.

Heinrich Briegel detestava quando as coisas saiam do seu controle. Nessas horas ele virava a cabeça e olhava pro lado, onde não estivesse ninguém, e ficava em silêncio com seus pensamentos, com o rosto emburrado. Ele estava acostumado a conseguir fazer tudo, e ter absolutamente nada que o impedisse. E mesmo se algo fosse um empecilho pra ele, sua atitude era esmagadora e não havia nada que pudesse pará-lo, na vida inteira. Pouquíssimas vezes o próprio coronel Briegel havia visto seu pai fazendo aquela expressão, mas sabia exatamente o que significava.

“General Briegel”, disse Meyer, ao seu lado, “Seu filho veio buscar informações sobre Oliver Raines”.

Ao ouvir Meyer, o velho virou o rosto de volta e olhou pro seu filho. Era curioso de ver que Heinrich Briegel nunca sorria. Sua expressão ia sempre de braba (o padrão) até extremamente furioso. Raramente seu rosto ficava sequer com uma expressão neutra. Sorrir então, nem mesmo Roland lembrava a última vez que o velho havia sorrido.

“Porque acha que eu compartilharia minhas investigações com um inútil como você?”, disse Heinrich.

“Pai, dois anos atrás eu estive em Guernica invest--”.

“Já chega!”, bufou Heinrich Briegel. Sua voz era tão grossa e alta que parecia reverberar nas janelas, “Você não respondeu minha pergunta, seu grande vagabundo! Um filho igual você, um vagabundo inútil que se sempre viveu nas minhas custas, se eu soubesse que teria um inútil que só me dá desgosto como você de filho, pode ter certeza que jamais teria deixado vir ao mundo!”.

Briegel detestava quando seu pai começava com as sessões de humilhações gratuitas contra ele. Na verdade nenhum filho em sã consciência gostaria de ouvir isso do próprio pai.

“E hoje, tudo o que vejo é que esse filho que eu sempre tive o desgosto de dizer que era sangue do meu sangue está lá, na grandiosa ‘Sicherheitsdienst’”, Heinrich disse pausadamente o nome da SD, com um tom irônico, “Trabalhando lá como um cãozinho de Hitler, aquele judeu enrustido que acha legal matar outros da laia dele”.

“Bom, pelo menos o pai é contra o Hitler”, disse Max, baixinho, pra Liesl e Alice.

O velho Heinrich tomou ar e bebeu mais um gole do seu whisky. Bufando um ar alcoólico entre os dentes pousou seu olhar em Alice Briegel, que ao ver que ele estava olhando pra ela se assustou.

“Devia ter te matado quando pude, sua macaca”, disse Heinrich pra Alice, “Desde que você chegou nessa família você foi uma verdadeira maldição. Uma preta nojenta igual você devia ter servido de comida pros urubus naquela sua terra de bost--”.

“Chega, pai!”, gritou Roland, se erguendo da cadeira, “Basta disso!”.

Mas em questão de grito, erguer a voz, e ser imponente, Heinrich Briegel era mestre nessa arte.

“O quê? Você tá me desafiando, seu pedaço de merda?”, disse Heinrich, se erguendo da cadeira. Ele tinha mais de dois metros, mas toda a aura ao redor dele o fazia parecer ser um verdadeiro obelisco se erguendo, “Vagabundo! Só me deu dívidas e mais dívidas! Nem trabalhar você trabalha!

“Eu trabalho sim!”, disse Briegel, tentando manter a calma.

“Ajudar os nazistas? Isso não é um trabalho!”

“Eu não sou fiel à nacional-socialista, quero mesmo é tirar Adolf Hitler do poder e restaurar a democracia nesse país! No NOSSO país! Meu objetivo é acabar com toda essa guerra antes mesmo que ela piore e leve embora ainda mais vidas!”, disse Briegel, com as mãos fechadas e tremendo, segurando toda a raiva pra não erguer a voz da maneira ignorante como seu pai fazia.

Heinrich então se aproximou calmamente de Briegel, com uma cada furiosa.

“Acabar com essa guerra que começou esses dias quando aquele merda do Hitler invadiu a Polônia? Essa guerra que só Deus sabe quando vai acabar? É isso mesmo?”, disse Heinrich, ficando com o rosto bem na frente de Roland, que lutava contra a tremedeira no seu próprio corpo, “Então temos um herói aqui? Um herói na minha frente?”.

“Pai, eu não sou herói coisa alguma”, disse Briegel. Heinrich afastou-se de Roland, andando com a bengala, num passo constante.

“Não é mesmo. E está muito longe de ser. Por dois anos você fez absolutamente NADA”, disse Heinrich, que começou a fala num tom normal e elevou na última palavra, “Absolutamente e exatamente NADA. E agora você vem me dizer que quer salvar a Alemanha. Mas não consegue nem mesmo se salvar”.

Heinrich virou de costas e foi andando de volta pra sua poltrona. Nessa hora seu filho Roland viu o peso imenso da responsabilidade nas suas costas. E se tocou que por mais que aquilo fosse algo duro, era a mais pura verdade.

Isso é verdade. O que eu andei fazendo nesses dois anos? Fiquei tão focado em descobrir quem era Oliver Raines que deixei passar todas as coisas horríveis que aconteciam com judeus, com a Alemanha ficando cada vez mais forte militarmente, Hitler ganhando mais poderes, e eu fiquei tão focado em buscar informações sobre apenas um homem, que perdi de vista todo o resto que acontecia à minha volta, pensou Briegel, triste. Infelizmente as palavras do pai faziam sentido, por mais que o machucasse no fundo da alma.

Roland Briegel estava arrasado por dentro. Por mais que tentasse fugir, aquela era a verdade. Os dois anos perdidos cobrariam seu preço, cedo ou tarde. E com a invasão na Polônia acontecendo, a força militar nazista transformando a Polônia no inferno na Terra com o Blitzkrieg, agora já era tarde. Só deus sabia quando aquela guerra que havia começado iria terminar.

Completamente transtornado, Roland Briegel, já tomado pelos seus sentimentos, ainda questionou seu pai, logo depois dele sentar na sua poltrona e virar pra ele.

“E você, pai? Fez alguma coisa?”.

Heinrich Briegel apenas abriu a boca pra tomar ar quando foi interrompido por Ursel Meyer, que permanecia ao seu lado. Os dois se olharam e Heinrich assentiu com a cabeça pra que ela prosseguisse.

“Me permita, general Briegel“, disse Meyer, quebrando seu silêncio, “Senhor Briegel, seu pai tem usado toda rede de informações e influência pessoal dele pra pressionar Adolf Hitler, o atrasando e, consequentemente, atrasando o início dessa guerra. Seu pai, aposentado, sem pertencer a nenhum órgão público como o senhor, conseguiu atrasar o início dessa guerra por um tempo considerável”, disse Meyer, completamente polida e educada, “Em outras palavras, se não fosse seu pai, Heinrich Briegel, a guerra para Hitler ampliar as fronteiras da Alemanha com certeza teria eclodido há pelo menos uns três ou quatro anos atrás”.

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