Amber #54 - Superioridade

O que aconteceu a seguir foi extremamente rápido. O oficial nazista apenas via o rosto de Heinrich Briegel parcamente iluminado pela luz que vinha da janela. Sua expressão era mais tenebrosa por conta da noite, que ressaltavam ainda mais sua expressão furiosa, em pé na frente da sua poltrona, com as duas mãos apoiadas na sua bengala pela frente. “Não queremos confusão, general Briegel”, disse o oficial, “Somente queremos justiça. Levar essa mulher dessa raça nojenta pro lugar que ela merece”. Alice sabia que estavam falando dela. Apertou a mão de Liesl no sofá, que mesmo debaixo daquela escuridão as duas conseguiram trocar um olhar entre si, confortando-as mutuamente. Mas não era apenas Liesl que estava disposta a proteger Alice naquele local. “Seus idiotas!”, disse Briegel, quase gritando, “Só se for por cima do meu cadáver, seus vermes nazistas! Não vou deixar que vocês encostem em nenhum fio de cabelo da minha filha!”. “Roland, seu imbecil, fique quieto você”, disse Heinrich, literalmente gritando. Sua voz grave ecoava ainda mais pela imensa sala, “Essa é a minha casa. É meu dever protege-la. Não me faça repetir isso, seu inútil”. Pai? O que raios está pensando? Esses homens vieram dispostos a tudo, inclusive a matar!, pensou Briegel. O oficial deu um sorriso cínico ao ver Heinrich se metendo na conversa. Mas o rosto de Heinrich era imutável, como se a vitória já fosse certa antes mesmo de começar. “O Führer tem razão. Velhos caducos como vocês não são de nenhuma servidão pra nação. Devem morrer sumariamente”, disse o oficial apontando sua pistola na direção de Heinrich Briegel, “Seu velho imundo! Vou começar com você!”. “É mesmo?”, disse Heinrich Briegel, sério, “Você reparou que a pessoa que estava do meu lado sumiu. Mas olha só...”, nessa hora Heinrich apontou para o lado esquerdo do soldado nazista, “Parece que uma pessoa que estava com você sumiu também”. O outro capanga e o oficial olharam pro lado e se assustaram. O outro companheiro deles havia simplesmente sumido. E eles sequer haviam percebido quando isso aconteceu. Aquela escuridão só piorava as coisas, e eles mal conseguiam se ver, entre a luz alaranjada que vinha do lado de fora. “Ora seu, onde é que ele está?”, gritou o oficial, furioso, “Diga logo senão vou dar um tiro na sua testa, seu velho idiota!!”. A ameaça virou falta de controle mental por parte dos nazistas. Descontrolado, o oficial acabou abrindo fogo contra Heinrich sem querer, disparando uma vez, acidentalmente. O barulho assustou todos lá, e o fato de estar escuro dificultou ainda mais a percepção de todos, criando ainda mais expectativa dos que queriam saber o que havia acontecido. Será que havia machucado Heinrich Briegel? “Pai?!”, gritou Roland, ao ver o clarão do tiro. A voz grave ecoava por toda a sala, como se ele fosse dotado de algum tipo de onipresença: “Só isso que consegue fazer?”. A voz de Heinrich, mesmo baixa, parecia que era um sussurro da morte ouvido por todos. Escondido nas sombras por ter recuado depois do disparo, agora era realmente impossível saber sua localização exata. Todos estavam se olhando tentando entender o que estava acontecendo, se ele estava ferido, mas apenas perguntas surgiam – sem nenhuma resposta. Pelo menos ainda não. “Muitos homens já dispararam contra mim. Grandes soldados de diversos países. Pessoas movidas por patriotismo, pessoas movidas por desespero. Já lutei debaixo de todos os climas, já lutei ao lado de amigos, já massacrei inimigos”, disse Heinrich Briegel, mas era impossível saber de onde estava vindo sua voz no meio daquela parca iluminação que vinha do lado de fora, “Acha mesmo que alguém como eu perderia pra um zé-ninguém, um moleque igual a você? Você está sozinho nessa. Olha pro seu lado direito. Agora você parece estar sozinho nessa”. O oficial olhou e ficou pálido de medo. Realmente seu outro companheiro havia sumido. Então ele começou a transpirar de desespero. Estava sozinho, com medo, e nem mesmo uma palavra conseguia pronunciar. No meio do desespero tentou fugir pelo corredor, correndo, mas viu que havia uma luz bem fraca no corredor, e no chão seus dois companheiros estavam lá, desacordados. Caiu no chão ao tropeçar no corpo inerte deles. “Não, não, não!!”, gritou o oficial de medo, pois viu um vulto de aproximando caminhando em sua direção enquanto ele estava no chão depois de tropeçar. Pegou a arma, mas sua mão tremia e ele mal conseguiu colocar o dedo no gatilho. O brilho do metal que era apontado na sua frente era a única coisa que era possível distinguir no meio daquela escuridão. Seria o seu fim ali mesmo. Viu que a pessoa na sua frente era como um caçador prestes a desferir um tiro de misericórdia no animal, “Não, por favor, não, não, não, não!”, ele gritava. Mas era tarde. Ao ouvir o som do revólver sendo engatilhado o soldado nazista simplesmente apagou. Deitado no chão sua cabeça tombou pra trás, com os olhos abertos em lágrimas, nariz cheio de secreções e a boca aberta, expressando o mais profundo medo. Nem mesmo uma única bala foi disparada, ele simplesmente desmaiou de medo. Segundos depois a luz se acendeu. “O senhor está bem, senhor Briegel?”, disse Ursel Meyer, ao chegar na sala com o revólver. Era ela quem havia protegido a casa em um nível de profissionalismo que espantou a todos ali. O tiro que havia sido disparado contra Heinrich havia acertado a parede, passando bem longe de onde ele estava. Foi apenas um susto mesmo. Mas a reação de Roland e dos outros era bem descritível por si só. Estavam completamente chocados. O homem, mesmo com sua idade, conseguiu tranquilamente lidar com uma invasão na sua própria casa, subjugando os invasores sem maiores problemas, e mantendo frieza e a situação completamente sobre controle. É verdade que Roland já era uma pessoa excepcional. Mas ainda assim o seu pai ainda estava a anos-luz de distância dele. E dessa vez ele provou na frente de todos sua imensa superioridade. “Eles estão apenas desacordados, certo?”, perguntou Heinrich pra Meyer, que confirmou, balançando a cabeça positivamente, “Muito bem. Mata-los seria fazer um favor a esses vermes. Se eles voltarem ao batalhão o capitão deles sem dúvida vai dar uma dura neles por ter invadido minha casa. Se eu fosse eles abandonava de vez a carreira militar. Não dá pra dar uma de macho depois de umas bebidas”. “Bom, acho que essa é a nossa deixa pra voltarmos”, disse Roland para todos. E então se ergueram para ir embora. “Roland, seu inútil, espera”, mandou Heinrich, “Espero que a partir de agora você entenda suas responsabilidades. A invasão da Polônia foi culpa sua. Já começamos perdendo essa para aquele psicopata do Hitler. Espero que você saia desse torpor que você ficou nesses dois anos e enfim se mexa”, Heinrich então apontou o dedo pra Briegel de maneira bem ameaçadora, “Se Hitler expandir ainda mais seus territórios, e você fazer nada, o mundo estará perdido por sua culpa, entendeu? Você é a única pessoa que está dentro de um sistema comandando por gigantes que pode fazer algo, então é bom que se mexa, pois o futuro do mundo está nas suas mãos. E o fardo das consequências disso será apenas seu!”. Briegel na frente da porta, já saindo olhou pro seu pai e apenas balançou a cabeça, sem dizer nada. A culpa que seu pai o fazia sentir era imensa e derrubava sua autoestima. De fato ele nesses dois anos desde Guernica não fez quase nada. Foi usado pelo sistema pra treinar vários agentes da SD que eram leais ao Terceiro Reich, achando que apenas fugir do trabalho sujo para ajudar o governo iria manter sua consciência tranquila. Não. Treinando outros agentes ele acabou criando uma imensa estrutura de Inteligência nazista, ajudando talvez ainda mais o Terceiro Reich no seu objetivo de domínio global. E isso o fazia se sentir muito mal. Seu trunfo foi jogado no lixo. Mas como seu pai disse, não era tarde. Se ele se mexesse agora, poderiam ter uma chance.

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