Amber #62 - Era uma vez Alice, brincando com a gatinha Dinah.

11 de setembro de 1939
10h41

“Entendi. Muito obrigada então e desculpa o incômodo”, disse Alice enquanto desligava no telefone, o colocando de volta ao gancho, “Até mais”.

As batidas na porta eram constantes, sem pausa. A pessoa do outro lado parecia realmente estar com muita urgência. Alice Briegel já estava com os olhos cheios de lágrimas. Tinha perdido a conta das ligações por volta da trigésima – e já fazia pelo menos meia hora desde a trigésima. Limpou com um lenço o nariz e os olhos e foi até a porta da sua casa.

“Já vai, já vai!”, disse Alice se aproximando da porta. Ao abrir, era Liesl. Ela estava suada, sem ar. Aparentemente havia corrido bastante. Estava com um jornal na mão.

“Fui na SD, perguntei a todos lá, ninguém sabe de nada!”, disse Liesl enquanto entrava na casa de Alice, “Na volta passei e comprei um jornal. Olha só na sétima página o que tá escrito perto do rodapé”.

Alice ao ver ficou em choque. Segurando o jornal ela encostou na parede e levou a mão até a boca. Não havia como imaginar o que o pior havia acontecido ao ver aquele anúncio: Roland Briegel, agente da SD, encontra-se atualmente desaparecido.

“E como foi na SD? Não é possível que ninguém tivesse nenhuma pista!”, gritou Alice, agarrando Liesl pelos ombros, depois de jogar o jornal no chão.

Nessa hora Liesl se lembrou do que havia acontecido há uma atrás, quando havia ido até a SD:

“Weigl, espera aí, um minuto!”, chamou Liesl depois de passar por todas as pessoas do setor buscando por informações do coronel Briegel. Ela não gostava de conversar com Weigl, pois ele sempre dava umas cantadas extremamente bregas, mas se havia uma pessoa que ela tinha esperança de saber algo, era ele. Ao ouvir os chamados de Liesl, Weigl ainda segurando vários envelopes com documentos se virou com um sorriso para Liesl:

“Braun!”, chamou Weigl, chamando Liesl pelo sobrenome falso, “Como estão as coisas?”.

Ele parecia nervoso. Mas Liesl não sabia dizer se ele estava nervoso pois sabia de algo, ou se estava nervoso em falar com ela. Como sempre Weigl parecia aquele moleque apaixonado idiota padrão, sorridente, extremamente solícito e simpático. Ás vezes grudento, uma característica que Liesl detestava.

“Você sabe algo do coronel Briegel? Ele não voltou pra casa essa noite. Estamos todas preocupadas”, disse Liesl, observando cada uma das reações de Weigl.

Liesl aprendeu com Briegel como fazer leitura de linguagem corporal. Weigl, que já estava abraçado com a tonelada de papel, mostrou estar ainda mais focado nos papéis depois da pergunta sobre Briegel. Ela sabia que aquilo significava que ele estava entrando na defensiva, mas não sabia exatamente se era por conta de estar falando com ela ou se estava escondendo alguma coisa. Mas ela iria descobrir com algumas técnicas simples de interrogatório que Briegel a havia ensinado. Ela só precisava de tempo para lhe fazer mais algumas perguntas e ver a reação dele.

“O coronel? Não. Infelizmente não sei de nada”, mentiu Weigl. Seus olhos ficavam passeando por todo o redor, como se estivesse buscando uma rota de saída. Liesl ao observar isso sabia que talvez ele estaria mentindo, mais uma ou duas perguntas poderia no mínimo pegar sinais de evasão, o que poderia caracterizar como uma mentira, “Ele não voltou pra casa dele?”, desconversou Weigl.

Era hora do abate.

“Sim. Ele não voltou. Você viu que horas ele saiu, se ele deixou algum recado dizendo pra onde iria?”, perguntou Liesl. Mas nessa hora uma pessoa alta e imponente apareceu logo atrás de Weigl. Era ninguém menos que o chefe da SD, e do Gabinete Central de Segurança do Reich, e chefão da região, Reinhard Heydrich:

“Braun! O que raios está fazendo aqui? Porque não está auxiliando o Briegel?”, bufou Heydrich, com uma voz tão grossa e fria que lhe parecia conferir ainda mais o título de um dos homens mais cruéis do Reich. Liesl era corajosa, mas sabia que bater de frente com Heydrich poderia resultar em uma punição enorme.

“Herr Heydrich”, disse Liesl, encarando Heydrich, mas extremamente educada, “Infelizmente o coronel Briegel não voltou pra casa. Vim perguntar se alguém sabia de algo, ele não me avisou nada”.

Heydrich deu sinal mandando Weigl continuar com o que estava fazendo, levando os papéis até sua sala. Foi um imenso alívio para Weigl, e Liesl ficou sem jeito de continuar o interrogatório com ele. Encarando Liesl no corredor, Heydrich se aproximou dela. Até seu jeito de andar parecia pesado, ela raramente tinha que lidar com ele, uma vez que ela era subordinada de Briegel. Mas ainda assim Liesl permaneceu sem dar um único passo pra trás, enquanto seu coração disparava por estar na presença de um dos homens mais cruéis da elite nazista.

“Fiquei sabendo há pouco quando li o jornal”, disse Heydrich, dando um jornal pra Liesl, “Não podemos perder o Briegel. Será que você consegue ir atrás dele, Braun?”.

Liesl viu o jornal na página que Heydrich havia deixado e ficou assustada. De fato Briegel havia sumido, e uma nota no jornal na sessão de desaparecidos estava pedindo informações do seu paradeiro. Seu coração que já estava a mil agora estava ainda mais acelerado. Será que Briegel está bem?

“Eu irei sim”, disse Liesl, olhando para o nota no jornal sobre o desaparecimento, “Preciso de algumas semanas, herr Heydrich. Umas duas ou três semanas. Buscarei todas as pistas e irei atrás do coronel”.

“Faça isso. Está autorizada a ir buscar Briegel e averiguar quaisquer pistas. Agora saia da minha frente que tenho muita coisa a fazer!”, bufou Heydrich, passando por Liesl com pressa.

De volta com Alice, Liesl contou tudo o que havia acontecido na sede da SD. Incluindo o encontro com Heydrich e Weigl.

“Será que o Weigl não estava mentindo?”, perguntou Alice, “Você tem que voltar lá e terminar e interrogar ele!”.

Liesl balançou a cabeça. Era claro que Alice estava completamente desesperada, mas isso não a levaria a nada. Era Liesl quem devia manter a calma e tentar achar algum caminho no meio desse mar de dúvidas.

“Eu tenho uma pista”, disse Liesl. Nessa hora os olhos de Alice ficaram arregalados, como se no fundo se enchessem de esperanças, “Depois dessa conversa com o Heydrich eu fui até o escritório do coronel. Parece que ele havia saído ás pressas, pois ainda tinha umas pastas abertas em cima da mesa dele. Eu dei uma olhada por cima, mas todos ali pareciam ser engenheiros, físicos, mas de altíssimo nível, catedráticos mesmo. Só havia uma coisa que me deixou intrigada”, nessa hora Liesl olhou pro lado, como se algo extremamente perturbador havia ocorrido enquanto olhava esses documentos.

“O quê? O que te deixou intrigada?”, disse Alice, tentando fazer com que Liesl colocasse logo tudo pra fora.

“Haviam cinco pastas. Três engenheiros foram mortos em circunstâncias estranhas, como acidentes de carro, envenenamento e causa desconhecida. Um deles se mudou para os Estados Unidos como refugiado. E o último a ficha dele simplesmente não estava lá! Apenas a pasta!”.

“Papai sempre foi muito organizado. Ele nunca deixaria a mesa dele bagunçada, menos ainda levaria papéis e deixaria a pasta vazia”, disse Alice, que conhecia muito bem seu próprio pai. Nessa hora ela ficou refletindo, como se uma resposta para tudo aquilo viesse do nada na sua cabeça. Quando enfim sabia olhou pra Liesl com os olhos arregalados, como se soubesse de algo, “Exceto se ele pegou os papéis e deixou na casa dele! Vamos dar uma olhada no escritório dele, na casa dele!”.

A casa de Briegel era vizinha da de Alice, nos subúrbios ricos de Berlim. Era um bairro verde, extremamente bonito, onde vivia a mais alta classe da Alemanha. Alice e Liesl apenas cruzaram o portão e chegaram na casa ao lado, a casa de Briegel. Como Alice era a filha, e vivia visitando o pai, tinha um molho de chaves para poder entrar quando quisesse. E rapidamente as duas chegaram no escritório particular de Briegel, no primeiro andar da sua casa.

“É aqui. Onde será que ele deixou?”, perguntou Alice. Mas Liesl logo ao entrar perdeu grande parte das esperanças. Ao contrário da bagunça na mesa dele na SD, o escritório pessoal de Briegel parecia estar impecavelmente intocável, como se ele nem mesmo tivesse passado ali. Tudo estava organizado, limpo, absolutamente tudo no lugar.

“Ei, Alice, vem cá, rapidinho!”, chamou Liesl enquanto reparava algo na escrivaninha, “Tem uma gaveta aqui, está trancada com chave. Se existe um lugar talvez seja aqui. Exceto se ele guardar doces, ou fotos de mulheres peladas”.

“Se fosse o tio Schultz até daria pra imaginar, mas papai nunca teria essas coisas numa gaveta dessas”, disse Alice, que depois de ver a gaveta trancada olhou para a imensa estante de livros de Briegel, que cobria todas as paredes do seu escritório pessoal, “Sabe, quando a gente é criança a gente acha tudo o que os pais tentam esconder da gente. Tudo mesmo”, Alice pegou um livro, bem surrado, de Alice no País das Maravilhas. O mesmo livro com gravuras que ela havia visto pela primeira vez depois que seu pai a salvou na África. Ao abrir o livro uma chave caiu no chão carpetado, “Quando a gente é criança, acha tudo. Tente usar essa chave na gaveta, Liesl, por favor!”.

Liesl ficou assustada com aquilo, mas ainda assim pegou a chave. Realmente Alice conhecia Briegel como ninguém. Ela cobiçava essa intimidade que Alice tinha com seu pai. Queria muito ser assim com Briegel, mas sabia que ser como a filha seria muito difícil. Ao pegar a chave e colocar na fechadura da gaveta Liesl viu que realmente era aquela a chave que deveria abrir aquilo. Mas antes de girar a chave e puxar ela parou e olhou para Alice, segurando sua mão.

“Alice, eu não sei o que está nessa gaveta, mas tenho um pressentimento que a partir do momento em que descobrirmos qualquer pista que nos leve ao coronel não conseguiremos parar até que nós o encontremos”, disse Liesl, segurando firmemente a mão de Alice. Ao terminar a frase Liesl percebeu que Alice estava apertando a sua mão. Apertava tanto que era possível sentir até mesmo a pulsação uma da outra, “Não vai ter como parar depois de vermos isso, só poderemos seguir em frente. Tem certeza absoluta que é isso que você quer?”.

Alice nessa hora olhou para Liesl. Alice era um pouco mais alta que Liesl, mas a diferença era muito pouca. Os olhos da filha de Briegel começaram a brilhar e ela até esboçou um tímido sorriso, o que despertou muita confiança em Liesl. Não era preciso dizer muita coisa depois de ver aquela cena.

“Vai, Liesl, vá em frente. Abra a gaveta!”, disse Alice, cheia de esperanças. Nessa hora ela soltou a mão de Liesl que girou a chave, colocando a mão na empunhadura da gaveta, pronta para puxar.

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