Amber #114 - Improvável rendez-vous (3)

Saldaña e White continuavam ali, sem esboçar nenhuma reação de querer se desvencilhar, ou fugir da custódia do pelotão do Pássaro Vermelho. Ali, encarando todos os presentes, e observando a capacidade de destruição do monstro que havia sido mandado para buscá-los, estavam prontos para provocar todos ali, tecendo um comentário malvado mais uma vez.

“Vocês não têm como fugir. Desistam. É impossível”, disse Saldaña, carregado no sarcasmo, “Joguem a toalha. Vocês viram como transformar em churrasco mais de vinte nipônicos de uma só vez. Não tem como vencer. Ainda não querem nos entregar?”.

Ho, que ainda estava em choque vendo o massacre, não acreditou que estava ouvindo palavras naquele tom vindo de Saldaña. Seus olhos derrubavam lágrimas, mesmo vendo de longe todos aqueles corpos carbonizados, paralisados na posição em que morreram, fixando para sempre suas feições de terror, medo e dor para o além-vida.

“Transformar em churrasco? Espera aí, foi isso que eu ouvi? Depois de presenciar essa carnificina na sua frente, pessoas morreram, gritando sem chances de nem se defender, você ainda diz que eles viraram churrasco?!”, gritou Ho, se aproximando furiosa aos passos largos até onde estava Saldaña, “Seu patife cretino! Onde estão seus sentimentos, seu maldit–“.

“Espera, Ho”, disse Tsai, a impedindo de se aproximar de Saldaña, que não recuou um passo, e ficou encarando a chinesa do começo ao fim, “Eu já disse, Saldaña. Não vamos te entregar. Vamos lutar até o fim”.

Saldaña não conseguia entender da onde Tsai tirava essa firmeza de caráter. Absolutamente nada parecia a abalar, ela sempre se mantinha tranquila, mesmo nas situações que tirariam qualquer pessoa do sério. Por outro lado Tsai não entendia como Saldaña não fazia nenhum esforço em fugir sorrateiramente, e continuava lá, como se aguardasse uma autorização das pessoas que o detinham para que ele fosse entregue. Essa situação criava até uma estranha confiança e a certeza de que ele não fugiria, e que poderiam deixar ele lá, que ele faria nada.

“Ei, princesa, tenho uma ideia”, disse Schultz, ainda sentado, tentando não se mexer muito por conta da fratura. Ele gesticulou para que Tsai fosse rapidamente lá, “Tem uma granada de fumaça aí? O que temos que fazer é alguma maneira de interromper sua visão para que ele não ataque”.

Huang então se aproximou dos dois para ouvir o plano. Ho parecia precisar ficar um tempo a sós, estava abalada e ainda muito chocada pelas imagens que havia visto da chacina que aconteceu na sua frente.

“Eu tenho uma aqui comigo sim, Schultz”, respondeu Tsai, mostrando, “Mas como você acha que podemos ataca-lo? Balas apenas não funcionam”.

“Acho que tenho ideia do que você está pensando, alemão”, disse Huang, “Aquele caminhão de artilharia tem um canhão. Atirar o maior número de balas para neutraliza-lo”.

“Exato. O problema é se ele usar as chamas”, disse Schultz, pensativo, “Não consegui pensar numa solução para isso!”.

“Acho que já sei”, disse Tsai indo até suas coisas. Ela tirou das suas coisas uma forte corrente de aço com um gancho na ponta, que não era muito longa, mas teria alguma serventia, “Essa corrente aqui pode ser nosso trunfo”.

“Espera aí, porque diabos você carrega uma corrente de aço?”, perguntou Schultz, sorrindo sem acreditar no que via.

“Na verdade é da Ho. Mas como ela sempre tem que carregar muitas armas pesadas, eu dou uma força pra ela”, disse Tsai, mas aquilo não entrava ainda direito na cabeça de Schultz.

“Parece que só nós dois podemos fazer isso, Tsai”, disse Huang, olhando para o estado digno de pena que Ho ainda estava, “Eu o amarro e você atira o canhão?”.

“Não. Eu irei amarrar e você cuida do canhão. Eu sou mais rápida, tem que ser alguém que consiga escapar daquelas chamas”, disse Tsai, se prontificando para a missão.

“Melhor irem logo! Ele está começando a vir para cá!”, disse Schultz, e então os dois se prepararam.

Huang desceu na frente correndo a toda velocidade, lançando a granada de fumaça. Quase que de maneira instantânea uma cortina de fumaça se abriu na frente do monstro das chamas, atrapalhando sua visão.

Tsai e Huang se dividiram, cada um indo para um lado diferente do monstro, mas sem entrar na cortina de fumaça ainda. Huang foi pela esquerda, chegando até o local onde o caminhão de artilharia estava, rapidamente entrando e tomando o local do piloto.

O monstro começou a lançar chamas na sua frente, acreditando que Tsai e Huang eventualmente estariam na sua dianteira. Tsai foi pela direita, e munida da corrente, entrou na fumaça. A granada de fumaça duraria por ainda alguns segundos, eles tinham que ser rápidos.

Anda logo, Tsai! Cuidado!!, pensou Schultz, mas ele não conseguia fazer muita coisa, pois a cada pequeno movimento ele levava a mão ao seu peito, com a dor da costela fraturada rasgando sua pele.

A escuridão da noite simplesmente não existia no meio daquelas chamas todas lançadas pelo monstro queimando a vegetação ao redor. Já dentro da fumaça Tsai foi avançando vagarosamente, até que viu um vulto muito próximo na sua frente. Era o ser que cuspia fogo!

“Vamos ver se você aguenta isso!”, disse Tsai antes de lançar a corrente, mas nesse exato momento o monstro virou com os braços cuspidores de chamas na direção de Tsai, que rapidamente pulou por cima, se posicionando nas costas do monstro, e fixando o gancho da corrente na junção das asas.

Porém o monstro virou rapidamente em direção da Tsai, que tomando cuidado para não ser atingida pelas chamas se jogou no chão, e aplicou um golpe com suas pernas bem no meio dos membros inferiores do monstro, o fazendo cair de costas pesadamente no chão.

Tsai de início tomou um susto, pois ela teve que empregar muito mais força do que habitualmente empregaria. Era realmente um ser muito pesado, difícil de imaginar que conseguia voar com tanta facilidade mesmo com todo aquele peso. Mas uma vez no chão Tsai apressadamente pegou o outro lado da corrente e saiu correndo para fora da cortina de fumaça, se aproximando de uma árvore na direção de onde ele não havia queimado ainda, e dando duas voltas, segurando com as duas mãos o outro lado da corrente, com os pés no tronco da árvore para reforçar.

A Gongzhu então encheu os pulmões, e gritou:

“Agora, Huang!! FOGO!!!”, gritou Tsai, e nesse momento a fumaça começou a se dissipar, dado o tempo de duração da granada de fumaça. O monstro estava começando a se erguer, ainda tentando se localizar, e Huang mirou com o canhão do caminhão de artilharia japonês naquele monstro.

E então um disparo foi sendo lançado seguido do outro. Eram disparos que emitiam um som muito alto, e era possível ver até crateras se formando ao redor do monstro, que levava cada um dos tiros à queima roupa, absorvido pela armadura com escamas.

O monstro que cuspia chamas tentava se desvencilhar, tentava fugir, tentava caminhar ou mesmo mirar em Huang suas lança-chamas, mas sempre que ele tentava algo, era alvejado novamente pelo canhão que Huang disparava. Chegou um momento que a corrente já era, sem aguentar os disparos em sequência, e uma cortina de fumaça misturada com chamas e terra começava a se erguer ao redor do monstro.

“MORRA SEU MALDITO!!”, gritava Huang, sem desperdiçar um único disparo, e então os tiros acabaram, a arma devia ser recarregada.

Tsai então correu até onde estava Huang para ajuda-lo, mas conforme toda a poeira e fumaça ia se dissipando, logo viram que não seria necessário recarregar o veículo de artilharia. O monstro estava de joelhos, com grande parte da sua armadura trincada e amassada, com diversos pontos fáceis de serem atingidos com uma arma simples.

A chinesa então sacou sua pistola e apontou para o monstro, sem atirar. O jogo havia mudado drasticamente a favor delas. Ela apenas o encarava, já esgotada, cansada, mas ainda pronta para dar um ponto final naquilo. E ela precisaria apenas de uma simples pistola e um pouco de mira para que os disparos passassem a armadura e atingissem em cheio o monstro que havia por debaixo daquilo tudo.

Tsai foi se aproximando, apontando sua arma para o monstro, e nesse momento ela reparou como era aquele estranho ser. Parecia que emitia calor por si próprio, era uma coisa muito estranha. Parecia que gases escapavam das escamas trincadas ou quebradas, mas não era possível ver se havia cor ou cheiro, apenas o som agudo do gás sendo expelido. O monstro arfava, tinha uma respiração bem cansada, como se estivesse nas últimas depois de tantos disparos.

O monstro virou o rosto e encarou Tsai. Uma voz então ecoou por todos os locais:

“Não pensem que acabou por aqui. Vocês não perdem por esperar”.

Quando a voz ecoou, o monstro que cuspia chamas apontou as turbinas para o chão e tomou um impulso para cima, abrindo as asas e voando igual um foguete para longe dali. Agora era um voo diferente, pois ele parecia uma bola de fogo viva, pois as chamas envolviam seu corpo também.

Saldaña, do topo do aclive observava toda aquela situação em silêncio com os braços cruzados e as sobrancelhas arqueadas. Não havia nada mais a ser feito.

Toda suja, cheia de fuligem, arranhada e extremamente cansada, Tsai foi até onde estavam suas coisas e as guardou. Subiu mais um pouco e carregou Schultz, o pegando de lado. O americano continuava ali parado, apenas as encarando sem dizer nada. Seus planos haviam falhado miseravelmente.

“Escuta, posso te perguntar uma coisa, sinceramente? Porquê você não fugiu, saiu correndo, ou tentou armar uma emboscada contra gente?”, Tsai perguntou para Saldaña, com a feição séria e tranquila de sempre.

Saldaña olhou para ela, ainda mantendo o olhar de superioridade. Porém ele não respondeu nada.

“Orgulho. Esse aí é orgulhoso pra caralho, dona”, disse White, olhando pra baixo e balançando negativamente a cabeça.

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