Amber #51 - A Liga.

“Impossível”, disse Roland Briegel, profundamente abismado, “Você conseguiu atrasar a guerra que os nazistas estavam tramando? Não pode ser, isso já é demais!”.

Heinrich Briegel permaneceu com a mesma expressão. A opinião contrária do filho não o abalou de forma alguma. Enquanto Roland Briegel continuava negando na sua cabeça essa possibilidade, Ursel Meyer foi até uma estante de livros na parede lateral da sala e tirou um pesado livro de atas.

“Esse é apenas um pequeno registro das nossas ações”, disse Meyer, abrindo o livro e mostrando, “Todas as reuniões, acordos, e ações do grupo estão anotadas aqui. E como pode ver...”, disse Meyer, apontando pro final da página, que se repetia em todas as folhas. Havia um campo, com uma letra que Roland conhecia muito bem.

“É a assinatura do meu pai”, disse Briegel, que depois de olhar pra assinatura virou o olhar pro seu pai.

O pai de Briegel se ergueu da cadeira e foi até a mesa de canto, encher o copo de whisky. Roland continuou olhando as folhas de papel e via que existia nas folhas que foram abertas o nome da sua irmã, Brigitte, como uma das responsáveis. Havia de tudo lá, como reuniões feitas com líderes do gabinete nazistas, intimidações, ameaças feitas a grupos, desvio de verbas, manipulações políticas, tudo incrivelmente detalhado. E Brigitte Briegel, o que mais o intrigou no meio de tudo isso. Aparentemente ela estava trabalhando como braço-direito do pai.

“É uma reação humana muito comum ao ouvir algo que não acredita, agir negando, dizendo que é mentira, ou algo do gênero”, disse Heinrich Briegel. Roland não tinha o que dizer. Seu pai havia criado um serviço secreto extremamente organizado e eficaz com sua fortuna com o objetivo de frear Adolf Hitler. E havia conseguido, durante muitos anos, ser uma verdadeira pedra no sapato do Führer, “Mas, mudando de assunto, quem são essas pessoas com você?”, Heinrich apontou com o copo pra cada um, mas pulou Alice, como se ela não existisse, “Menos essa pretinha aí. Essa aí eu sei muito bem quem é”.

Meyer fechou o livro de registros e o levou de volta à estante. Briegel ao ouvir o questionamento de seu pai voltou a si, e acenou com a cabeça para que os que estavam com ele se apresentassem.

“Sou Maximilian Schneider, general Briegel”, disse Max, se erguendo, “Sou marido da Alice, e presidente da empresa--”.

“Sim, sabia que conhecia seu rosto”, disse Heinrich Briegel, completamente sem modos, sempre interrompendo a fala de todo mundo, “Não sabia que teria aqui um dos maiores empresários alemães aqui na minha sala. É uma honra”.

“Obrigado, senhor Briegel. Mas não é tanto assim”, disse Max, sem jeito. Heinrich Briegel olhou pra Liesl e gesticulou com a cabeça, sem dizer nada, para que ela falasse.

“Meu nome é Liesl”, disse Liesl, olhando pra Briegel. Ela não sabia se deveria se apresentar com seu sobrenome real, Pfeiffer, ou o sobrenome falso, Braun. Mas Roland balançou positivamente a cabeça e Liesl se apresentou com seu nome real, “Pfeiffer. Liesl Pfeiffer”.

Heinrich Briegel olhou espantado pra Liesl.

“Pfeiffer? Não pode ser...”, perguntou Heinrich, ele parecia assustado ao ouvir o sobrenome de Liesl, mas ainda descrente fez uma pergunta: “Quantos anos você tem, menina?”.

“Dezesseis, senhor Briegel”, disse Liesl, meio sem jeito.

“Não acredito. Seu pai se chamava Albert Pfeiffer?”, perguntou Heinrich.

Dessa vez Liesl foi quem se espantou.

“S-sim”, gaguejou Liesl, “Como o senhor sabe o nome do meu pai?”.

“Albert foi meu braço direito naquela ‘Guerra pra acabar com todas as Guerras’ na década de 1910”, disse Heinrich Briegel, se referindo à Primeira Guerra Mundial, “Eu lembro dele ter dito que tinha uma filha, e se me lembrava bem, provavelmente essa filha teria uns dezesseis ou quinze anos hoje”, a expressão de Heinrich ficou até menos carrancuda ao se lembrar do pai de Liesl, “Me diga, ele está bem?”.

Liesl nesse momento ficou cabisbaixa ao responder:

“Meu pai foi enviado pra Dachau, com a minha mãe”.

Heinrich, que estava com a expressão menos braba, ficou novamente brabo ao ouvir isso. Jogou seu caro copo de cristal no chão, quebrando-o em pedacinhos e molhando o chão de madeira da casa de whisky. Gritou vários palavrões, amaldiçoando os nazistas, a Alemanha, e Adolf Hitler. Todos na sala se assustaram.

“Hitler, maldito filho duma puta!! Vou cortar sua cabeça e dar aos cachorros!! Você matou, você matou meu amigo!! Seu filho duma puta!! Desgraçado!!”, disse Heinrich, sendo amparado por Meyer. Ele estava completamente emocionado, mas ainda assim não derrubava uma única lágrima, “Por quê? Por quê? Por quê?”, Heinrich já estava sentado na cadeira. Roland observava aquilo e não sabia exatamente se eu pai estava mais furioso que o costume, ou se estava triste, “Não... Albert! Merda!!”, disse Heinrich, chutando a mesa de canto onde repousava o whisky.

“Vou chamar a empregada pra limpar”, disse Meyer, se dirigindo pra fora da sala.

“Não! Deixa aí, depois ela limpa!”, bufou Heinrich Briegel, “O que está feito, está feito”, Heinrich fez uma pausa. Curioso que todos da sala continuavam com medo dele. O silêncio foi tão grande na sala durante esses segundos em que Heinrich ficou em silêncio que até o som da respiração as pessoas tinham medo de fazer, “Judeus, heróis de guerra, que lutaram ao lado do Império Alemão naquela época, protegendo esse país. Hitler não está perdoando nem mesmo eles. É verdade que perdemos a guerra, mas judeus como Albert Pfeiffer eram heróis, e meu grande amigo”, Heinrich Briegel parecia menos brabo agora, “Eu ajudei o primo, ou tio dele, sei lá. Foi ano passado. Esse parente dele era meu dentista. Um dos melhores que já conheci, seu nome era Fritz Pfeffer. Ele tinha um filho, um moleque, chamado Werner. Consegui tudo o que era necessário pra exilar o garoto na Inglaterra. Tenho medo do que possa acontecer com Fritz. Espero que consiga fugir também”.

Liesl não conhecia nenhum tio ou primo distante chamado Fritz. Família grande, nem todos se falavam com tanta frequência, além do fato dela ser muito jovem, é difícil uma criança lembrar de todos da família. Mas sabia que “Pfeffer” era uma variação do seu sobrenome “Pfeiffer”, então sabia que a estória que Heinrich contava devia ser bem verdadeira. Tirando seus pais, a única família que lembrava era sua prima Maggie. O tempo fez questão de enterrar grande parte das memórias que ela tinha dos tios, avós, e outros parentes. Do outro lado da sala, sentado em sua poltrona, Heinrich Briegel permanecia calado, olhando pra baixo. Roland viu que talvez aquela seria uma boa hora pra sair de lá.

“Bom, acho que já deu por hoje. Acho melhor irmos embora”, disse Briegel, chamando Alice, Liesl e Max, “Vamos indo, pessoal?”.

“Espera”, disse Heinrich, do outro lado da sala. Ele ergueu o rosto e encarou seu filho Roland nos olhos, “Você quer mesmo tirar Adolf Hitler do poder e acabar com o nazismo na Europa?”.

Roland parecia cansado. Se perguntava quanto mais teria que mostrar para provar que estava do mesmo lado do seu pai, querendo o fim dos nazistas? Mas dessa vez o pai não parecia estar tomado pela completa ignorância, como de costume. Parecia relativamente calmo e sério, como se enfim, depois de tanto tempo, não estivesse disposto a fazer suas ordens de pai serem obedecidas como leis que não cabiam questionamentos. Era estranho ver que Heinrich Briegel estava disposto a ouvir uma outra voz que não fosse a dele. Roland então resolveu dar uma chance:

“Pai, eu não vim convencer o senhor. Eu não sabia que você tinha ligações com Ursel Meyer, e se soubesse, nem teria vindo até aqui”, disse Briegel, de maneira franca, já em direção da porta, “Eu vou fazer de tudo o que estiver no meu alcance pra combater Adolf Hitler, o senhor me ajudando ou não. Se o senhor me permite eu--”

“Oliver Raines era britânico. Todas as informações públicas sobre ele eram corretas, mas, bem como você mesmo deduziu, Raines estava envolvido em algo muito maior, debaixo dos panos”, disse Heinrich, apontando com o dedo para uma pasta, pedindo pra Meyer pegar, “Meyer, pegue aquela pasta e entregue pra ele, por favor”, Briegel pegou a pasta nas mãos e abriu. Era um dossiê completo sobre Oliver Raines, “Há poucos meses descobrimos que Oliver Raines pertence a uma sociedade secreta. Não tenho certeza absoluta sobre isso, mas as informações que consegui eram altamente secretas e muito bem protegidas”.

Novamente o nome de sua irmã Brigitte Briegel aparecia em destaque. Chefe de investigação. E Ursel Meyer como agente investigativa, entre outros nomes que Roland não conhecia.

“Uma organização altamente secreta, que está acima de governos, e até mesmo da Liga das Nações. Diversos pensadores, filósofos, empresários e políticos têm ligações com ela. Uma organização que controla até mesmo governos, ditando o que deve ser feito, mediando conflitos, mas ao mesmo tempo controlando a mídia, valores, cultura e comportamentos do mundo inteiro”, explicou Heinrich.

“Uma organização que controla o mundo inteiro? Por deus...”, disse Roland Briegel, tentando entender como isso funcionaria.

“Porém algo estranho tem acontecido, nos últimos anos”, disse Meyer, “Estranhos assassinatos de membros dessa organização começaram a acontecer. Assassinatos misteriosos, um após o outro. Oliver Raines era um dos membros da diretoria da organização. Não sabemos quantos eram os membros dessa diretoria, ou se outra pessoa foi eleita, nada disso. Porém, mesmo Raines sendo um dos membros mais influentes da organização, ela foi dissolvida. Conseguimos informações de que ela continua bem ativa, mesmo depois da morte de Raines”.

Roland Briegel não tinha reação. Era pouca informação, não havia tanta coisa conclusiva, mas eram informações de ouro! Ele via aquelas poucas folhas e ficava abismado com as coisas que estava lendo. Sem acreditar naquilo olhava pro seu pai, e ficava abismado no que aquele homem era capaz. Era realmente imbatível, e quando o filho pensava que estava próximo de superar o pai, nesse momento viu que ainda estava a quilômetros de distância de alcança-lo.

“O nome que eles usam entre si é ‘A Liga’. É assim que eles se autodenominam”, disse Heinrich Briegel.

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