Amber #59 - Só podemos esperar bondade das pessoas que são realmente fortes.

Schultz ficou pensando. Ele sabia que havia ouvido falar algo sobre Nanquim quando ele estava na Alemanha ainda, que algo havia acontecido na cidade. Mas nessa hora estava tentando buscar na sua mente. No fundo ele queria impressionar Tsai, como se ele fosse alguém realmente inteligente. Mas no silêncio imenso que se sucedeu quando Tsai disse que era em Nanquim, a única pessoa que se manifestou foi Eunmi.

“Nanquim... A cidade que foi dizimada pelos japoneses?”, disse Eunmi, que conhecia bem a história, “Ouvi falar que coisas horríveis aconteceram por lá ano passado”.

Schultz reparou rapidamente que o punho de Tsai, apesar de baixo, ficou cerrado, como se ela estivesse se sentindo mal por ouvir sobre Nanquim. Seu rosto, que sempre estava sério, estava expressando um certo repúdio depois de entrar no assunto.

“Me desculpe, eu esqueci. Tantas informações, acho que me embananei”, disse Schultz, tentando deixar a conversa mais leve, “Você parece meio tensa em se lembrar de Nanquim, Tsai. Algo aconteceu lá?”.

“É óbvio que aconteceu”, e Tsai, mesmo respondendo de forma rude e com o rosto com raiva, simplesmente se virou e saiu de lá. Tanto Schultz quanto Eunmi não entenderam o que estava acontecendo.

Algumas horas se passaram, Schultz nesse meio tempo foi tomar um banho e comer algo. Havia um grande preparo das tropas. Aparentemente as tropas japonesas iriam invadir Changsha depois de poucos dias. Ao dar uma espiada no alojamento onde estava Eunmi, ao abrir uma fresta da porta via que ela dormia de barriga pra cima, completamente relaxada, como não devia fazer há muito tempo.

Schultz nessa hora sorriu. Eunmi era uma moça bem jovem. E provavelmente assim como Liesl havia passado por muita coisa. Mas naqueles momentos era interessante ver que mesmo apesar de tudo ainda havia espaço para relaxar e dormir como um bebezinho. Talvez no meio ali das tropas chinesas não havia lugar mais seguro para ela ficar do que ali.

Trajando uma simples camisa branca de algodão com suspensórios e uma calça cáqui, Schultz caminhava na borda do rio Xiangjiang, que cortava Changsha. Sentada em uma pedra olhando para a água estava alguém que de costas ele havia reconhecido. O sol já estava se pondo, então ele resolveu se aproximar.

“Se importa se eu me sentar aí?”, perguntou Schultz. Tsai ao virar o rosto viu que era ele, mas não respondeu. Schultz esperou alguns segundos e ainda assim sentou ao lado dela, “Eu tenho muitas perguntas, mas acho que você ainda deve ter algumas dúvidas. Será que podemos conversar?”.

Tsai ficou calada e puxou ar, colocando a mão na sua testa, como se não acreditasse que teria que conversar com Schultz, que era ela nem conhecia há pouco tempo atrás.

“Você é um espião?”, perguntou Tsai.

“Sim, de uma forma ou de outra”, disse Schultz, gesticulando com as mãos, “Oficialmente sou um agente da Inteligência nazista. Acho que por mais que eu tente me livrar disso, isso sempre vai vir atrás de mim. Mas eu não apoio Hitler de forma alguma. Me juntei ao meu melhor amigo, e estamos tramando derrubar ele do cargo. Apenas não sabemos ainda como”, nessa hora Schultz olhou nos olhos de Tsai. O poente refletido em seus olhos azuis tinham um cor linda que Tsai nunca havia visto. Uma mistura de azul com laranja, cores complementares, e no meio disso tudo ela conseguiu ver a real intenção dele, “Até que um dia fui abordado por uma coreana que, pasme, ela aprendeu em um mês a falar alemão, pedindo pra eu ajudar ela a se vingar de um capitão japonês que matou o noivo dela”.

“Uau, que história”, brincou Tsai. Ela estava começando a ver algo de bom no alemão.

“E hoje atualmente meu endereço é a cidade de Changsha, mas eu prometi que a levaria para a Coréia. E promessa, bem...”, nessa hora Schultz deu um sorriso, “Promessa é dívida”.

“Parece que nossos povos compartilham do mesmo conceito de honra. Realmente é louvável”, disse Tsai.

Ficou um breve silêncio entre os dois, apenas quebrado pelo som da correnteza na frente deles. Schultz achou que era um bom momento de ele fazer algumas perguntas agora.

“E você? Qual sua história?”, disse Schultz. Quando Tsai abriu a boca pra falar ele complementou, falando antes dela: “E, claro, porque você ficou daquele jeito quando falamos de ir até Nanquim?”.

Tsai viu que seria bom compartilhar sobre ela com ele, não apenas por educação, mas também para criar um laço mútuo de confiança.

“Bom, como você sabe, meu nome é Tsai Louan”, nessa hora Tsai escreveu na terra molhada de frente do rio os caracteres chineses do seu nome, usando um graveto. Ela decidiu então explicar o que cada um dos três caracteres significavam: “Tsai é o meu sobrenome. Louan, onde o ‘lou’ significa gentil, e o ‘an’ significa seguro. Os nomes asiáticos sempre possuem um significado, uma característica. Os pais que escolhem depois que nós nascemos, e dizem que inevitavelmente acaba influenciando por toda a nossa vida”.

Schultz achou aquilo incrível. Os caracteres foram escritos com uma letra muito bonita, e isso refletia bem a personalidade dela. Embora até aquele momento só havia conhecido o lado mais durão da Tsai, viu com a precisão da caligrafia o quanto ela era gentil, suave.

“Minha primeira impressão que tive de você era de uma pessoa bem fria. Mas vendo você escrevendo, os movimentos são realmente lindos, gentis e suaves. Dá pra entender o porquê de você ser tão forte”, disse Schultz.

“Foi uma péssima cantada, senhor Schultz. Você disse que os movimentos são gentis e suaves, e depois você diz que eu sou forte. Ou eu sou uma coisa, ou eu sou outra”, disse Tsai, novamente fazendo uso do sarcasmo, beirando o rude.

“Eu acho que na verdade são duas coisas bem complementares, na verdade”, disse Schultz, com muita franqueza. Talvez com outras mulheres ele sabia que provavelmente nesse momento já a estaria agarrando e as beijando, mas com Tsai havia algo que ele não sabia exatamente o que era. E francamente ele tinha um pouco de medo do que sentia. Porém ele não precisou nem mesmo encostar um dedo em Tsai para ganhar admiração dela com a sua próxima frase: “Só podemos esperar bondade das pessoas que são realmente fortes. Pois uma pessoa fraca, no primeiro e menor obstáculo da vida, usaria isso como desculpa para praticar o mal. É nisso que acredito”.

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