Amber #60 - Sorriso
Tsai ficou vermelha depois da fala de Schultz. Por um momento Schultz observou as bochechas dela ficando vermelhas, mas achou que era por conta da cor púrpura que o pôr-do-sol estava tingindo tudo o que estava ali. Foi aí que ele percebeu que realmente ela tinha ficado vermelha, virando o rosto para o lago que ele percebeu que ela realmente havia ficado enrubescida.
“Ah, minha nossa, desculpa!”, disse Schultz, que também ficou envergonhado por ter feito Tsai ruborizada, “Sinto muito, juro que não foi minha intenção”.
“Está tudo bem”, acalmou Tsai, “Gostei da sua fala. Pelo visto você não é um idiota qualquer”.
Schultz ficou quieto. No fundo encarou aquilo como um elogio. Tsai prosseguiu:
“Eu nasci em Xangai, há vinte e oito anos”, disse Tsai.
“Puxa, não parece!”, Schultz tomou um susto, “Você mal parece ter vinte!”.
“Obrigada”, agradeceu Tsai, baixando a cabeça na maneira oriental, mas ainda assim sem sorrir, “A família do meu pai eram parentes do ‘Generalíssimo’, e por serem oficiais do exército, queriam que seus filhos seguissem os mesmos passos. Eu tive um irmão mais velho, logo seria ele quem continuaria defendendo a República Chinesa, ele teria sido treinado para a nova geração de nacionalistas, lutado ao lado da Kuomintang, e outras coisas”, disse Tsai, pausando.
Schultz conhecia o Kuomintang, o partido nacionalista chinês. A China, apesar de estar em guerra contra o Japão naquele momento, estava enfrentando uma dura guerra civil que havia estourado quando aconteceu um grande massacre em Xangai, onde nacionalistas mataram centenas de comunistas e antiesquerdistas, temendo um golpe de esquerda pra dominar o país. A Guerra civil oficialmente havia começado em 1927, dividindo o povo chinês, e só viria a acabar com a vitória de Mao Tsé-tung em 1949, estabelecendo a República Popular da China.
“Generalíssimo?”, perguntou Schultz.
“Eu o chamo assim, ouvi falar que é assim que se chama a patente militar dele para vocês do ocidente”, explicou Tsai, que depois deu mais detalhes: “Acho que talvez vocês conheçam mais pelo nome real dele, Chiang Kai-shek”.
“O quê? Esse generalíssimo?”, disse Schultz, boquiaberto, “Minha nossa, esse aí dispensa comentários. É um herói pra esses lados, é claro que conheço. Só não conseguia acreditar que você estava falando realmente dele”.
Tsai balançou positivamente a cabeça e voltou seu olhar para a correnteza do rio.
“Mas você disse que ‘tinha’ um irmão mais velho. Não me diga que ele...”, disse Schultz.
“Ele sempre teve uma saúde frágil. Por ironia do destino o filho que deveria ter sido uma pessoa forte quanto crescesse, acabou falecendo decorrente de uma simples gripe quando tinha uns sete anos”, disse Tsai, “Eu tinha apenas seis e foi um choque imenso, fiquei muitos dias, semanas, meses triste. Meu irmão era meu melhor amigo. Achei que poderia preencher o vazio de não tê-lo comigo se eu cumprisse o que lhe havia sido destinado”.
“Entendi. Então você de alguma forma decidiu tomar o lugar do seu irmão, e entrou pro exército”, disse Schultz.
“Exato. Estudei muito, com professores de outros países. Aprendi inglês, alemão, e francês. Isso sem contar as línguas daqui da região, como chinês, japonês e coreano. Fui treinada pelos melhores soldados, espiões e generais. Os homens que treinavam comigo viviam me comparando com a Hua Mulan”, disse Tsai, se referindo ao famoso conto que a Disney tornou famoso atualmente.
“Hua Mulan? O que raios é isso?”, perguntou Schultz.
“Ah, é um conto idiota daqui, deixa pra lá”, disse Tsai, que depois prosseguiu, “Eu e meu pelotão lutamos na batalha de Nanquim, dois anos atrás. Mas os japoneses eram mais fortes, mais organizados, e com um armamento muito superior do que o que tínhamos. Fomos completamente massacrados. E depois...”.
Tsai ficou quieta, não conseguiu completar o que ia dizer. Schultz continuava buscando na sua memória o que sabia sobre Nanquim. Foi nesse momento que enfim ele se recordou.
“Por deus... Sim, lembrei agora, eu li nos jornais!”, disse Schultz, “O estupro de Nanquim?! Não me diga que você estava lá?”.
Os olhos de Tsai se encheram de lágrimas.
“Quando fecho os olhos e me lembro, parece que foi ontem. Via corpos por todos os lados sendo jogados nos rios, gritos de dezenas de centenas de mulheres sendo estupradas e mortas, sabe? Japoneses pegavam espadas e ficavam competindo pra ver quem arrancava mais cabeças de chineses capturados. Pessoas capturadas, sem direito de defesa!”, nessa hora Tsai virou o rosto pra Schultz. Lágrimas caíam do rosto dela, “Eu nunca vi tamanha covardia. E eu fui salva por pouco pelo meu capitão, que na época sacrificou sua própria vida pra salvar a minha, e consegui fugir com o restante do meu pelotão daquele inferno”.
Schultz não sabia o que dizer. Se fosse outra mulher com certeza ele ofereceria seu ombro, e provavelmente passaria a mão na bunda dela. Mas Tsai era diferente. Ela não conseguia pensar em nenhuma dessas coisas quando estava do lado dela. Ele nunca havia sentido algo assim antes, ou talvez sabia exatamente o que sentia, apenas havia trancado essa sensação no fundo do seu coração, sem saber como descrevê-la.
Tsai se encolheu entre as suas pernas e começou a chorar. Schultz ao seu lado fez um único gesto, colocando a mão no ombro dela, a acariciando, tentando confortá-la de certa maneira.
“Gongzhu? Gongzhu?”, dizia uma mulher chinesa com um bebê de colo que andava ali, chamando Tsai. Ela estava preocupada pois vira Tsai em prantos sentada na margem do rio.
Schultz vendo que Tsai estava encolhida em seu choro virou pra chinesa e disse uma das únicas coisas que ele achou que poderia dizer:
“Daijobu!”, disse Schultz. Em japonês isso era algo como ‘está tudo bem!’. Mas obviamente era japonês e a mulher chinesa não entendeu nada.
Nessa hora viu que o choro de Tsai parecia se confundir com risos.
“Ah, seu idiota! Isso é japonês! Ninguém vai entender isso, e não é a mesma coisa!!”, disse Tsai, rindo alto. Ela virou o rosto e sorriu pra Schultz. Foi o primeiro sorriso que ela deu pra ele, e aquela memória ficaria na sua mente para todo o sempre. Entre os risos Tsai falou com a mulher e a disse em chinês que não havia problema, que estava tudo bem.
“Ok, perdão, princesa! Aceito receber umas aulas de chinês. Mesmo em japonês eu só sei uma palavra ou outra!”, disse Schultz.
“Escuta, vamos para Nanquim sim. E depois vamos pra Coréia, vou junto do meu esquadrão levar vocês”, disse Tsai, com uma expressão bem mais serena no rosto depois de rir tanto, “Mas precisamos nos preparar para isso. E acho que você também pode enriquecer o pessoal daqui com as coisas que você sabe fazer. Treinamento nunca é demais, e meus amigos do meu pelotão são os melhores de toda a China”.
“Puxa, então aceito o convite. Por quanto tempo? Um mês?”, perguntou Schultz.
“Sim. Em um mês podemos partir para Nanquim. Não sei se seu fotógrafo vai estar vivo, mas podemos arriscar”, disse Tsai.
Os dois voltaram para o alojamento onde estava Eunmi. Tsai estava com um rosto bem mais sereno, embora a sua necessidade de sempre estar séria por conta do seu cargo não a permitia ser exatamente muito amistosa. Eunmi já havia acordado do seu cochilo, e estava com um jornal em mãos.
“Oh, alemão? Como vocês conseguiram isso?”, disse Schultz, se aproximando de Eunmi. Aproveitou então pra dar uma rápida olhada nas notícias do jornal, e ficou abismado com o avanço das tropas alemãs sobre a Polônia, “Puxa, a coisa tá feia por lá. Espero que estejam todos bem”.
“Ah, já voltaram?”, disse Eunmi, baixando o jornal pra ver Schultz e Tsai, “Eu desisto, é muito difícil ler esse alfabeto. E vocês ainda usam essas letrinhas que vêm não sei da onde”, disse Eunmi apontando pra uma letra beta que estava no meio do texto, muito usada no alemão daquela época. Com raiva ela jogou o jornal de lado, e Schultz o pegou para ler.
“Conseguimos esses jornais com alguns informantes. É de alguns dias atrás, então não estranhe. Talvez ainda ajam notícias atrasadas”, disse Tsai.
“O QUÊ?! Não acredito! Só pode ser brincadeira isso!!”, gritou Schultz. Todos no local olharam para ele assustado.
No jornal havia uma pequena nota em uma das páginas internas. A nota dizia: “Roland Briegel, agente da SD, encontra-se atualmente desaparecido”.
“Ah, minha nossa, desculpa!”, disse Schultz, que também ficou envergonhado por ter feito Tsai ruborizada, “Sinto muito, juro que não foi minha intenção”.
“Está tudo bem”, acalmou Tsai, “Gostei da sua fala. Pelo visto você não é um idiota qualquer”.
Schultz ficou quieto. No fundo encarou aquilo como um elogio. Tsai prosseguiu:
“Eu nasci em Xangai, há vinte e oito anos”, disse Tsai.
“Puxa, não parece!”, Schultz tomou um susto, “Você mal parece ter vinte!”.
“Obrigada”, agradeceu Tsai, baixando a cabeça na maneira oriental, mas ainda assim sem sorrir, “A família do meu pai eram parentes do ‘Generalíssimo’, e por serem oficiais do exército, queriam que seus filhos seguissem os mesmos passos. Eu tive um irmão mais velho, logo seria ele quem continuaria defendendo a República Chinesa, ele teria sido treinado para a nova geração de nacionalistas, lutado ao lado da Kuomintang, e outras coisas”, disse Tsai, pausando.
Schultz conhecia o Kuomintang, o partido nacionalista chinês. A China, apesar de estar em guerra contra o Japão naquele momento, estava enfrentando uma dura guerra civil que havia estourado quando aconteceu um grande massacre em Xangai, onde nacionalistas mataram centenas de comunistas e antiesquerdistas, temendo um golpe de esquerda pra dominar o país. A Guerra civil oficialmente havia começado em 1927, dividindo o povo chinês, e só viria a acabar com a vitória de Mao Tsé-tung em 1949, estabelecendo a República Popular da China.
“Generalíssimo?”, perguntou Schultz.
“Eu o chamo assim, ouvi falar que é assim que se chama a patente militar dele para vocês do ocidente”, explicou Tsai, que depois deu mais detalhes: “Acho que talvez vocês conheçam mais pelo nome real dele, Chiang Kai-shek”.
“O quê? Esse generalíssimo?”, disse Schultz, boquiaberto, “Minha nossa, esse aí dispensa comentários. É um herói pra esses lados, é claro que conheço. Só não conseguia acreditar que você estava falando realmente dele”.
Tsai balançou positivamente a cabeça e voltou seu olhar para a correnteza do rio.
“Mas você disse que ‘tinha’ um irmão mais velho. Não me diga que ele...”, disse Schultz.
“Ele sempre teve uma saúde frágil. Por ironia do destino o filho que deveria ter sido uma pessoa forte quanto crescesse, acabou falecendo decorrente de uma simples gripe quando tinha uns sete anos”, disse Tsai, “Eu tinha apenas seis e foi um choque imenso, fiquei muitos dias, semanas, meses triste. Meu irmão era meu melhor amigo. Achei que poderia preencher o vazio de não tê-lo comigo se eu cumprisse o que lhe havia sido destinado”.
“Entendi. Então você de alguma forma decidiu tomar o lugar do seu irmão, e entrou pro exército”, disse Schultz.
“Exato. Estudei muito, com professores de outros países. Aprendi inglês, alemão, e francês. Isso sem contar as línguas daqui da região, como chinês, japonês e coreano. Fui treinada pelos melhores soldados, espiões e generais. Os homens que treinavam comigo viviam me comparando com a Hua Mulan”, disse Tsai, se referindo ao famoso conto que a Disney tornou famoso atualmente.
“Hua Mulan? O que raios é isso?”, perguntou Schultz.
“Ah, é um conto idiota daqui, deixa pra lá”, disse Tsai, que depois prosseguiu, “Eu e meu pelotão lutamos na batalha de Nanquim, dois anos atrás. Mas os japoneses eram mais fortes, mais organizados, e com um armamento muito superior do que o que tínhamos. Fomos completamente massacrados. E depois...”.
Tsai ficou quieta, não conseguiu completar o que ia dizer. Schultz continuava buscando na sua memória o que sabia sobre Nanquim. Foi nesse momento que enfim ele se recordou.
“Por deus... Sim, lembrei agora, eu li nos jornais!”, disse Schultz, “O estupro de Nanquim?! Não me diga que você estava lá?”.
Os olhos de Tsai se encheram de lágrimas.
“Quando fecho os olhos e me lembro, parece que foi ontem. Via corpos por todos os lados sendo jogados nos rios, gritos de dezenas de centenas de mulheres sendo estupradas e mortas, sabe? Japoneses pegavam espadas e ficavam competindo pra ver quem arrancava mais cabeças de chineses capturados. Pessoas capturadas, sem direito de defesa!”, nessa hora Tsai virou o rosto pra Schultz. Lágrimas caíam do rosto dela, “Eu nunca vi tamanha covardia. E eu fui salva por pouco pelo meu capitão, que na época sacrificou sua própria vida pra salvar a minha, e consegui fugir com o restante do meu pelotão daquele inferno”.
Schultz não sabia o que dizer. Se fosse outra mulher com certeza ele ofereceria seu ombro, e provavelmente passaria a mão na bunda dela. Mas Tsai era diferente. Ela não conseguia pensar em nenhuma dessas coisas quando estava do lado dela. Ele nunca havia sentido algo assim antes, ou talvez sabia exatamente o que sentia, apenas havia trancado essa sensação no fundo do seu coração, sem saber como descrevê-la.
Tsai se encolheu entre as suas pernas e começou a chorar. Schultz ao seu lado fez um único gesto, colocando a mão no ombro dela, a acariciando, tentando confortá-la de certa maneira.
“Gongzhu? Gongzhu?”, dizia uma mulher chinesa com um bebê de colo que andava ali, chamando Tsai. Ela estava preocupada pois vira Tsai em prantos sentada na margem do rio.
Schultz vendo que Tsai estava encolhida em seu choro virou pra chinesa e disse uma das únicas coisas que ele achou que poderia dizer:
“Daijobu!”, disse Schultz. Em japonês isso era algo como ‘está tudo bem!’. Mas obviamente era japonês e a mulher chinesa não entendeu nada.
Nessa hora viu que o choro de Tsai parecia se confundir com risos.
“Ah, seu idiota! Isso é japonês! Ninguém vai entender isso, e não é a mesma coisa!!”, disse Tsai, rindo alto. Ela virou o rosto e sorriu pra Schultz. Foi o primeiro sorriso que ela deu pra ele, e aquela memória ficaria na sua mente para todo o sempre. Entre os risos Tsai falou com a mulher e a disse em chinês que não havia problema, que estava tudo bem.
“Ok, perdão, princesa! Aceito receber umas aulas de chinês. Mesmo em japonês eu só sei uma palavra ou outra!”, disse Schultz.
“Escuta, vamos para Nanquim sim. E depois vamos pra Coréia, vou junto do meu esquadrão levar vocês”, disse Tsai, com uma expressão bem mais serena no rosto depois de rir tanto, “Mas precisamos nos preparar para isso. E acho que você também pode enriquecer o pessoal daqui com as coisas que você sabe fazer. Treinamento nunca é demais, e meus amigos do meu pelotão são os melhores de toda a China”.
“Puxa, então aceito o convite. Por quanto tempo? Um mês?”, perguntou Schultz.
“Sim. Em um mês podemos partir para Nanquim. Não sei se seu fotógrafo vai estar vivo, mas podemos arriscar”, disse Tsai.
Os dois voltaram para o alojamento onde estava Eunmi. Tsai estava com um rosto bem mais sereno, embora a sua necessidade de sempre estar séria por conta do seu cargo não a permitia ser exatamente muito amistosa. Eunmi já havia acordado do seu cochilo, e estava com um jornal em mãos.
“Oh, alemão? Como vocês conseguiram isso?”, disse Schultz, se aproximando de Eunmi. Aproveitou então pra dar uma rápida olhada nas notícias do jornal, e ficou abismado com o avanço das tropas alemãs sobre a Polônia, “Puxa, a coisa tá feia por lá. Espero que estejam todos bem”.
“Ah, já voltaram?”, disse Eunmi, baixando o jornal pra ver Schultz e Tsai, “Eu desisto, é muito difícil ler esse alfabeto. E vocês ainda usam essas letrinhas que vêm não sei da onde”, disse Eunmi apontando pra uma letra beta que estava no meio do texto, muito usada no alemão daquela época. Com raiva ela jogou o jornal de lado, e Schultz o pegou para ler.
“Conseguimos esses jornais com alguns informantes. É de alguns dias atrás, então não estranhe. Talvez ainda ajam notícias atrasadas”, disse Tsai.
“O QUÊ?! Não acredito! Só pode ser brincadeira isso!!”, gritou Schultz. Todos no local olharam para ele assustado.
No jornal havia uma pequena nota em uma das páginas internas. A nota dizia: “Roland Briegel, agente da SD, encontra-se atualmente desaparecido”.
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