Amber - Kaisertreue (1)
1 de julho de 1916
O mundo respira guerra, com um cheiro pútrido de corpos apodrecendo, ratos, e lama de dentro das trincheiras. Aquela bela época em que o mundo respirava paz, também fomentou a industrialização em massa. Ao mesmo tempo, países disputavam qual teria a maior e melhor fatia da África, e uma rivalidade silenciosa e abafada até então, começava a dar os primeiros sinais de que quando se perdesse seu controle, arderia o mundo em chamas com o início de uma guerra tão catastrófica que envolveria todo o globo, custando milhões de vidas, e gerações inteiras perdidas.
“Abram caminho!! Saiam da frente!!”, dizia o soldado, afastando as pessoas e inconsciente anunciando quem estava se aproximando do fronte, “O esquadrão Kaisertreue chegou!! O esquadrão Kaisertreue chegou!!”.
Quanto mais se aproximavam do fronte de batalha, mais nítida era a destruição que havia para além daquelas trincheiras. Tiros riscavam linhas no céu com a pólvora em chamas, enquanto explosões de minas terrestres faziam tudo tremer. O dia mal tinha raiado e, dado a preparação dos exércitos britânico e francês, aquilo tudo parecia que não seria apenas um longo dia de batalhas, mas algo no ar dizia que aquela matança em Somme se estenderia para meses e meses a fio.
“Capitão Briegel! Vejo que trouxe todos! Espero que estejam preparados!”, disse o coronel Georg Bruchmüller, “Como foi a estadia na África?”.
Heinrich Briegel nessa hora apagou o cigarro no cinzeiro na mesa, e olhou para o coronel Bruchmüller. Aquela era uma das poucas pessoas que Heinrich Briegel obedecia e tinha admiração, por isso sua importância era vital para o sucesso dessa missão. Ao mesmo tempo o coronel era uma lenda, o chamavam de Durchbruchmüller, ou “o Müller atravessador das linhas inimigas”. Porém, na sua frente, acompanhado de mais quatro pessoas logo atrás, era Briegel que comandava um dos esquadrões mais bem treinados do exército do Império Alemão. Naquele recinto só estavam os melhores sendo liderados pelo melhor.
“Nada bom. Lá é um forno, e eu detesto calor”, disse Heinrich, de maneira seca.
“Pedimos o seu retorno pois nossa situação requere mais uma vez uma ofensiva comandada por você”, Bruchmüller apontou para o mapa na mesa, “Franceses e britânicos estão prontos para atacar. Depois de tomarem Verdun ao sul, estamos com medo que comecem a nos empurrar de volta, avançando também na região do rio Somme. Você irá junto de uma unidade para o fronte, preciso que vocês cinco defendam a região norte, custe o que custar”.
“Não entendo o motivo de nos mandar com uma unidade. Esses moleques aí acabaram de aprender a bater punheta. Vocês acham mesmo que mandar um bando de moleques sem treinamento para a batalha achando que vão fazer milagres com submetralhadoras em mãos vai causar algo que não seja carnificina?”, perguntou Briegel, áspero como sempre.
“Briegel, talvez você tenha reparado no brilho desses soldados quando viram vocês chegando no acampamento. Esses jovens estão passando fome, suas famílias vivem uma vida miserável, estão morrendo de doenças que pegam naquelas trincheiras cheias de ratos e não possuem esperança de mais nada. Faz semanas que não os vejo dando um sorriso sequer”, disse Bruchmüller, tentando apelar para o lado emocional de Heinrich Briegel, “É raro ver o seu esquadrão completo. E eles sabem que vocês são os únicos capazes de mudar o curso da bat--”
“Vocês falam muito sobre a gente, isso sim. Eu, e meus camaradas aqui, sangram como qualquer outro”, disse Briegel, interrompendo o general, “E se morrermos, morremos igual um cachorro, como qualquer outro aqui”.
“Sim, sabemos disso! Mas vai muito além disso, Briegel. Os franceses tomaram Verdun, e se nos descuidarmos, iremos perder ainda mais do pouco território que conquistamos”, disse Bruchmüller, baixando a cabeça e a balançando enquanto olhava para o mapa, “Infelizmente temos que jogar e apostar tudo com nossa melhor jogada, pois perder aqui em Somme com certeza vai nos obrigar a recuar cada vez mais de volta para a Alemanha”.
“Se quisessem uma palestra motivacional pro seu exército, poderia ter me dado um palanque. Seria muito mais útil do que liderar uns pobres coitados que nunca pegaram numa arma morrendo ao tentar fazer algo heroico para serem como os heróis que leem nos livros”, disse Briegel, acendendo um cigarro e jogando a caixa de fósforo na mesa do general. Briegel então deu uma tragada, olhou para o coronel e simplesmente virou as costas para ele, “Vocês têm outros soldados bons. Talvez seria interessante vocês aí de cima lutarem um pouco também”.
“Briegel, espere!”, gritou o coronel, “Isso não é um pedido! É uma ordem!”.
Mas Heinrich Briegel parecia ignorar. Ao dar alguns passos pra perto da entrada do acampamento, vira que tinha diversos soldados jovens espiando o que acontecia dentro da barraca de Bruchmüller. Briegel não sabia o que eles viam nele próprio. Ele estava todo sujo, com as botas cheias de lama, e fedia a cigarro. Com certeza deviam ter contado mil e uma histórias exageradas sobre atos heroicos, patrióticos, e para todas aquelas pessoas olhar para Briegel e seu pelotão era como olhar para lendas vivas.
“Capitão?”, perguntou Albert Pfeiffer, o batedor do esquadrão, ao ver Briegel parar de caminhar na entrada da cabana do general, “Aconteceu alguma coisa?”.
Muitos até estavam com os olhos cheios de lágrimas, como se encontrassem uma espécie de divindade. Nessa hora Briegel ficou abismado com o que devia se passar na cabeça daqueles moleques que haviam acabado de sair da adolescência. Eles poderiam até eventualmente acreditar em Deus. Mas de tanto falarem sobre Briegel, parecia que olhar para ele era como se encontrassem um verdadeiro deus vivo.
“Esses jovens realmente parecem esperançosos”, disse Johann Schwarz, o soldado de suporte do esquadrão, “Se nós decepcionarmos, ou sermos mortos, seria como se o mundo de todos esses jovens desmoronasse”.
Desbravar a “terra de ninguém” com certeza não era algo para qualquer um. Mas Briegel naquele momento viu que embora fosse perigoso, os únicos que talvez teriam uma mínima chance seriam eles.
“Coronel Bruchmüller. Espero que se eu tiver que ser enterrado, que seja no túmulo da minha família, na minha terra natal”, disse Briegel, se virando para o general, “Diga então a todos esses jovens o seguinte...”
Um pelotão cujo nome significava “lealdade ao Kaiser”. Um nome dado pelos próprios companheiros de batalha, e mais tarde adotado até pelos comandantes do mais alto escalão. Unir todos não era um trabalho fácil, mas uma vez unidos, era certeza da vitória.
E o nome desse pelotão da Primeira Guerra Mundial liderado por Heinrich Briegel era...
“...O Kaisertreue está pronto. Vamos frear o avanço dos franceses e britânicos, e vamos mostrar que somos nós os que não os deixarão passar”.
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A manhã daquele primeiro de julho jamais será esquecida.
Posicionado na trincheira alemã, Albert Pfeiffer observa com seu periscópio o outro lado da “terra de ninguém” – o local que havia entre as trincheiras dos aliados e inimigos, uma terra desprotegida onde pisar ali era praticamente um sinônimo de morte.
“Acho que eles não têm coragem de passar pelo arame farpado”, disse Pfeiffer, observando tudo da trincheira, “Não tem como passar por ali sem ser machucado”, nessa hora Albert olhou para Briegel e Schwarz que estavam do seu lado, e comentou: “E eles estão fazendo uma burrice enorme tentando remover o arame farpado da maneira mais ineficiente do mundo. Olha só”.
“Espera aí, eu quero ver!”, disse Schwarz, dando um passo a frente. Pfeiffer lhe entregou o periscópio, e segundos depois de olhar pelo binóculo viu uma grande explosão acontecendo onde ele estava fitando, “Eita! Aquilo foi uma explosão? Espera aí, eles acham que vão destruir arame farpado com a barragem de artilharia?”.
Briegel observou a explosão ao longe também, esticando o pescoço para cima da trincheira.
“Não tem como passar por aquele emaranhado de fios sem se ralar muito ou ficar preso. Mas o que estou percebendo é outra coisa que me intriga ainda mais...”, disse Briegel, apontando pro ouvido enquanto olhava para Pfeiffer e Schwarz, “Essa cadência da artilharia é completamente irregular. Eles possuem soldados que ficam apenas reabastecendo os canhões, outros atirando, outros organizando as munições... Tem canhão ali que ficou minutos sem dar um único disparo”.
“Será que estão economizando munição?”, perguntou Schwarz, mas até ele viu que essa teoria era ridícula, “Ok, tudo bem, com certeza não é. Então só pode ser uma coisa: balas de canhão de baixa qualidade. Devem estar falhando dentro dos canhões”.
“Mas são britânicos! Tem certeza?”, perguntou Pfeiffer.
Briegel nessa hora novamente esticou a cabeça e olhou em direção das linhas inimigas.
“Eu não duvido. Ingleses não possuem tanta habilidade, e talvez estejam usando material de quinta categoria”, disse Briegel, vendo as explosões que ocorriam cada vez mais perto da trincheira de onde estavam, “Meu palpite é o mesmo do Schwarz. Munição de baixa qualidade”.
Vindo de uma trincheira de conexão, o húngaro Horvath Rudolf e o otomano Harun Ozal se aproximavam do resto do Kaisertreue. Os dois eram membros e amigos, dois soldados altamente treinados, que formavam com Heinrich Briegel, Albert Pfeiffer e Johann Schwarz o grupo de soldados alemães mais temidos pelas potencias aliadas.
“Finalmente vocês dois chegaram. Estavam na trincheira de suporte?”, disse Briegel. Depois de terminar sua fala, ele percebeu que haviam muitos soldados seguindo de perto Horvath e Ozal, “E quem são esses moleques aí atrás de vocês?”.
“São soldados, senhor Briegel”, disse Ozal, apontando para as suas costas, “Eles dizem que estão prontos para batalhar, basta o senhor dar o comand...”.
Um imenso estrondo foi ouvido por todos.
“O que foi isso?”, disse Briegel, esticando a cabeça para fora da trincheira. Então várias explosões aconteceram sucessivamente, até onde sua visão conseguia enxergar, ao longo da trincheira que havia sido cavada no que um dia era a fronteira norte entre a Bélgica, França e Alemanha.
“São minas, capitão Briegel”, disse Horvath, com uma expressão séria, “Britânicos não se preocuparam em criar códigos, ou coisas do gênero. É muito fácil para nossos espiões descobrirem quando e onde vão atacar”.
“Estão abrindo caminho para avançar!”, disse Schwarz, “Como poderiam cometer um erro tão grotesco como esse? Tá na cara que eles vão todos com passagem direto daqui pro cemitério!”.
“Com licença, com licença, por favor, com licença!”, dizia um mensageiro que abria o caminho entre os soldados atrás de Horvath e Ozal. Ele trazia uma folha com informações. Ele mal percebeu quando passou por todos os soldados e se viu no meio da trincheira, na frente de Briegel e de seu pelotão.
O mensageiro tinha menos de um metro e oitenta. Cabelo baixo, escuro, pele branca, e um bigode negro, penteado para os lados. Era óbvio que ele era bem jovem, e aquele bigode apenas servia para lhe dar uma aparência mais madura. Mas seus trejeitos, sempre perdido, com um rosto amedrontado, eram motivo de gozação de outros membros da infantaria.
Perdido, com todos o encarando em silêncio, o mensageiro viu Horvath, e presumiu pelo fato dele ser o mais velho que a mensagem era para ele.
“Senhor Briegel, eu trouxe uma mensagem pro senhor”, disse o mensageiro para Horvath, achando erroneamente que ele era Heinrich Briegel, “A Inteligência descobriu que uma das minas explodiu próximo do reduto de Leipzig, ao sul daqui. Os britânicos e franceses vão avançar por lá”, disse o mensageiro para Horvath, que continuou sem expressar nada, apenas olhando para o garoto. Sem ter ideia do seu erro, o mensageiro continuou explicando as informações que ele havia trazido para Horvath, mostrando o papel, “Se o senhor ver aqui nessa anotação, pode ver que...”.
“Ei, olha só quem tá aqui! Não é aquele mensageiro que disse que era alemão?”, disse um dos soldados, gozando do mensageiro, “Ei, é ele mesmo! Seu bundão! Você nunca pegou numa arma!”.
“Sai daqui!! Me deixa em paz!!”, disse o mensageiro, quando os soldados começaram a dar tapinhas na nuca dele, rindo e tirando sarro dele, “E-eu só vim trazer uma mensagem!”, dizia ele, gaguejando.
“Você é mesmo uma anta, mensageiro! Você nem sabe quem é o Briegel aqui, seu burro! Tinha que ser você mesmo, judeuzinho!”
“E-eu n-não sou j-judeu!”, disse o mensageiro, balançando a cabeça e olhando para baixo.
“Chega de bagunça. Eu sou o Briegel, mensageiro”, disse Briegel, botando ordem na trincheira. Sua voz era mais imponente que os tiros e explosões que ocorriam nas proximidades, e rapidamente os soldados que gozavam o mensageiro foram acalmando os ânimos das risadas, “Obrigado por trazer a mensagem, mensageiro. E seu nome, é?”.
Profundamente envergonhado pelo erro, o mensageiro ficou cabisbaixo, sem saber onde enfiar a cara.
“O meu nome é...”, disse o mensageiro, erguendo lentamente a cabeça e olhando para Briegel. Então veio na sua mente as diversas estórias dos feitos heroicos em batalha que o Kaisertreue havia realizado, os contos exagerados que pessoas aumentavam ainda mais passando de boca em boca, e ele, que não acreditava de felicidade quando mandaram ele entregar uma mensagem ao próprio Briegel, se vira na frente do seu herói, do seu mito, na sua frente. Querendo mostrar que já era um homem crescidinho, o mensageiro resolveu responder de outra forma: “...Quer saber, meu nome não importa. Como o senhor mesmo disse uma vez, um nome de um soldado não vale nada, pois ele na batalha mata, sangra e eventualmente morre. E na guerra um nome não vale de mais nada, pois todos somos apenas um número a mais de baixa quando somos abatidos em batalha”.
Albert Pfeiffer ao ouvir deu um riso abafado. Briegel continuou encarando o mensageiro.
Da onde esse idiota tirou isso? Eu nunca disse isso!, pensou Briegel, de olho no garoto. Quando ele abriu a boca para consertar o erro dele, vira que ele tinha uma expressão esperançosa, como se um fã tivesse encontrado um ídolo, e Briegel ficou completamente sem jeito de consertar o erro.
“Tudo bem, que seja então. Agora sai daqui e volte para o seu posto, soldado!”, ordenou Briegel, e o jovem bateu continência e voltou, passando pelos soldados, que voltaram a tirar sarro dele, fazendo piadinhas de péssimo gosto, dando tapas na nuca, e rindo das gozações.
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Os ataques de infantaria continuaram de maneira ininterrupta, da manhã até a tarde. Já passavam das cinco da tarde, mas as defesas alemãs estavam extremamente eficazes – especialmente pelo fato de que muitos dos soldados ali do lado alemão de Somme já haviam entrado em combate antes. Já do outro lado, Briegel via uma imensa carnificina. Corpos e mais corpos se acumulavam na “terra de ninguém”, em grande maioria britânicos. Jovens e mais jovens perdendo suas vidas, sendo alvejados facilmente, cometendo erros grotescos que dificilmente aconteciam do lado alemão do fronte.
“Capitão, eles estão deixando de sair das trincheiras”, disse Horvath, que estava a postos com uma metralhadora pesada por cima de trincheira, abatendo os inimigos, “Eles estão deixando a infantaria explodir tudo para aí então avançarem no local destruído”.
Briegel ao ouvir o que Horvath havia dito ficou por um momento apenas com os olhos pousados no fronte. Por mais que aquilo tivesse virado rotina naqueles tempos, ele parecia nunca se acostumar com aquilo. Aqueles jovens não tinham nenhum treinamento, muitos nem mesmo sabiam mirar com suas armas. Quando um ou outro conseguiam avançar um pouco e entrar na trincheira inimiga, estavam tão cansados pela corrida, machucados pelo arame farpado, assustados pelas bombas que explodiam tão perto, que Ozal conseguia finaliza-los muitas vezes apenas com uma faca de trincheira.
“O problema não é nem a inexperiência desses soldados. Mas a burrice dos generais em mandar para a morte esses garotos”, disse Briegel, com um ar triste, “Albert, você viu a expressão do rosto deles quando eles avançavam?”.
“Sim, capitão Briegel”, disse Pfeiffer, recarregando sua Martini-Henry.
“E como era? Pode nos descrever, por gentileza?”, pediu Heinrich Briegel, de forma que todos ouvissem pela voz de Pfeiffer o que ele próprio tinha certeza.
“Sorrindo. Sorriam e avançavam com suas baionetas como se parecessem heróis de algum livro”, disse Pfeiffer, enquanto puxava pela memória, “Mas rapidamente seu rosto mudava pro desespero assim que caíam feridos na terra de ninguém, alvejados à queima roupa pelas nossas metralhadoras”.
Schwarz ao ouvir engoliu seco. Ele e Horvath ficavam nas metralhadoras pesadas junto dos outros soldados, tomando conta para conter o avanço bretão até eles, enquanto Pfeiffer, como atirador de elite, abatia os que conseguiam passar pelos projéteis da metralhadora e se aproximavam. Um ou outro conseguiam entrar na trincheira, mas Briegel e Ozal sem problema finalizavam os poucos que conseguiam.
“Capitão, capitão!”, disse Ozal, se aproximando de Briegel, “Eles estão tomando Leipzig!”
Briegel ao ouvir isso ficou inconformado. Ele empurrou Ozal e pegou um periscópio para dar uma olhada em direção de Leipzig, e ao se voltar para Ozal, fez uma cara de quem não havia gostado nada do que vira.
“Filhos duma puta inúteis. Não sabem proteger a porra de um reduto!”, disse Briegel, preparando sua MP18, “Horvath, Schwarz, Pfeiffer, Ozal! Preparem suas armas”.
“Capitão, há muitos soldados alemães lá. Eles estão tentando se proteger dos britânicos, mas eles estão aumentando em número, tomando setores da defesa, e os forçando a recuar!”, explicou Ozal, contando a Briegel as informações que recebera, “O general pediu para que fôssemos deslocados para lá para proteger os alemães ao serem recuados para a próxima linha de defesa!”.
“Então o que estão esperando?! Vamos lá!”, ordenou Briegel, deixando outros soldados lá no local. Por volta de outros quinze soldados acompanharam Briegel, passando pelas trincheiras, no meio de toda aquela lama, sangue, ratos e sujeira. Demorou quase meia hora de caminhada até enfim chegarem ao reduto de Leipzig.
E mal chegaram na trincheira e já estavam sendo recebidos com tiros.
“Pfeiffer! Quero que você fique naquela trincheira elevada, atrás daquelas estacas, eliminando os inimigos dali!”, ordenou Briegel, passando as ordens, “Ozal, quero que você e o Horvath flanqueiem pelo leste, levem uns cinco soldados, e tente pega-los desprevenidos pelas costas!”, ao dizer isso Ozal e Horvath confirmaram balançando a cabeça e levaram alguns soldados para darem a volta, para o ataque surpresa, “Schwarz, vem comigo! Os restos dos soldados nos ajudem a resgatar os alemães de lá! Vamos lá, já!!!”.
Briegel e Schwarz foram na frente, com diversos outros soldados na retaguarda. A metralhadora Madsen de Schwarz começou abatendo soldados ingleses já na primeira curva da trincheira, e ao se verem sob ataque, muitos começaram a correr. Briegel mirava também em vários e fazia sua MP18 abrir caminho até onde estavam um grupo de soldados do Império Alemão encurralados no canto de uma trincheira. Prevendo onde estavam, Briegel lançava granadas no local, fazendo corpos dilacerados pela explosão voarem, enquanto uma macabra sinfonia de gritos sincronizadas com os disparos de suas metralhadoras compunha a trilha sonora daquela cena horrenda.
Conforme avançavam pela fumaça que dominava o local, era possível ver a expressão que tinham naquele momento. A expressão do rosto deles não era apenas de susto. Era como se tivessem dado de frente com a própria morte.
“LES KAISERTREUE SONT LÀ!!”, gritavam desesperadamente os soldados franceses, “THE KAISERTREUE ARE HERE!!”, diziam o mesmo os ingleses.
Briegel viu que não seria mais possível recuperar o reduto de Leipzig. Haviam dezenas de soldados ingleses e franceses no local, e não tinha como fazer um milagre lá. Mas ao menos poderiam fazer o máximo para ajudar na retirada segura dos soldados alemães que estavam presos no local. Briegel e Schwarz se protegeram no canto de uma trincheira dos tiros inimigos enquanto recarregavam seus estoques de munições.
“Tem munição aí?”, perguntou Briegel, e Schwarz prontamente entregou para ele.
“Munição é comigo mesmo!”, disse Schwarz, também recarregando sua metralhadora Madsen, “Tô ouvindo uns gritos em alemão, naquela direção, capitão”.
“Sim, eu também”, disse Briegel, espiando pela trincheira. Nesse momento ao longe ele vira Ozal e Horvath recuando com um grande grupo de alemães, “Ozal e Horvath conseguiram ajudar vários a recuarem, excelente. Espero que esse grupo aqui perto seja o último que falta. Tem muitos soldados aqui, merda”.
E nesse momento, enquanto espiava, Briegel viu um soldado alemão sozinho indo até onde estavam os outros soldados alemães. Ele avançava igual um louco, mal conseguia segurar seu rifle, andando de maneira desengonçada, e escapando por pouco dos tiros e explosões que castigavam a terra de ninguém.
“Mas o que aquele filho da puta tá fazendo ali?”, disse Briegel, pensando alto. E então ele reconheceu o rosto do soldado, “Não acredito. É aquele mensageiro de mais cedo!”.
“O quê?”, disse Schwarz, espiando também, “Aquele que todo mundo tava zuando? Mas ele é um mensageiro, porra! Mensageiro não vai pro fronte!”
Briegel na hora olhou para Albert, que estava de atirador de elite numa parte mais elevada. Quando Briegel percebeu que Albert reparou nele, apontou para o mensageiro correndo em cima da terra de ninguém. Pfeiffer tirou o olho da mira e olhou para Briegel, sem acreditar no que ele queria dizer com o gesto. O capitão queria mesmo salvar aquele zé-ninguém?
“Espera aí, capitão! É sério isso mesmo?”, perguntou Schwarz, sem acreditar, “Os ingleses vão nos fuzilar!”
“Vamos aqui pela trincheira, Schwarz. É sem erro, o Pfeiffer vai nos cobrir”, disse Briegel avançando, seguido por Schwarz logo atrás.
No campo de batalha um erro custa uma vida. Não é como na escola que apenas somos reprovados, ou no trabalho, que somos demitidos. O que Briegel não sabia naquele momento era que aquela sua escolha, que era óbvio desde o começo que algo daria errado, mudaria não apenas sua vida, mas também a dos seus companheiros, e também a do mundo inteiro anos depois.
Pfeiffer se ergueu e foi se aproximando, derrubando diversos soldados ingleses com tiros na cabeça, que pareciam milimetricamente calculados. O canto da Martini-Henry ecoava pelo campo de batalha, um som bem característico, como se fosse um verdadeiro canhão da morte.
Os soldados mal tiveram tempo de reação quando Briegel e Schwarz invadiram o local aos tiros, avançando contra as tropas inimigas. O mensageiro, perdido, achou que morreria naquele momento, mas quando ele virou o rosto vira o sol se pondo, com Briegel na sua frente, o tampando. Aquele sol vermelho se confundia com os jatos de sangue e as linhas que os tiros disparados desenhavam, dando uma aura que parecia algo divino sobre quem Briegel era.
Porém para britânicos e franceses o êxito da vida era poder ferir alguém do Kaisertreue. Aquele pelotão, que falavam tanto nas reuniões, era fonte de medo e admiração por todas as potências aliadas. Vencer a guerra era a obrigação, mas acabar com o Kaisertreue seria a apoteose para qualquer soldado raso na Primeira Guerra Mundial.
“Vão, corram! Fujam por onde viemos! Lá está seguro!”, dizia Schwarz, ordenando que todos fossem na direção que ele apontava. Conforme os alemães corriam para o local seguro, Schwarz percebeu que ainda havia apenas um único soldado lá. O mensageiro estava sentado no chão, abraçado com seu rifle, praticamente chorando de medo. Seu nariz escorria catarro em cima do bigode, e ele não conseguia olhar para lugar nenhum, “Você também, mensageiro! Vai logo, vai, vai, vai!!”.
Mas ele nem se mexia. Não era sempre que um mensageiro, um soldado operacional que não estava acostumado com a carnificina do fronte, ia para o local. Ver pessoas que você conhecia mortos ao redor, gritos agonizantes de pessoas feridas, vendo o fim da vida de aproximar, o medo de ser atingido por uma bala que você nem sabe de onde vem, aquilo era demais para quem não convivia com isso. O mensageiro queria ser um herói. Queria a Cruz de Ferro. Queria servir o seu país. Mas aquela guerra não tinha nada de heroica.
Era uma visão do verdadeiro inferno.
“Escuta aqui, mensageiro!! Vai logo enquanto estamos segurando eles aqui!!”, disse Briegel, o agarrando pelo braço. Nessa hora o mensageiro parece que voltou a si e se ergueu, correndo aos tropeços até a saída da trincheira, “Vai, caralho! Corre!!”
“Capitão!! Atrás de você!”, gritou Schwarz, mas era tarde. Um soldado havia subido na trincheira e sacou uma pistola, mirando em Briegel.
E então um tiro foi ouvido. Briegel virou o rosto e viu o soldado, mas percebeu que o tiro não havia o atingido. O tiro tinha vindo do outro lado, e ao reparar no soldado inimigo vira que ele havia sido ferido no ombro.
“Pfeiffer!! Mata ele!!”, gritou Schwarz enquanto escoltava o mensageiro. Briegel olhou para Pfeiffer e ouviu mais um disparo, que o acertou na coxa.
Pfeiffer deu um grito de dor, mas não caiu. Os dois, na parte mais perigosa que poderiam estar, por cima das trincheiras tendo um embate ali mesmo no meio de tiros e explosões que viam de todos os lados. Quando Briegel enfim pegou sua metralhadora para atacar o soldado inimigo ouviu mais dois disparos.
A pistola Frommer Stop de Pfeiffer acertou dois tiros certeiros na cara do soldado britânico, que caiu como um pesado saco de batatas no chão. Briegel então foi até o amigo e o levou para um local seguro, para que ele pudesse tratar aquele ferimento o mais rápido possível.
Muito bom!!!!!!!!!!!!
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