Amber #104 - O rançoso e a petulante (4)

Chou então voltou para onde estava, em passos decididos. Li também parecia bem mais calma depois de ter captado a ordem dada pelos gestos de Tsai, mas Schultz continuava confuso. Vendo Chou ir até onde estava sua Fedorov Avtomat, deixando ela carregada e pronta para ser usada, Schultz, com uma mão coçando sua nuca, ainda parecia confuso com aquela situação toda.

“Ei, Chou! Eu não acredito que você não vai fazer nada! A Tsai precisa de ajuda!”, disse Schultz, tentando competir com os gritos agonizantes de Tsai, do outro lado, “Eu não quero nem imaginar que você não está vendo o que eu tô vendo! Olha o que tá acontecendo com a Tsai ali! Foda-se as ordens que ela deu por gestos! Temos que tirar aquele doido de cima dela e protegê-la!”.

“Schultz, ordens são ordens”, disse Chou, que embora tentasse mostrar estar calma por fora, por dentro devia estar enfrentando um turbilhão de emoções. Era difícil manter uma mente sana vendo a líder que tanto inspirou e ensinou sendo massacrada de maneira injusta e covarde como aquela.

Nesse momento Tsai conseguiu se defender, e aplicar um chute em Chao, jogando-o para longe. Mas Schultz continuava a tentar convencer Chou a ajudar Tsai.

“E que sentido que tem mandar vocês prepararem as armas? Pra quê? Por acaso querem matar o Chao?”, perguntou Schultz, indignado, “Isso jamais seria do feitio da Tsai! Ela jamais gostaria de ganhar essa luta assim!”.

“Mas se for a ordem da Gongzhu, assim será feito, Schultz”, disse Li, ao terminar de recarregar seu rifle.

“Puta que o pariu! Onde é que vocês estão com a cabeça?!”, disse Schultz, sussurrando alto, “Olha quantos soldados do Chao estão do outro lado! Se vocês atirarem contra o Chao, vocês vão começar uma guerra aqui!”.

“Somos menores em número, mas somos melhores em habilidade. Vai dar trabalho, mas acho que conseguiremos”, disse Chou, dando uma olhada em todo o redor. Mas pela seriedade no olhar, tanto Li quanto Chou sabiam que não seria fácil, e era inevitável que muita gente sairia machucada dali. E por mais que elas dissessem que não, estava estampada no rosto delas a apreensão que elas sentiam.

Tsai havia se erguido e estava ofegante. Chao também parecia estar nas últimas, de bunda no chão, olhando para Tsai.

“Não, isso eu não vou permitir!”, disse Schultz, abrindo os braços, na frente das garotas, as impedindo de seguir em frente, “A Tsai pode ser a líder que for, mas isso não impede que vocês pensem por si próprias! Ela pode estar errada, e isso nunca vai diminuir a grande pessoa que ela é! Começar um banho de sangue aqui não vai melhorar em nada nossa situação, pessoas morrerão em vão, e isso não é o correto a se fazer!”

“Schultz, vamos, saia da frente!”, disse Li, de maneira imperativa, tentando manter a paciência. Ela segurava o rifle com uma mão, como uma leve ameaça para Schultz, que apesar de entender o recado, não se moveu um único centímetro.

“O que é isso, Li? Quer atirar? Pode atirar em mim!”, disse Schultz, sem acreditar no que aquela situação estava se tornando, “Vocês não têm que obedecer a Tsai cegamente! O que é verdade, vai ser verdadeiro, não importa a situação! E a verdade é que se acontecer um combate aqui entre nós e os homens de Chao, será um massacre perfeitamente evitável se vocês usassem suas cabeças, e não a da Tsai, e pensassem por si mesmas!”.

Li baixou o rifle, jogando-o nas costas, usando a bandoleira. Schultz suspirou, aliviado, mas a luta entre Tsai e Chao não havia terminado ainda. O último chute de Tsai foi um potente golpe que acertou Chao em cheio, e ele não conseguia se erguer. A verdade é que ele continuava sentado no chão, com a mão no abdome, gemendo de dor. Tsai se aproximava lentamente dele, a passos lentos, uma vez que ela também estava muito ferida.

E então um pensamento veio à cabeça de Schultz. Como se isso tentasse dar sentido para aquilo tudo.

Ei, espera aí... Talvez a Tsai tenha pedido para preparar as armas pois ela sabia o quem estava ali naquelas moitas, se mexendo! É claro, Schultz! Ela estava mais perto dali, possivelmente ela até viu quem era! E se forem chineses querendo garantir a vitória de Chao a todo custo? Merda! Deve ser isso! Pelo menos poderia dar um jeito e tentar uma rendição, ao invés de um banho de sangue evitável, pensou Schultz, baixando os braços na frente de Li e Chou e se voltando para assistir a luta.

“Pft... Cansou os braços, Schultz?”, disse Li, provocando.

“Não. Acho que entendi o plano da Tsai”, disse Schultz, de costas para Chou e Li, de olho na luta que chegara enfim ao clímax.

“Então é assim que termina, não é mesmo Tsai?”, disse Chao, ainda no chão, sentado.

“Infelizmente, sim, Chao. A última coisa que eu gostaria era que terminasse assim”, disse Tsai.

“Pois então termine o que você veio fazer, Tsai. Quando quiser”, disse Chao.

Tsai então se pôs nas costas de Chao, colocando uma mão no queixo e a outra no topo de cabeça do chinês, pronta para quebrar o seu pescoço.

“Sabe de uma coisa, Tsai, estou feliz que é você”, disse Chao, mas Tsai não respondeu. Então ele prosseguiu: “Não são todas as pessoas que podemos confiar. Menos ainda são as pessoas que podemos confiar nosso pescoço, sabendo que farão o que é correto. Mas você, eu confio. Sempre confiei. E obrigado por confiar em mim também”.

Era visível a força com que Tsai apertava a cabeça de Chao. Em apenas um movimento a vida de Chao acabaria ali.

“Sua confiança não será em vão, Chao”, disse Tsai, pronta para dar um fim na vida de Chao.

E então Tsai solta Chao, e rapidamente ordena para Li e Chou, respectivamente:

“Meihua, Juhua, rápido, vão para a trilha da esquerda”, ordenou Tsai, apontando o local para onde elas deveriam ir.

Chao se ergue e junto de Tsai vão para a tal moita atrás deles. Chou e Li vão até a entrada da trilha e ficam a postos lá com suas armas em punho. O local vira uma confusão só, os soldados de Chao não sabem pra onde ir, Eunmi, Ho, Chen, Yamada também não entendem nada do que está acontecendo, e logo aquele silêncio que dominava a luta inteira se transformou numa bagunça, com pessoas conversando, tentando buscar onde eles entraram na mata, tentando entender o que aquilo tudo significava.

Exceto Schultz, que apesar de ter ficado a luta inteira tenso, justo nesse momento era o único a manter a calma. Até arriscava um tímido sorriso, como se soubesse o que era aquilo tudo.

“Li, olha ali! Tem uma pessoa!”, disse Chou, apontando para uma árvore.

“Tá bom! Deixa comigo!”, disse Li, mas quando ela conseguiu mirar, já era tarde. A mata densa não permitia um tiro, “Merda! Escaparam!”.

Chou desceu a ribanceira, pegando o embalo do declive. Ao chegar na base vira uma segunda pessoa fugindo, uma pessoa de cabelos loiros amarrada num coque, que ela presumiu ser uma mulher, pelo que ela reconheceu de costas. Foi apenas de relance, mas ela sabia que não tinha em nada a ver com a primeira pessoa que havia escapado.

“Ei, você, espera aí!!”, gritou Chou, mas a mulher loira continuou a correr para dentro da mata, e conseguiu fugir de Chou.

“Conseguiu pegar esse cara?”, perguntou Li, lá de cima.

“Não era bem um ‘cara’. Era um mulher. Loira. Saiu correndo, não consegui”, disse Chou, desapontada.

“Entendi. Sobe aqui então. A Gongzhu parece que está voltando”, disse Li, apontando para Chou o caminho de volta na trilha para subir em segurança.

Chao apareceu primeiro, ele estava com uma pessoa em poder, um homem branco, de olhos claros, mas que pelos traços não parecia muito alemão. Talvez parecesse mais alguém americano. O chinês o lançou na frente de modo brusco, como se ele não valesse nada.

You fucking chinese asshole...”, disse o americano, em inglês, xingando Chao. Pelas marcas vermelhas em seu rosto era claro que ele havia levado uma surra de Chao.

E então Tsai apareceu, e ela também trazia um outro homem, puxando-o pelas costas, como se fosse um cachorro. Ele estava com a cabeça pra baixo, era possível ver um rastro de sangue, gotas que pingavam do seu rosto, enquanto ele era arrastado por Tsai. Ela o lançou no meio de todos, tão violentamente quanto Chao fez com o outro, mas ao contrário do outro americano que ninguém conhecia, este soltou um risinho. Uma risada irônica, e Eunmi e Schultz se olharam nesse momento, apreensivos. Aquilo lhes soava estranhamente familiar...

“Acho que tinham mais dois, mas eles fugiram. Mas conseguimos esses dois”, disse Tsai, e o homem ao ouvir, deu mais um risinho irônico.

“É bom que vocês me deixem ir embora. Caso contrário, eu juro que o maior dos infortúnios estará reservado para vocês”, disse o homem que havia sido capturado por Tsai. Ele falava um inglês do sul dos Estados Unidos inconfundível, e Schultz e Eunmi reconheceram a voz dele, e a dúvida que havia aparecido quando ele deu a risadinha agora, quando ele ergueu o rosto, havia sido transformado em certeza.

Quando o homem ergueu o rosto, Schultz e Eunmi o reconheceram. Era ninguém menos que Ted Saldaña.

Comentários

Postagens mais visitadas