Essa quarentena que vai nos matando de pouquinho em pouquinho.


Eu não tinha esperanças de que 2020 pudesse ser um ano bom. Pessoalmente, acho que desde 2014 os anos andam sendo um piores que o outro, com muito desemprego, falta de perspectiva, falta de esperança. E ainda para adicionar a depressão que a cada ano foi escalonando e piorando tudo na minha vida pessoal.

Depois de muito insistir, minha terapeuta conseguiu fazer com que eu começasse a sonhar de novo. Porém, parece que alguém não cozinhou direito um morcego do outro lado do mundo, e um vírus criou uma mutação para atingir os seres humanos. E rapidamente ele atravessou o planeta, e nos fez ter que viver sem contato, isolados, aguardando por dias melhores, enquanto essa maldição ceifa vidas em todos os cantos do planeta.

Muitas coisas vieram à tona. A pobreza de alguns que única opção é ir para um açougueiro hospital público e lá morrer sem atendimento, enquanto outros ricos se isolam em seus sítios no interior, ou casas de luxo no litoral. Para algumas mulheres é difícil ficar longe do namorado, outras já aproveitaram e juntaram as escovas de dentes, mas também existem as que têm que conviver com violentadores em suas casas, sem ter a chance de sair nem mesmo pra chamar a polícia.

Centenas de milhares de situações diferentes apareceram. As pessoas que gostam de ficar em casa, para elas nada mudou. Para as que gostavam de sair apenas para ver o mundo lá fora, o fato de sair virou algo que dá medo, receio, e até nojo de acabar sendo infectado onde menos espera, como no mercado ou na farmácia.

A coisa que eu mais sinto falta é pode sair. E eu nem ia para lugares caros, muitas vezes só de pegar um ônibus e ficar longe do meu pai já era um respiro. Desde o dia 8 de janeiro de 2018 ele saiu do trabalho e estou aqui convivendo com ele. As mesmas manias, agora amplificadas: os cigarros nos mesmos horários cronometrados do dia, a televisão sempre ligada na sala me atrapalhando, a presença dele que não me permite fazer nada nem me divertir, o medo dele exagerar na bebida e ficar violento, e ele ouvindo tudo e me deixando sem a menor privacidade, em canto nenhum de casa.

Como isso é desgastante, bicho.

E nem vou citar o governo repugnante que está aí, que faz nada, ficam apenas perdendo tempo com conspirações infindáveis e fazendo nada de útil para ajudar o povo. Nem ministro da saúde temos, na pior pandemia do século.

Tem muita gente que cansou bem antes de mim. Gente que sai de casa direto, alguns nem ligam para usar máscaras, quiçá lavar as mãos. Gente que está por aí sendo vetores do vírus, e ao mesmo tempo não se veem com outra opção a não ser se expor ao risco, pois o governo não fará nada mesmo para incentivar que fiquem em casa, não é mesmo?

Queria poder ir na biblioteca pegar um livro para ler. Queria poder caminhar na avenida com o vento no rosto e até um pouco de sol na cara — mesmo eu detestando o sol. Queria poder encontrar pessoas e conversar, distrair a cabeça dos problemas. Ultimamente o que eu ando fazendo é pedir para que as pessoas me enviem áudios para que eu possa ouvir suas vozes. É uma época tão às avessas, que mesmo eu, que detesto ficar ouvindo áudios do whatsapp, vejo que a maneira que encontrei para superar essa falta de contato humano é me render àquele gesto brega de levar ao ouvido como se fosse uma ligação para ouvir, pois isso não incomoda mais. Eu praticamente imploro para algumas pessoas me mandem mensagens assim. 

Existem milhares de chances para que nossas vidas dêem errado. Talvez nem todas as pessoas sejam como nos filmes, pessoas dignas de correrem atrás de seus sonhos. Talvez os filmes sejam feitos para incentivar que as pessoas que possuem essa capacidade de correr atrás de seus sonhos consiga fazê-lo — mesmo que, por outro lado, nem todo mundo tenha essa chance de realizar um sonho.

Talvez nossa vida seja mesmo essencialmente vazia. E se você teve a sorte de nascer em um tempo longe de uma pandemia — onde talvez a única preocupação seja um surto de conjuntivite no seu bairro — existe um fator a menos. Pode ser que o país que você mora seja difícil de conseguir realizar algo, ou você pode ser aquela pessoa que correu atrás sempre de realizá-los e nunca conseguirá. Existe também aquele tipo de pessoa que é meio sortuda, e se vê feliz num trabalho merda, batendo o cartão no mesmo horário, e recebendo seu ordenado sempre. E claro, existem as pessoas sem caráter, que acham maneiras de preencher esse vazio ou de serem melhor que as outras, praticando coisas ilícitas, como roubo, corrupção, assassinatos, etc.

As vidas foram paradas, pessoas morrem por todos os lados, e essas notícias vão nos desgastando mais e mais. O isolamento vai também nos cansando, e muitas pessoas estão cansadas até mesmo de ficarem cansadas.

No começo diziam que enfrentar uma pandemia era como viver em um campo de batalha no meio de uma guerra. E assim como uma batalha nós não sabemos quando essa acabará. Uma bomba (ou no caso de uma pandemia, a doença) pode cair no seu vizinho e matar todo mundo ali. A Covid19 já matou mais que a criminalidade e acidentes de trânsito juntos. E notícias assim vão matando a gente um pouquinho a cada dia.

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