Livros 2021 #3 - O conto da aia (1985)

Eu só fui assistir a série ano passado com minha mãe. E não tem como não gostar. A série é perfeita em tudo: atrizes talentosíssimas, fotografia milimetricamente perfeita, enredo muito bem escrito, trilha sonora memorável, não tem como achar defeitos na série. E o livro, escrito há mais de quarenta anos, também é tão perfeito quanto!

O livro que possui o mesmo nome da série, O conto da aia, se passa na República de Gilead, um país fictício onde hoje é o território dos Estados Unidos, que por não cuidar do meio ambiente, toda essa poluição acaba causando infertilidade dos seus habitantes. É instaurada uma ditadura teocrática, onde as poucas mulheres férteis são obrigadas a servirem de aias (handmaids) para serem barrigas de aluguel para pessoas importantes.

Porém não é bonitinho assim, como se fossem "fertilizadas in vitro". Como é uma teocracia, com a bíblia em primeiro lugar, o papel das aias é similar ao de Bila no velho testamento: deixar que Jacó a engravide a mando de sua esposa infértil Raquel (quem não garante que o infértil aqui era o Jacó, cacete?). Por isso as aias são sumariamente estupradas, pois elas são apenas "úteros com pernas" no meio de um mundo fudido pela poluição, radiação e agrotóxicos onde todo mundo ficou estéril.   

E é aí que a história de Offred é narrada. Ao contrário da série, onde o nome real dela é June Osbourne, no livro o nome real dela não é revelado. Ela até fala pro Nick o nome real dela, mas não é revelado na trama. Pode até ser que o nome dela na série foi retirado do próprio livro, pois logo no final do primeiro capítulo ela cita os nomes verdadeiros delas antes de se tornarem aias, e aparecem vários nomes como: Alma, Janine, Dolores, Moira, June. Moira e Janine são duas personagens do livro/série. E June está lá, mas não é revelado se é o nome real da Offred.

O livro é muito bem escrito. A Margaret Atwood não apenas criou uma distopia única, um mundo muito doido e autoritário em um futuro não muito distante, como também soube contar uma história memorável com esse mesmos paradigmas saídos da cabeça genial dela. Claro que ficam diversas dúvidas, que dão combustível pra diversas teorias: muitas das coisas do mundo não são explicadas com detalhes pois a estória é contada pelo ponto de vista da Offred, que narra o livro todo em primeira pessoa. Mas a falta disso não afeta a leitura: a gente simplesmente aceita, afinal a história está sendo contada por ela, que está na ponta do sistema, então é óbvio que ela não tem todas as respostas.

Mas ao mesmo tempo todas as experiências dela, junto dos incontáveis flashbacks ao longo do livro, nos dá uma visão enriquecedora de como é para alguém que está inserido nesse mundo teocrático e machista. E todos os valores, costumes, e experiências são de explodir a cabeça. Você tem que prestar muita atenção em tudo, pois grande parte das características desse mundo de Gilead pode passar desapercebido. Por isso eu sugiro até que assista a série antes (Handmaid's Tale) para aproveitar cem porcento do livro.

Uma obra magnífica e imperdível. Margaret Atwood é um dos maiores talentos da literatura mundial, e escreveu um livro que prende sua atenção do começo ao fim.

Nota: 10

Agora vamos começar os spoilers abaixo.
Depois não diga que eu não avisei.

Existem algumas diferenças interessantes do livro para a série. Como eu disse, a Offred não tem o nome verdadeiro revelado. Assim como a série explica, os nomes das aias são assim por conta do comandante que as possui (no caso da Offred, o comandante dela se chama Fred, então ela seria "do Fred", em inglês: of Fred; Offred).

A Serena Joy é outra totalmente diferente do livro. Não tem nada a ver com a atriz Yvonne Strahovski, muito pelo contrário. No livro a Serena Joy é uma senhora bem velha, que usa bengala inclusive, e tem uma relação bem menor com a Offred. A Offred diz logo no começo que a reconheceu de um programa gospel onde ela cantava louvores quando ela era jovem, antes de Gilead surgir. Elas quase não conversam entre si, exceto quando a Serena Joy propõe à Offred ter relações com Nick para ver se a engravida (como na série). Uma das coisas mais legais na série é a relação da June com a Serena Joy, fiquei meio triste de no livro isso existir muito pouco.

O comandante Fred tem duas Martas, a Cora e a Rita. A Rita aparece na série, mas aqui no livro ela é bem na dela. A Cora não existe na série, e ela é uma Marta que é muito medrosa e cautelosa. Morre de medo de que algo aconteça com a Offred, e tenta cuidar dela, mesmo mantendo a distância e frieza necessárias para uma Marta. Na série optaram por fundir as duas em uma, só existe a Rita, e ela faz o papel que Cora faz no livro.

Janine não perde um olho, como é mostrado na série. E a Moira é bem parecida com o livro (inclusive ela se torna uma Jezebel também, e a June a incentiva a fugir de Gilead, como na série). A Ofglen tem uma relação bem maior com a Offred, inclusive chega a sumir do nada, igual à série. Não é explicado no livro se ela é mandada para as Colônias (como é na série).

De resto, tudo é muito parecido com a primeira temporada.

Mas o mais legal de tudo é o último capítulo do livro, chamado "Notas históricas". É um capítulo onde pesquisadores encontram uma caixa cheias de fitas cassete gravadas pela Offred onde ela narra tudo o que aconteceu no livro. O livro, aliás, termina com a Offred sendo resgatada pelo Nick, onde ele e mais dois guardas dizem estar "prendendo" a Offred, quando na verdade estão a serviço da Mayday, para tirá-la de lá.

Só que esses pesquisadores acham essas fitas cassete em 2195, mais de duzentos anos depois dos acontecimentos do livro. E lá eles tentam explicar todo esse mundo louco de Gilead usando esses valiosos registros deixados pela Offred duzentos anos antes. É uma coisa muito doida, parece que criam um Inception do livro, coisa que só poderia sair da cabeça genial da Atwood. Entre as coisas reveladas são a de que a Offred conseguiu exílio no Reino Unido, e até o nome real da Serena Joy: Thelma.

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