Aprender por imitação.
Um dos motivos do sucesso de espécies na natureza é a capacidade de aprendizado. E o aprendizado vem muitas vezes da imitação. Foi assim que uma curiosa espécie de macacos sem rabo foram aperfeiçoando o bipedalismo, criando ferramentas observando os outros do seu grupo, distinguindo palavras de grunhidos, e por fim dominando o fogo. Essa espécie virou nós, esse primata que gera um rabo em fase embrionária e o perde antes mesmo de se tornar um feto, o homo sapiens.
Isso não existe apenas em nossa espécie. Esses dias descobri que os bem-te-vis aprendem a cantar dessa maneira observando seus pais: inclusive espécies que cantavam em escalas diferentes, gerava uma prole que cantava com a mesma diferença, que passavam para as próximas gerações e assim por diante. Imitar é aprender, é o segredo do sucesso de diversas espécies, e isso inclui a nós mesmos.
Isso me faz recordar de uma estória engraçada.
Há muito tempo atrás, comecei a trabalhar em uma firma. Quando cheguei para trabalhar e abri o browser para entrar no meu e-mail, vi que alguém havia esquecido sua conta google logada no computador. Descobri depois que se tratava do meu predecessor naquela função.
Obviamente eu não fiz nada de má fé, ou alguma maldade na conta dele, como se passar por ele, ou causar algum problema. Afinal ali só tinha mesmo acesso ao Gmail dele. Mas não resisti na época e eu lembro que ficava lendo as coisas que ele escrevia. Eu estava apenas como observador curioso.
Esse cara tinha uma namorada, e obviamente trocava e-mails com ela. Mas eu via que ao mesmo tempo que ele estava em um compromisso, ele trocava e-mails bem quentes com uma segunda garota. Ele estava começando um caso extraconjugal.
Embora isso fosse muito errado, fiquei vendo como era o teor da conversa. Queria saber como alguém fazia para convencer uma outra a dormir com ele. Afinal, para mim, conseguir levar uma garota para a cama era uma tarefa praticamente impossível. Eu errava miseravelmente em diversas etapas, e nunca dava sorte. Menos ainda para namoro.
Eu nunca fui bom no "jogo da sedução". Muito porque para eu ter um interesse sexual por alguma garota, eu sinto que preciso ter um interesse amoroso antes. Isso sempre me causou muitos problemas, pois hoje em dia a ordem é inversa: primeiro se faz sexo para depois terem intimidade. E francamente nunca consegui entender isso, e por isso mesmo eu sempre vivi solteiro.
Mas ali eu via todo o teor da conversa. E tinha sim ares bem picantes. Aquele cara tendo o caso extraconjugal com aquela menina, marcando de saírem para jantarem e depois irem pro motel, ele comentando as posições que tinha feito com ela, dizendo onde gostaria de marcar a próxima transa, foi tudo muito impactante pra mim.
Eu lembro que naquele dia eu percebi uma coisa que talvez fosse óbvia pra 99% da população, mas que para mim não era: que havia um submundo de affairs acontecendo simultaneamente com a realidade que cada um mostra para o mundo. Aquele rapaz, na aparência, era um jovem descolado com um namoro firme. Mas por debaixo dos panos ele trocava mensagens e agendava encontros com uma outra, e sabe lá deus se a primeira sabia. Mas parecia que o esquema ali era a adrenalina (com o medo de ser descoberto), eram as cantadas (que eu não tinha ideia de como se faziam), e as indiretas (que eram sempre bem recebidas pelo lado da outra).
Vendo aquelas conversas como uma espécie de sujeito oculto, vi como era relativamente fácil conseguir levar uma garota para a cama. Vi que ele observava os sinais, e enviava indiretas precisas, de acordo com o nível de intimidade que sentia que poderia chegar — mas sem jamais ultrapassar esse limite. Ao jogar essa indireta, observava a reação da mulher, e então prosseguia no jogo da sedução.
O que começava com uma brincadeira ingênua, como um "você é muito bonita" extremamente clichê, não demorava muito para escalonar até um "não vejo a hora de enfiar o dedo na sua buc***". Obviamente ali tudo era consensual, mas assim como a tribo de hominídeos observava os outros pegando pedras lascadas e criando machadinhas para cortar a caça na gênese da nossa espécie lá na África, eu via ali como alguém pegava uma garota desconhecida e conseguia convencê-la a realizar um intercurso sexual com ele.
A brincadeira de stalkear esse cara durou por ainda algumas semanas. E até onde vi, a namorada dele nem fazia ideia dessa segunda mulher que ele estava se envolvendo. Trocas de e-mails que eu estava ali, observando e tentando assimilar todo aquele conhecimento que para mim eu não fazia ideia de que existia.
Até que um dia acho que ele percebeu que havia um outro computador acessando o e-mail dele e ele mandou retirar o login de todas as máquinas, e eu não consegui mais ver as conversas dele. O aprendizado já tinha acabado, mas ao ver alguém em ação, fiquei me perguntando muito se eu deveria fazer igual.
Me render a esse mundo de joguinhos sexuais, onde as pessoas nem mesmo se conhecem e transam, e no meio de todas essas pessoas que transam, tentam achar alguma que as complete. Em um mundo onde pessoas não tentam se conhecer antes, saber como a pessoa é, do que ela gosta, ou se quer algo sério. Tentar mergulhar nesse paradigma sexual, onde o afetivo é muitas vezes negligenciado pela necessidade constante de ter um parceiro sexual a todo custo, e realizar o maior número de relações sexuais possíveis, pois fazer sexo é o "natural" da nossa espécie. E quem não faz, ou quem não gosta de fazer, é estranho, é um derrotado, é um esquisitão.
A verdade é que eu não conseguiria ser aquilo. Por uma grande parcela da minha vida eu sempre achei que eu era um ser humano com defeito nesse sentido. Foram anos de terapia para sacar que eu também tinha pontos fortes, pontos quase que únicos, ou extremamente raros hoje em dia. Mas na época, em que eu era super jovem e bem mais inocente, lembro que me bateu um desespero imenso. Pois eu nunca conseguiria brincar no jogo da sedução assim. Aquilo não era eu. Eu estaria vivendo uma mentira para mim mesmo se tentasse viver uma vida daquele jeito.
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