Livros 2022 #19 - O grande Gatsby (1925)
A base do livro é uma história bem simples, um caso de amor bem clichê. Mas um autor com o talento ímpar de F. Scott Fitzgerald sabe pegar um ovo simples e transformar em uma requintada omelete. Primeiro colocando personagens muito bem construídos, com dualidades, independente de serem protagonistas, antagonistas, ou coadjuvantes. Depois temos o período que se passa: o período entreguerras, antes do Crash da Bolsa de 1929, mas ainda imersos na Lei Seca estadunidense. E, por fim, Fitzgerald vai revelando a trama aos poucos, com muito mistério — quase como se jogasse migalhas. E no final amarra tudo, e o leitor fica sem ar.
Não vou negar que no começo fiquei muito confuso. Como eu disse acima, o livro vai jogando informações, e eu fui apenas aceitando e seguindo em frente. Não tinha como ter muita noção para onde estava indo, mas fui caminhando. Apesar de ser um livro pequeno, eu sugiro que você vá e volte a leitura e faça anotações, repare nas coisas que acontecem, nos personagens que vão sendo revelados, pois a graça está exatamente aí: o que parece algo descartável, acaba sendo o ponto central de uma reviravolta mais à frente.
E se o negócio acontece e você fica sem entender o significado daquilo, não vai dar pra aproveitar nada dessa obra.
Talvez o seu tamanho seja um convite a releitura também, pode ter sido a intenção do Fitzgerald. Eu não duvido que outros detalhes que passei eventualmente me chamariam a atenção em uma segunda, terceira ou quarta revisitação. Apesar do tamanho, o livro é muito complexo, não apenas nas relações humanas, mas no cenário, na época, na cadeia de eventos, etc.
Eu ainda não havia visto o filme. Mas temo que esse seja um daqueles livros complicadíssimos de serem traduzidos para a linguagem do cinema. Apesar de ser todo narrado em primeira pessoa, pelo ponto de vista do Nick Carraway — um jovem do oeste que vai tentar a vida no coração financeiro de Nova Iorque — o mesmo também não é um personagem totalmente íntegro. Julga, comete erros, mas ainda assim é um dos menos piores ali.
O próprio Gatsby achava que nunca apareceria, que ele seria quase como uma espécie de "idealização" da alta classe americana, um personagem oculto. Mas sim, ele aparece logo nos primeiros capítulos. Mas todos os outros personagens têm espaço e brilham no momento certo na trama.
Fitzgerald usa a mesma tática de uma anedota: vai deixando informações em aberto, acontecimentos que parecem não ter importância, ou detalhes que talvez passariam desapercebidos, para ir amarrando cada um dos pontos ao longo do livro. Todos os mistérios e dúvidas vão sendo solucionados um a um, e você percebe ali a capacidade ímpar de um bom contador de histórias: os desfechos que nos trazem muita diversão, surpresa, e reflexões sobre nossa existência.
Eu não vi o filme, então o livro inteiro foi uma surpresa atrás da outra. E como o último filme foi lançado há quase dez anos e teve avaliações medianas, nunca me interessou. Acho que foi por isso que consegui aproveitar tanto o livro! Tudo para mim ali era surpresa, a trama me fisgou direitinho, e tudo ali me impressionou muito.
Por isso mesmo que, mesmo eu não sendo contra spoilers, acho que saber spoilers de "O grande Gatsby" tira toda a magia do livro. Se eu pudesse dar um conselho a quem não conhece nada da história seria: continue sem saber e descubra lendo a obra. A trama vai te impressionar muito mais.
No começo eu estava muito perdido. Nick vem de uma família rica do oeste, mas resolve viver uma vida mais humilde, mas no final das contas não deixa nunca de frequentar a alta sociedade — mesmo ele sendo o mais pobretão entre os ricaços.
Eu não entendia muito os primeiros dois capítulos. Não apenas do Gatsby ser esse grande mistério, como a vida fútil do casal Buchanan e da Jordan Baker. Eu lembro que eu comentei com minha amiga Mylla que talvez aquilo fosse mais pra mostrar um retrato dos ricos, e coisa e tal. Mas agora, depois de ler tudo, acho que posso afirmar de maneira categórica que até mesmo essa parte era essencial para entender partes mais à frente.
O Tom Buchanan é um personagem abominável em todos os sentidos. Além de racista — reforçando essa imagem do cidadão estadunidense que o mundo tem — ele não vê problemas em ter um caso com a Myrtle. Mas não aceita que a esposa possa se apaixonar pelo Gatsby mais pra frente, tendo um ataque de ciúmes ridículo. Um machismo escroto e hipócrita.
Acho que o Tom é claramente um psicopata (como muitos figurões ricos). Ele não expressa muita emoção ao ver o corpo da sua amante quando é atropelada, e tampouco se solidarizou com a morte de Gatsby na vingança do Wilson. Na verdade ele até ficou aliviado que aquilo não respingou nele.
A Daisy começa como uma personagem bem fútil, mas que possui pequenos momentos de iluminação. Acho que ali no começo quando ela teme o futuro da filha por ser mulher, é uma coisa bem real. Achei que ela ficaria com o Gatsby, e me surpreendi quando ela foi envolta pela esperança desse de reconquistá-la, e ao mesmo tempo o Tom tentando mostrar o quanto já construíram juntos. No final das contas ela fala que está em dúvida, mas termina justamente com o pior deles: o próprio Tom.
Quanto à Jordan, a coloco como minha coadjuvante preferida. Uma jogadora de golfe, que acho que talvez tenha o papel mais de uma espécie de insider, alguém que sabe de coisas que mais ninguém sabe, e que de alguma forma é como alguém que paira em todo aquele meio — mesmo não sendo necessariamente de dentro dele. A parte mais importante dela é sem dúvida quando ela revela a carta que Daisy recebeu de Gatsby no dia do casamento, e o quanto isso quase a fez desistir do casamento com o Tom.
Apesar de ser bem inteligente, e ter sempre uma língua afiada, não gostei que no final não ficou com o Nick. Eu sentia uma tentativa de romance entre os dois, e no final ela achou que ele a havia dispensado quando o coitado, no meio da tensão de uma morte ter ocorrido, não estivesse com cabeça para encontrar com ela. Relacionamentos líquidos antes do Bauman sequer nascer, haha!
E por fim, o Gatsby. Acho muito louco um cara ter feito tanto dinheiro, e tão rápido, mas ele simplesmente foi um oportunista. Ao se juntar com o Wolfsheim, ele começou a vender e produzir bebidas alcoólicas ilegalmente nos tempos da Lei Seca estadunidense (1920-1933). Mas como ele mesmo diz, dinheiro nunca foi seu objetivo. O que ele queria mesmo era o coração da Daisy.
O dinheiro que tanto o fez ser notado e colocado na sociedade, foi justamente o que o fez também ser esquecido. Um final do livro que nos faz refletir muito: quando havia dinheiro, festas e badalação, ele estava sempre rodeado de "amigos". Mas no momento do enterro, mal teve o pai, o Nick, e o misterioso homem dos óculos de coruja. Sem dúvida algo para se refletir.
Muito complicado isso, meu caro.
Eu gosto cada vez mais desse livro, Alain. Cada vez que penso sobre uma parte ou personagem da trama, eu consigo chegar a alguma reflexão diferente. Nesse livro, tudo está nas nuances, né? Muito bom! Adorei a surpresa de encontrar meu nome no meio da resenha, rs! 🙃👏🏻
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