Uma vez, há muito tempo atrás, um garoto nasceu. Ele viveu uma vida relativamente pobre, dividia sua comida com mais duas irmãs. Era o segundo filho de um descendente de italianos, e havia se mudado para a capital, para que seu pai conseguisse um emprego de metalúrgico.

Sua irmã mais velha havia morrido quando era ainda pequeno. Atropelada por um carro desgovernado da sua própria professora. Não sei se isso causou algum tipo de trauma no pai dele, que tinha que conviver com sua mulher, sempre doente, de cama todos os dias. Porém o filho não desistia, e continuava por manter seu apoio à sua mãe, uma vez que seu pai abusava dele, desrespeitando-o, impedindo de aproveitar sua infância, dando-lhe desgosto de viver numa família daquela.

Um dia, enquanto ele tinha um dos poucos momentos de diversão, seu pai chegou e puxou-lhe seu brinquedo, uma pipa, e a rasgou na sua frente. E lhe disse: "Agora você vai virar homem e trabalhar!". No dia seguinte o garoto foi procurar um emprego. Mesmo não tendo sustentação psicológica para tal, ele tentou.

Seu único refúgio daquele mundo de desgraças era sua mãe. Um dia, enquanto ele pedia a normal benção para ela e deixava o recinto para trabalhar, mal ele sabia o que aconteceria. Enquanto trabalhava, recebeu uma ligação: Sua mãe havia falecido. Teve que levar o pobre corpo de sua mãe para o enterro e foi proibido pelo seu pai de chorar no enterro dela.

O garoto cresceu, ele sempre foi mulherengo. Talvez porque ao ver que sua família não tinha o estereótipo do qual ele via nos filmes, telenovelas ou coisas do tipo ele cresceu com um trauma. Sempre namorava várias menininhas do colégio, como uma forma de tentar arranjar alguém com quem constituísse uma família. Conheceu o cigarro. Conheceu a bebida. Os quais até os dias de hoje ele não solta.

Porém conheceu uma mulher também, com a qual ele decidiu se casar. Dois anos após isso, ele teve seu primeiro de dois filhos: O irmão das sombras. O garoto cresceu e pediu um irmãozinho, o irmão da luz. Porém, o das sombras nunca teve chance de ter uma infância sadia, seu pai o proibia de brincar com os amiguinhos, e quando fazia uma traquinagem, normal das crianças, era duramente repreendido. Várias lágrimas foram derrubadas por ele, enquanto ele tentava ao menos brincar um pouco e ser uma criança. Preso num quarto sabia apenas então comer e jogar videogame, e logo se tornou obeso.

O pequeno irmão das sombras, e obeso, sempre demonstrara desde o início ser alguém sem rumo algum na vida. Seu pai sempre lhe mandava estudar, mas nunca lhe dava uma justificativa. Sua mãe era seu único conforto, porém mesmo ela adorava vê-lo sofrer quando o pobre garoto se dava mal, dizendo sempre que ele merecia isso.

Todo esse trauma e desgosto foi se acumulando em seu coração ano por ano. Sentia-se de alguma forma triste em casa, e mesmo diante das adversidades era sua mãe seu refúgio, o seu porto seguro. Mesmo assim, logo desde cedo foi acostumado a lidar com a falta de dinheiro, por seu pai gastar seu dinheiro sem limites, falta de carinho, por sua mãe dar sempre mais atenção ao irmão mais novo, e falta de opinião, por ser sempre reprimido por seus pais quando falava algo.

Tinha uma figura ótima de mãe exemplar, mas ninguém conhecia seu pai, nem mesmo ele mesmo. Talvez aquele homem, que chegava todo santo dia estressado, gritando, com bafo de cachaça que batia em sua própria mãe, e que ainda tentasse passar uma idéia de paternidade, mas preferia nunca falar disso e guardar tudo isso no fundo do seu coração, fechando isso com uma chave, onde tais detalhes ele jamais revelaria.

O jovem cresceu, e mesmo depois de tantos amores não-correspondidos conheceu um único que afundou com a sua vida. Parecia ser uma boa garota, prima de sua melhor amiga no colégio, e no início foi assim. Porém sua pressa, e a sua imaturidade fizeram com que os dois engajassem uma briga que perpetua até os dias de hoje, e pelo o qual ele se culpa dia após dia.

Porém, ele começou a desafiar seu pai, do qual em uma das inúmeras brigas quase o ameaçou de morte e se não fosse por impedi-lo, ele teria violentado duramente. Mas ele não apenas o desafiava por desafiar, mas sim pelo fato de que alguém deveria por algo em sua cabeça. Logo a pureza foi desfeita. Dizem que isso acabou pela garota que o maltratou e o jogou no fundo no poço. Conseguiu jogar toda a família contra o pai, até que um dia numa atitude desesperadora o pai chorou como uma criança. Ele havia visto a criança que o próprio pai havia selado em seu coração, há muito tempo atrás.

E viu que ele tinha a chance de por algo na cabeça de seu progenitor. Afinal, ele era apenas isso. O homem que sustentava a casa, mas nunca soube dar amor. Seu amor era o dinheiro, que ele jogava aos seus subordinados como se fôssemos porcos em um chiqueiro à espera de pão.

Ganhou o nome irmão das sombras, exatamente por desprezar seu progenitor, enquanto o puro, o irmão da luz, o bajulava e era bajulado. Decidiu então deixar isso de lado, seu confronto com sua pseudo-figura paternal era pessoal.

Os dias passam, chegamos aos dias de hoje e mais um fim de semana passa. Novamente sem sequer virar um olho para encontrar com seu pai. Ele caiu no fundo do poço e agora sabe: se quiser sair, a pessoa deve querer. Ele conseguiu sair do poço, embora de alguma forma estivesse ainda ligado a ele. Ele hoje entende que mesmo depois da garota ter quase terminado com a sua vida, é ele que deve subir a montanha, e não os outros por ele. Por isso mesmo ele resolve dar uma lição em sua quase figura paternal, que trata os filhos de forma diferente não vê que o erro está nele por nos sempre tratar diferente, por nunca mudar e continuar sendo a mesma pessoa ignorante e medonha, mal educada e sem noção das coisas da vida. Sem medo de magoar, enquanto seu coração permanece mergulhado em uma densa neblina, onde se esconde um lago escuro como o ébano.

O filho conseguiu escalar a montanha sozinha a superar seu trauma. Agora é a vez dele, e quando chegar ao topo tornar-se-á o verdadeiro pai, que ele nunca teve e que ele nunca foi.

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