Desconstrução
A carta chegou pelo correio. Estava terminando de ler, era mais um daqueles convites irrecusáveis. Fiquei em silêncio fitando o papel que estava em mãos. Ela, cansada talvez de me ver daquele jeito quebrou o silêncio. "Você não vai pra essa reunião?"
Ouvi e apenas virei os olhos para ela, depois voltando a fitar a carta. Parecia inclusive ter sido escrita à mão, talvez pelos garranchos. Como um cara queria tanto a minha presença a ponto de escrever de próprio punho palavras solicitando a minha presença? Tão sério, tão seguro de si. Naquele momento tinha visto que quem sabe se expressar com palavras tem um talento cobiçado: exatamente o de conseguir o que quer, de impor sua presença com palavras, de carregar nas palavras sua presença ou então de simplesmente escrever algo que não se pode negar nem desobedecer.
Mas eu neguei, oras. "Não". Eu disse, depois completei: "Não vou mesmo. Sem chance".
Talvez o senhor que escreveu tenha ficado com um profundo sentimento de indignação. Porém, prefiro acreditar que ele sentiu uma enorme tristeza. Pois a relação que eles tinham conosco já havia sido quebrada há muitas primaveras. Nos davamos bem, embora fosse apenas uma criança na época, mas o tempo passa, a gente faz escolhas, e inclusive escolhe ficar longe de certas pessoas.
Pro nosso próprio bem, e pro bem desse terceiro.
Amassei a carta e levei pra sacada do apartamento. Peguei meu isqueiro - mesmo que embora eu fumasse raramente, apenas sob momentos de intenso stress, pois a nicotina acalma a pessoa - e queimei aquele papel, jogando as cinzas pela janela.
De volta à sala, lá estava ela sentada, brincando com um quebra-cabeças. Talvez por ela ser tão fria, tivesse uma capacidade cognitiva incrível, e praticava, sempre aprimorava, mesmo sendo dois anos mais moça que eu, já estava a anos-luz de distância de mim. Ela apenas me disse: "Você é... Previsível".
Novamente responde com uma negação. "Não...", e concluí no momento mais tarde "Acredite, você nem sabe o motivo pelo qual não vou à essa reunião". Ela virou pra mim, deu um risinho cínico e respondeu:
"É por mim, não é?". Gelei a espinha na hora. Meus olhos saltaram da face, de fato fiquei surpreso bastante e não disfarcei. "Você e esse seu jeito meigo... Isso ainda vai te matar um dia, rapaz. Não seja ingênuo".
Ela me construiu e me desconstruia com uma facilidade ímpar. Ninguém jamais conseguiu fazer isso desde então. Ninguém.
Ouvi e apenas virei os olhos para ela, depois voltando a fitar a carta. Parecia inclusive ter sido escrita à mão, talvez pelos garranchos. Como um cara queria tanto a minha presença a ponto de escrever de próprio punho palavras solicitando a minha presença? Tão sério, tão seguro de si. Naquele momento tinha visto que quem sabe se expressar com palavras tem um talento cobiçado: exatamente o de conseguir o que quer, de impor sua presença com palavras, de carregar nas palavras sua presença ou então de simplesmente escrever algo que não se pode negar nem desobedecer.
Mas eu neguei, oras. "Não". Eu disse, depois completei: "Não vou mesmo. Sem chance".
Talvez o senhor que escreveu tenha ficado com um profundo sentimento de indignação. Porém, prefiro acreditar que ele sentiu uma enorme tristeza. Pois a relação que eles tinham conosco já havia sido quebrada há muitas primaveras. Nos davamos bem, embora fosse apenas uma criança na época, mas o tempo passa, a gente faz escolhas, e inclusive escolhe ficar longe de certas pessoas.
Pro nosso próprio bem, e pro bem desse terceiro.
Amassei a carta e levei pra sacada do apartamento. Peguei meu isqueiro - mesmo que embora eu fumasse raramente, apenas sob momentos de intenso stress, pois a nicotina acalma a pessoa - e queimei aquele papel, jogando as cinzas pela janela.
De volta à sala, lá estava ela sentada, brincando com um quebra-cabeças. Talvez por ela ser tão fria, tivesse uma capacidade cognitiva incrível, e praticava, sempre aprimorava, mesmo sendo dois anos mais moça que eu, já estava a anos-luz de distância de mim. Ela apenas me disse: "Você é... Previsível".
Novamente responde com uma negação. "Não...", e concluí no momento mais tarde "Acredite, você nem sabe o motivo pelo qual não vou à essa reunião". Ela virou pra mim, deu um risinho cínico e respondeu:
"É por mim, não é?". Gelei a espinha na hora. Meus olhos saltaram da face, de fato fiquei surpreso bastante e não disfarcei. "Você e esse seu jeito meigo... Isso ainda vai te matar um dia, rapaz. Não seja ingênuo".
Ela me construiu e me desconstruia com uma facilidade ímpar. Ninguém jamais conseguiu fazer isso desde então. Ninguém.
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