Doppelgänger - #21 - A cruel tutela do mestre.
"Não temos tempo a perder. Beba isso", disse o mestre.
"O quê é isso?", perguntou Al.
"Algo que vai deixar seus sentidos aguçados por um momento. Algo que aprendi a fazer com as tribos locais. Não temos muito tempo a perder, vire isso de uma vez!", disse o mestre.
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Já haviam se passado dez minutos. Mas parecia que tinham passado duas horas. Al naquele primeiro momento não conseguia entender o que estava acontecendo, seu corpo parecia paralizado, tamanha quantidade de estímulos que recebia. Apenas ouvia que seu mestre dizia que era um efeito do medicamento, que a dose exagerada de início era necessária para o efeito.
Parecia que não ouvia direito o mestre, mas que suas palavras vinham diretamente na sua mente. Sem dúvida, estava num estado de semi-torpor.
"Mais de noventa porcento das pessoas que entram na inteligência são pessoas racionais. Pessoas que tem como característica não serem dominadas pela emoção. Esse é o estilo clássico, embora seja necessário a pessoa um bocado de sorte também. Seu rival, 'n' é desse estilo, e até sua falecida esposa era também desse estilo".
Al estava no chão. Seu corpo estava com uma sensação tão forte que ele virava pro teto, olhando para a noite que aparecia, e desejando no fundo fugir de lá o quanto antes.
"Porém, você é de outra polaridade. Você, discípulo tolo, é extremamente emotivo. Ri, chora, fica com raiva, e isso não seria uma característica boa para um investigador. Não mesmo! Um investigador tem que ser frio, analisar as coisas de maneira calculista, e não ficar se jogando de cabeça por aí. Durante muito tempo isso foi um tabu na inteligência. Mas eu aprimorei um método que permitem pessoas com uma mente como a sua alçar voos ainda maiores que nossos amigos mais frios".
As palavras pareciam carimbadas na mente. Al não conseguia nem mesmo resmungar nada.
"Porém, você não concluiu o seu treinamento comigo. Lembro-me até hoje de quando você resolveu abandonar tudo e ir atrás do seu irmão, e olha só você. Falhou na busca pelo seu irmão mais velho, casou-se com uma mulher que se suicidou na sua frente, vive às sombras de um rival e tem relações promíscuas com uma mulher que, na minha opinião, não vale absolutamente nada, por querer te matar dia após dia".
Os olhos de Al começaram a ficar embaçados, e aí ele viu a verdade.
Que nem mesmo à sombra do irmão ele conseguia viver. Que não era nem mesmo um centésimo do que Arch fora. Que até aquele momento havia vivido uma vida triste e vazia, confiando em poucas pessoas, com quase nenhum amigo, e sempre prestes a morrer. Mas ainda assim não morria.
"Sempre o garotinho que era chutado pelos outros da escola, né? Olhe pra mim quando estiver falando com você! Concentre-se na minha voz, caso contrário esse veneno poderá se verter contra você e causar a sua morte! Discípulo tolo! Até quando vai viver achando que seu irmão vai vir te salvar? Ele está MORTO! E se não se concentrar, vai morrer do mesmo jei...", a voz do mestre foi ficando mais e mais baixa. Distance. Longínqua.
Até que tudo escureceu.
Neve.
Al gostava muito de neve. Ele tinha voltado a ser criança, e estava sentado na escada de uma das casas que tinha, em Pimlico, Londres. Algumas pessoas passavam na rua, mas ele apenas olhava os flocos de neve caindo lentamente.
Porque nascera assim? Era sempre a criança sozinha sentada nos degraus perto da rua. Apenas seu irmão o amava, mas ele o perdeu tão cedo. Obrigado a viver sozinho, com pessoas sempre apontando o dedo pra ele, dizendo que nele corria o mesmo sangue no traidor.
Mas o irmão dele não era um traidor. E ele também não era. Mas ele sentia vergonha de si mesmo, sentia medo do que as pessoas maiores poderiam fazer com ele. Tinha medo de morrer, e em algum momento ainda na infância Al pensou que, se seus pais tivessem no mínimo tomado cuidado para que ele não nascesse, ele não sofreria tanto.
Por isso tinha tanto medo dele mesmo ser pai um dia. Viver é um eterno sofrimento, o garoto pensava. Só havia tristeza, só haviam pessoas apontando o dedo, ridicularizando. A única coisa que o confortava eram as calmas ruas de Pimlico, mesmo sendo pertíssimo da sede da Scotland Yard. Ver aquela neve caindo lentamente.
A neve engrossou e um vento forte bateu no seu rosto. Era difícil de respirar. Ele se levantou, e quando ficou de pé viu que flutuava, que havia perdido o chão. Seu corpo estava mais alto, mas mesmo assim sentia-se flutuando no meio do nada.
Era água, e estava muito gelada.
A água parecia lâminas de gelo perfurando seu corpo, e logo o ar estaria acabando. Al correu e nadou com toda sua força até a superfície, onde bateu de cada com uma camada de gelo. Era um lago congelado. Socou o gelo com toda sua força e o quebrou, onde enfim conseguiu tomar um ar.
Deu um pulo e subiu na superfície do lago gelado. Seu corpo tremía muito. Era muito frio, e as roupas molhadas só pareciam piorar a situação. Depois de andar em qualquer direção no lago viu uma casinha, que parecia estar abandonada. Estava completamente fechada. Sentou-se na parede e abraçou suas pernas, numa tentativa de segurar um pouco o calor no corpo.
Foi aí que uma pessoa apareceu na sua frente. Vestida com uma calça preta, uma camisa branca e um lenço vermelho amarrado no braço esquerdo. Aqueles olhos eram inegáveis, o rosto triangular e o cabelo cor de abóbora.
Era Val. Sua falecida esposa.
"Até quando vai ficar aí?", ela perguntou.
Aquilo era bom demais pra ser verdade. Porque ela estava lá? O que havia acontecido? Parecia algo tão real. Ela estava de pé na frente, olhando pra Al que estava no chão, tentando se aquecer. Al no fundo sentia um bocado de vergonha. Anos sem ver a mulher que ele mais amou e quando ela aparece, ele está nessa situação. Tentou segurar a boca que tremia de frio e se concentrou em tentar falar da maneira mais natural possível.
"Não é nada, meu amor. Estou apenas descansando", disse Al, com um sorriso amarelo.
Silêncio dominava a situação. Até que Al quebrou o silêncio.
"Já se passaram oito anos desde que você faleceu, né. O tempo realmente voa."
"Sim", ela respondeu, séria.
"E eu enfim consegui sair a inteligência, e viver uma vida nova, num novo país".
"Sim!", ela respondeu, esboçando um sorriso.
"Mas tive que voltar, pra resolver um probleminha, mas pode deixar que daqui a pouco eu volto!".
"Eu sei", ela assentiu.
"Eu sinto tanto a sua falta, sabe. Se eu voltar a sorrir com outra mulher, você vai chorar?"
"Claro que não, querido! Quero que você viva, encontre um outro amor e seja feliz. Quando você sorrir, eu sorrirei junto! Agora, por favor, vá, supere esses seus medos e garanta o futuro mais uma vez".
"Salvar o mundo. Porque um fardo tão grande nas minhas costas, né? Hahaha! Mas pode deixar, querida. Fico feliz em vê-la novamente".
"Se cuida, querido. Seja feliz!", disse a garota do cabelo cor de beringela, que lhe deu um abraço firme, que esquentou o coração de Al prontamente.
"O quê é isso?", perguntou Al.
"Algo que vai deixar seus sentidos aguçados por um momento. Algo que aprendi a fazer com as tribos locais. Não temos muito tempo a perder, vire isso de uma vez!", disse o mestre.
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Já haviam se passado dez minutos. Mas parecia que tinham passado duas horas. Al naquele primeiro momento não conseguia entender o que estava acontecendo, seu corpo parecia paralizado, tamanha quantidade de estímulos que recebia. Apenas ouvia que seu mestre dizia que era um efeito do medicamento, que a dose exagerada de início era necessária para o efeito.
Parecia que não ouvia direito o mestre, mas que suas palavras vinham diretamente na sua mente. Sem dúvida, estava num estado de semi-torpor.
"Mais de noventa porcento das pessoas que entram na inteligência são pessoas racionais. Pessoas que tem como característica não serem dominadas pela emoção. Esse é o estilo clássico, embora seja necessário a pessoa um bocado de sorte também. Seu rival, 'n' é desse estilo, e até sua falecida esposa era também desse estilo".
Al estava no chão. Seu corpo estava com uma sensação tão forte que ele virava pro teto, olhando para a noite que aparecia, e desejando no fundo fugir de lá o quanto antes.
"Porém, você é de outra polaridade. Você, discípulo tolo, é extremamente emotivo. Ri, chora, fica com raiva, e isso não seria uma característica boa para um investigador. Não mesmo! Um investigador tem que ser frio, analisar as coisas de maneira calculista, e não ficar se jogando de cabeça por aí. Durante muito tempo isso foi um tabu na inteligência. Mas eu aprimorei um método que permitem pessoas com uma mente como a sua alçar voos ainda maiores que nossos amigos mais frios".
As palavras pareciam carimbadas na mente. Al não conseguia nem mesmo resmungar nada.
"Porém, você não concluiu o seu treinamento comigo. Lembro-me até hoje de quando você resolveu abandonar tudo e ir atrás do seu irmão, e olha só você. Falhou na busca pelo seu irmão mais velho, casou-se com uma mulher que se suicidou na sua frente, vive às sombras de um rival e tem relações promíscuas com uma mulher que, na minha opinião, não vale absolutamente nada, por querer te matar dia após dia".
Os olhos de Al começaram a ficar embaçados, e aí ele viu a verdade.
Que nem mesmo à sombra do irmão ele conseguia viver. Que não era nem mesmo um centésimo do que Arch fora. Que até aquele momento havia vivido uma vida triste e vazia, confiando em poucas pessoas, com quase nenhum amigo, e sempre prestes a morrer. Mas ainda assim não morria.
"Sempre o garotinho que era chutado pelos outros da escola, né? Olhe pra mim quando estiver falando com você! Concentre-se na minha voz, caso contrário esse veneno poderá se verter contra você e causar a sua morte! Discípulo tolo! Até quando vai viver achando que seu irmão vai vir te salvar? Ele está MORTO! E se não se concentrar, vai morrer do mesmo jei...", a voz do mestre foi ficando mais e mais baixa. Distance. Longínqua.
Até que tudo escureceu.
Neve.
Al gostava muito de neve. Ele tinha voltado a ser criança, e estava sentado na escada de uma das casas que tinha, em Pimlico, Londres. Algumas pessoas passavam na rua, mas ele apenas olhava os flocos de neve caindo lentamente.
Porque nascera assim? Era sempre a criança sozinha sentada nos degraus perto da rua. Apenas seu irmão o amava, mas ele o perdeu tão cedo. Obrigado a viver sozinho, com pessoas sempre apontando o dedo pra ele, dizendo que nele corria o mesmo sangue no traidor.
Mas o irmão dele não era um traidor. E ele também não era. Mas ele sentia vergonha de si mesmo, sentia medo do que as pessoas maiores poderiam fazer com ele. Tinha medo de morrer, e em algum momento ainda na infância Al pensou que, se seus pais tivessem no mínimo tomado cuidado para que ele não nascesse, ele não sofreria tanto.
Por isso tinha tanto medo dele mesmo ser pai um dia. Viver é um eterno sofrimento, o garoto pensava. Só havia tristeza, só haviam pessoas apontando o dedo, ridicularizando. A única coisa que o confortava eram as calmas ruas de Pimlico, mesmo sendo pertíssimo da sede da Scotland Yard. Ver aquela neve caindo lentamente.
A neve engrossou e um vento forte bateu no seu rosto. Era difícil de respirar. Ele se levantou, e quando ficou de pé viu que flutuava, que havia perdido o chão. Seu corpo estava mais alto, mas mesmo assim sentia-se flutuando no meio do nada.
Era água, e estava muito gelada.
A água parecia lâminas de gelo perfurando seu corpo, e logo o ar estaria acabando. Al correu e nadou com toda sua força até a superfície, onde bateu de cada com uma camada de gelo. Era um lago congelado. Socou o gelo com toda sua força e o quebrou, onde enfim conseguiu tomar um ar.
Deu um pulo e subiu na superfície do lago gelado. Seu corpo tremía muito. Era muito frio, e as roupas molhadas só pareciam piorar a situação. Depois de andar em qualquer direção no lago viu uma casinha, que parecia estar abandonada. Estava completamente fechada. Sentou-se na parede e abraçou suas pernas, numa tentativa de segurar um pouco o calor no corpo.
Foi aí que uma pessoa apareceu na sua frente. Vestida com uma calça preta, uma camisa branca e um lenço vermelho amarrado no braço esquerdo. Aqueles olhos eram inegáveis, o rosto triangular e o cabelo cor de abóbora.
Era Val. Sua falecida esposa.
"Até quando vai ficar aí?", ela perguntou.
Aquilo era bom demais pra ser verdade. Porque ela estava lá? O que havia acontecido? Parecia algo tão real. Ela estava de pé na frente, olhando pra Al que estava no chão, tentando se aquecer. Al no fundo sentia um bocado de vergonha. Anos sem ver a mulher que ele mais amou e quando ela aparece, ele está nessa situação. Tentou segurar a boca que tremia de frio e se concentrou em tentar falar da maneira mais natural possível.
"Não é nada, meu amor. Estou apenas descansando", disse Al, com um sorriso amarelo.
Silêncio dominava a situação. Até que Al quebrou o silêncio.
"Já se passaram oito anos desde que você faleceu, né. O tempo realmente voa."
"Sim", ela respondeu, séria.
"E eu enfim consegui sair a inteligência, e viver uma vida nova, num novo país".
"Sim!", ela respondeu, esboçando um sorriso.
"Mas tive que voltar, pra resolver um probleminha, mas pode deixar que daqui a pouco eu volto!".
"Eu sei", ela assentiu.
"Eu sinto tanto a sua falta, sabe. Se eu voltar a sorrir com outra mulher, você vai chorar?"
"Claro que não, querido! Quero que você viva, encontre um outro amor e seja feliz. Quando você sorrir, eu sorrirei junto! Agora, por favor, vá, supere esses seus medos e garanta o futuro mais uma vez".
"Salvar o mundo. Porque um fardo tão grande nas minhas costas, né? Hahaha! Mas pode deixar, querida. Fico feliz em vê-la novamente".
"Se cuida, querido. Seja feliz!", disse a garota do cabelo cor de beringela, que lhe deu um abraço firme, que esquentou o coração de Al prontamente.
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