Essa maldição que se chama amor.
Lembro que há alguns meses eu estava passando os canais da tevê e vi passando um filme que eu adorava – O Tigre e o Dragão – e fiquei assistindo. Engraçado que muitas vezes eu assisto filmes prestando atenção em detalhes e esquecendo outros. Lembrava das cenas de combate, dos belos efeitos especiais, mas não lembrava da cena final.
Quando Li Mu Bai diz que sempre nutriu amor pela Shu Lien, mas que nunca conseguiu declará-lo. E justo naquele momento, próximo da morte, que ele viu que a Shu Lien ficou também a vida inteira nutrindo em segredo um sentimento por ele, talvez ele enfim tenha entendido que uma vida inteira havia perdido por um medo bobo por nunca ter colocado seus sentimentos pra fora.
Lembro que quando vi o filme eu não conseguia parar de chorar. Não lembrava dessa cena. Eu sabia que aquele também era meu destino – nutrir um sentimento por alguém, nunca declara-lo, e morrer com esse sentimento sem que ela nunca soubesse. Assim como Li Mu Bai tinha um motivo forte o suficiente para nunca revelar, meu motivo era também muito forte. Um motivo que ia de encontro com minha fé, que é tudo o que tenho hoje.
Em fevereiro eu menti pra ela. Pensei que se mentisse e eu acreditasse na mentira, ela se tornaria verdade. Mas como a lei do mundo é, tudo o que vai, volta. E aquilo iria voltar pra mim, cedo ou tarde. Só esperava que fosse daqui uns 50 anos no mínimo, e não em alguns meses.
O estômago. Estômago, aquele que é o invólucro dos nossos sentimentos. O mundo espiritual sempre me indicava: “Seu estômago”. Era apenas a dica, havia algo para se resolver. Obviamente os budas sabiam exatamente o que se passava comigo – eram meu confessionário espiritual – mas nunca foi indicado precisamente isso. Porquê? Simples. Acho que se eu ouvisse tais palavras eu negaria até a morte. Quem deveria achar a resposta era eu, e a única dica que recebia era “estômago”.
E francamente, não sabia. Mas a coisa que mais me abalava nesses três meses era esse sentimento. Talvez, você caro leitor, possa perguntar: “Mas oras, porque não foi lá e se declarou?”. Primeiro que eu sabia a resposta. Não sou o tipo dela, e nem tenho as condições financeiras de lhe dar uma vida confortável. E a segunda, era que numa conversa há quatro anos, na primeira vez que nutri algo por ela – na época, por pura e simples carência mesmo, não nego – a resposta dura e grossa de uma amiga foi o fator decisivo para que eu nunca falasse nada.
“Todos os romances dela são por atitude dela, se ela gosta de alguém ela é bem direta. Vocês são muito diferentes, você nem faz ideia, o tipo de homem que ela gosta não tem nada a ver com você. Vocês jamais seriam felizes. Ela ficou mega brava comigo um dia quando achou que eu estava te empurrando pra ela.”
E era nisso que eu me apegava pra nunca falar nada. E de fato, não queria nunca, jamais falar isso. Pensava que isso iria passar como da primeira vez, mas aí a coisa ia só piorando. Ficava pensando nela dia e noite, ia pro meu altar meditar e orar um pouco. Depois encontrava com ela e ficava ainda mais tenso, e fazia esforços monumentais pra manter distância dela. Até mesmo dar um beijinho na bochecha eu negava, e mesmo sendo homem e mulher, só cumprimentava ela com um aceno. Bem de longe.
E acima de tudo era um sentimento errado. Eu era o meu próprio censor. Eu já havia me metido em confusões duas vezes por nutrir sentimentos, mas errar uma terceira vez? Que ridículo isso, eu só dava problema para as pessoas. Não queria cometer um terceiro erro, por isso naquele dia que vi a cena do Li Mu Bai prometi pra mim mesmo que jamais falaria disso, que levaria uma vida tranquila e normal, mas que nunca falaria a verdade pra ela. Jamais.
Mas aí o estômago não parava de ser indicado. E o que era apenas um friozinho na barriga foi piorando. Até o momento em que as dores eram tão terríveis que pareciam me sugar completamente. Até aquele momento eu não queria nunca falar isso, mas aí um dia conversando com ela, enquanto ia ao banheiro por conta da dor eu disse: “Escuta... Terça-feira podemos conversar?”. Na hora que ela disse que sim, estranhamente a dor sumiu. Mas ainda assim continuei a ir ao banheiro – não estava me sentindo bem em ficar lá vendo ela, com meu coração e meu estômago doendo.
E chegou a terça-feira. E depois de explicar tudo eu me declarei. Acho que nunca vou esquecer a cena dela balançando a cabeça negativamente e falando não um “não”. Mas algo pior que um não: “Mas você sabe que comigo não deve nutrir esperanças, né?”. Sorrindo. Francamente, gostaria de saber se alguma vez na vida ela seria séria comigo, e não falaria comigo com esses risinhos que eu detesto quando quero que seja séria. Se alguma vez na vida não ficaria com esses risinhos automáticos como se pra mim a vida fosse simples sorrir e uma eterna piada.
Aquilo não era uma piada, eu estava entregando os meus sentimentos pra ela, eu estava cruzando o grande deserto ameaçador, estava com toda a coragem do mundo, mesmo sabendo que aquilo não poderia dar certo, mesmo que meu desejo era nunca revelar aquilo, mesmo que meu desejo era voltar no tempo e dar um soco na minha cara quando passava mal em nutrir um sentimento por alguém que eu jamais poderia me declarar, a resposta dela foi um desprezo sorridente que acabou ainda mais comigo.
Mas acima de tudo meu maior medo era perder a amizade. Não era o amor. A amizade veio primeiro. Era ela como o grande sustentáculo da minha mudança como pessoa, da minha maturidade, tudo por conta das imensas ajudas que ela me ofereceu durante todos esses anos – mesmo que ela estivesse distante em diversos dos momentos decisivos – ainda era a amizade que eu mais lutaria pra manter. Pois afinal, ela é importante demais na minha vida, e eu não conseguiria nunca viver sem a sua amizade. Jamais.
Mas eu sabia que ela é imatura. E muito perdida nos sentimentos. E sabia que ela jamais teria capacidade de manter as coisas como são depois da declaração. Absolutamente todo o universo conspirava contra.
E no final das contas a resposta dela obviamente foi “não”. Afinal, de onde eu tirei esperanças?
E esse sentimento era totalmente errado e idiota, e se eu pudesse apagar, eu apagaria sem dó. Mas não. Eu nutri uma esperança vazia, mesmo sabendo qual seria sua resposta. Nutri um amor por uma pessoa que eu sabia que com toda certeza me diria um não. O mesmo não que eu recebi pela amiga dela, há quatro anos atrás. Menti, disse que jamais ficaria com uma pessoa como ela, mas menti em prantos... Chorava, chorava e chorava pois eu sabia que isso era impossível, mas que de alguma forma minha alma mesquinha e imbecil ainda nutria essa esperança idiota por esse droga banal que destrói vidas, amizades, relacionamentos e tudo a nossa volta. E o pior. Ainda fazem filmes por aí pra enganar as pessoas, vendendo a ideia de que amor existe, de que romances são possíveis, e que pessoas na vida real se amam. Mentira. Isso que nos filmes e novelas é tudo mil maravilhas, mas na vida real só traz desgraça, destruindo amizades, vidas e tudo o que construímos com muito esforço durante anos.
Pensei que enfim estava livre, e por muito tempo no ano passado vivi bem. Vivi feliz, sem gostar de absolutamente ninguém. Mas por você, esse sentimento nasceu, eu o menosprezei pois pensei que o controlaria como há quatro anos, mas ele me engoliu. Me fez passar mal do estômago como nunca sentira antes. Me fez prometer coisas que eu depois descumpri e acima de tudo quebrou meu coração, como eu já sabia desde o começo.
Essa maldição que se chama amor.
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