Doppelgänger - #55 - É hora de se decidir.

Nataku estava caminhando com a senhora Saunders na ponte Vauxhall, com o MI6 ao fundo. O vento gelado daquela tarde soprava fortemente, deixando a sensação térmica ainda pior. Eles olhavam pro Tâmisa, que batia levemente nas bordas cimentadas, destacando as boias salva-vidas vermelhas que davam um ar ainda mais bucólico para aquele lugar.

“Como você, uma advogada, tem acesso a isso tudo?”, perguntou Nataku.

“Advocacia é minha profissão. Mas eu faço parte de um time de insiders bem maior. Acho que você pense que eu tenho alguma força, ou controle de informações, mas nós apenas sabemos como a máquina funciona. Deixa eu fazer um desenho aqui para você entender”, disse Saunders, tirando um guardanapo do bolso e uma caneta.

“Nesse círculo tem o governo. O governo tem seus agentes, que garantem que a lei e suas vontades sejam atendidas. Aqui temos todos os agentes, pessoas anônimas, que provavelmente tampouco suas famílias ou amigos saibam quem realmente são. Do outro lado temos todas as pessoas que fazem atividades ilegais. Ladrões, assassinos, passando por grupos terroristas, e traficantes. São pessoas que suas ações vão de encontro contra o que o Estado estabeleceu. Isso é simples de se entender, certo?”, disse Saunders.

“Sim, continue”, disse Nataku.

“Um insider é uma pessoa totalmente passiva. Nós apenas observamos, mas não somos como os agentes. Entenda que até mesmo os agentes são meros peões do Estado, podem ser manipulados e acreditarem no que o Estado acredita. Nós os Insiders somos os que vemos o conjunto todo. Por exemplo, se eu te falar que o Terrorismo árabe é o que menos mata pessoa na América e Europa, isso te deixaria abismado?”, disse Saunders.

“Como? Então o radicalismo islã não é uma ameaça?”, disse Nataku.

“Não! Para um atentado que ocorre na Europa ou Estados Unidos ocorrem uma centena deles no Oriente Médio. Lá sim que a coisa tá muito feia, mas dificilmente é noticiado, embora seja noticiado de fato. Existe apenas uma verdade, mesmo que o povo esteja numa histeria contra os pobres muçulmanos, eles são vítimas dos próprios grupos radicais dentro dos países deles também, em uma escala muito maior. Sem contar que a quantidade de terrorismo de grupos separatistas na Europa, por exemplo, sempre foi infinitamente maior que os ataques de terroristas árabes. No fundo, eles nunca são movidos por religião. São tão doentes quanto aqueles moleques nos Estados Unidos que entram armados em escolas e matam todo mundo. Só que a mídia faz acreditar que eles são uma ameaça ao mundo... Muito por interesse econômico, sabe? Imigração, pagar benefícios do governo, dar emprego e estudo para essas pessoas que migram para os países e mantém sua cultura e costumes. Isso sim que é uma das coisas que movem essa xenofobia toda”, disse Saunders.

“Nossa... Mas você tem essas informações. Você poderia mostrar a cara, e meio que abrir os olhos do mundo!”, disse Nataku.

“Não. Primeiro que somos um grupo pequeno. Somos apenas umas vinte pessoas. Segundo que não temos influência nenhuma. Numa ditadura, por conta do controle de informações, pessoas têm a tendência de acreditar em pessoas cuja credibilidade é atestada por outras. Isso pode ser um perigo também, dependendo dos valores que essa pessoa passar. Mas em democracias, eu sou apenas uma voz a mais. Tem tanto valor quanto qualquer outra. Não sou a imprensa... E mesmo que fosse, a imprensa é sempre a mais manipulada e manipuladora de todas”, disse Saunders.

“Ainda não entendo uma coisa... Por que então você diz que sofre perigo de vida?”, perguntou Nataku.

“Nataku... Todas as informações que eu te dei já é de conhecimento do Al, talvez até Victoire e Agatha sabem também. Mas os insiders contém informações valiosíssimas que levariam o Ar de bandeja até o Al. Por isso que o Ar queria me tirar de lá. O Al está em estado ‘disavowed’, não está autorizado a fazer nenhuma ação de espionagem, toda sua busca é ilegal. Só que, por uma brincadeira do destino, nem o Ar, nem o Al colocaram as mãos em mim. E sim... Você”, disse Saunders.

“O que você quer dizer com isso, Saunders?”, perguntou Nataku.

“Vai de você. O que eu quero dizer é que a escolha é sua. Eu posso te dar a informação. Vai de você fazer o que bem entender com ela. Pode receber a informação e ignorá-la, voltando para o Ar e deixando tudo morrer com você, ou pode entregar tudo pro Al, e fazê-lo saber o que existe por trás da Insurreição de Arthur Blain”, disse Saunders.

“Ainda não consigo entender o que move o Ar a fazer isso. Controle das economias, agentes, terrorismo econômico...!”, disse Nataku.

Saunders encostou na ponte, olhando pra cima.

“E eu teria que escolher um lado? Isso não é fácil, Saunders. Eu não confio em nenhum dos dois, nem no Al, menos ainda no Ar. Mas mesmo que eu consiga a informação, é como você disse, se eu ficar calado, seria como ajudar o Ar indiretamente”, disse Nataku.

A senhora Saunders deu um risinho. Algumas pessoas passavam pela ponte naquele momento. Um homem, vestindo um sobretudo branco, chapéu, e um sorriso amigável parou na frente para pedir informações.

“Eu estou procurando a estação Vauxhall. Por onde que é?”, perguntou o turista.

“É seguindo nessa direção...”, nessa hora Nataku ouviu um zumbido agudo bem forte, vindo do celular desse homem.

Não era um zumbido muito alto, era agudo e mal dava pra ouvir, mas deu pra se perceber que vinha do celular dele. O telefone móvel do homem estava apontado pra Saunders, que entrou em pânico. Depois de poucos segundos o homem guardou o celular e continuou andando. Nataku mal teve tempo de reação, ou de ir atrás do homem, quando Saunders caiu de joelhos no chão.

“Droga, merda! Ativaram a bomba em mim! A carga... No meu cérebro! Me escute bem Nataku... Vou ditar um... Endereço. Memorize-o... É minha casa... E você vai encontrar pistas... Sentado no banheiro!”, disse Saunders, que logo após isso, passou um endereço, repetindo-o três vezes.

“Por deus, Saunders! Não morra, eu vou levar você pro médico, você vai ficar bem! Você é a única pessoa que eu confio!”, dizia Nataku enquanto segurava Saunders.

Naquele momento a ponte de Vauxhall estava vazia. Só haviam Nataku e a senhora Saunders. Ela não conseguiu dizer mais nada depois do endereço, e sangue pingava do seu nariz. Suas pupilas haviam perdido o foco, e ela morreu, nos braços de Nataku.

Nataku detestava ver mortes. Mas parecia que toda pessoa que ele encontrava acaba morrendo. Por mais que ele tivesse sido treinado pela Inteligência ele se perguntava porque a vida das pessoas valia tão pouco? Porque matar as pessoas dessa forma, gratuitamente? Acabar com toda uma vida de possibilidades. De fato, o trabalho na Inteligência não era diferente do Crime. Sempre o custo de um erro de cálculo era a vida. Não eram Porsches que soltavam mísseis, ou jogos de pôquer em cassinos. Era uma luta pela sobrevivência de pessoas que não tinham direito a um passado e nem um futuro.

O jovem Nataku se recompôs e deixou Saunders lá. Provavelmente a polícia iria ver e averiguar, e se ele estivesse junto, seria péssimo. Nataku correu para o ponto de ônibus mais próximo e se dirigiu para o endereço que Saunders havia dito.

Agora ele estava mergulhado até o pescoço nisso.

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