Doppelgänger - #69 - Aquilo que é dotado de beleza e desespero.

Sara estava flutuando no ar. Seus braços abertos pareciam ter Agatha como presa. Parecia um ser pronto pro abate a qualquer momento. Por outro lado, Agatha continuava no chão, em pé, mirando em Sara.

"Onde está o Ar? Vamos, me diga!", disse Agatha, ameaçando com a arma.

"Eu consigo ler sua mente como um livro aberto", disse Sara, ignorando Agatha.

Agatha estava sem paciência. Al havia mandado trazer às pressas uma pessoa, e o último dia em especial foi todo usado para um treino específico com essa pessoa. E ela sabia que essa pessoa estava ali, próximo, mas presente. Mas pelo estado mental de Sara talvez sequer iria precisar disso.

"Chega disso. Você pode ler minha mente, mas e daí? Vai por acaso parar a bala em pleno ar?", disse Agatha, carregada na ironia.

Agatha puxou o gatilho, mirando no joelho, uma das partes que mais doem no corpo caso se leve um tiro. Mas inexplicavelmente Sara flutuou pra esquerda milésimos antes depois do gatilho ter sido acionado. Agatha ficou surpresa.

O quê? Não... Deve ter sido coincidência. Vou despejar agora vários tiros, quero ver se escapa agora!, pensou Agatha.

A rajada de tiros foi disparada, ainda assim por mais que ela virasse pra esquerda Sara parecia sempre conseguir escapar por milímetros do tiro, dando até mesmo a impressão de que os tiros estavam acertando seu alvo. Mas na verdade ainda estavam passando ligeiramente longe - milímetros, mas ainda assim, fora do alvo.

"Eu te disse! Eu posso ler sua mente como um livro aberto, Agatha! Eu sou imbatível, ninguém nunca vai conseguir acertar um tiro em mim, se eu fosse você, desistiria. Ajoelhe-se na minha frente!", disse Sara.

"Rá... Nem fudendo. Que coisa mais anos oitenta... Ajoelhar? Estamos em 2012. Ninguém faz mais isso, você tá parecendo vilã de filme B. Você só consegue escapar de uma bala ou outra, quero ver se consegue escapar dessa", disse Agatha.

Agatha saiu correndo em volta de Sara. Como estavam em um estacionamento, haviam muitas pilastras ao redor do local. O plano era ousado, mas merecia o teste. Agatha atirou não diretamente nas pilastras, mas num ângulo ligeiramente diagonal. Ela gostava de brincar nisso nos tempos que começou como agente na inteligência. Uma avançada técnica de ricocheteio de tiros, mas que haviam anos que ela não testava.

"Ah!", gritou Sara, de dor. Algo a havia acertado.

Um tiro pegou em cheio no braço de Sara, que gritou de dor. Mas Agatha havia basicamente furado várias pilastras, e desperdiçado muitos tiros nessa brincadeira pra um resultado pífio. Realmente estava enferrujada.

"É só isso que pode fazer, Agatha?", disse Sara, aproximando-se do ombro de Agatha furtivamente, assustando-a, "Vou te mostrar o que eu realmente posso fazer".

Sara estendeu os braços e deu um grito. Fogo parecia brotar dos seus braços, e logo estava queimando uma parte do chão daquele estacionamento.

"Você é louca? Estamos no subsolo! Se o prédio desmoronar com esse fogo nós vamos...", disse Agatha, interrompida.

"Nós não. VOCÊ! Você é quem vai morrer!", disse Sara, que continuava jogando rajadas de fogo saindo das suas mãos.

Merda, merda, isso deve ser um truque. Deve ter alguma coisa acoplada nela, tipo um lança chamas, sei lá. Isso é impossível! Não dá pra criar fogo desse jeito com forças psíquicas. Nunca ouvi falar disso dentro da Inteligência. Ou dá?, pensou Agatha.

"Não é um truque, Agatha", disse Sara, envolta de chamas.

Agatha ficou calada olhando para aquela cena.

"Isso é tudo uma amostra do que eu fiz pra te superar, Agatha. Tudo por todos esses anos de humilhação. Por você ser quem você é achando que todas as pessoas possam ser como você. Vou fazer questão de te matar aqui e agora! E assim, enterrar junto o que você representa pra todas nós que lutamos por mais igualdade para nós mulheres!", disse Sara.

"Nossa! Quer dizer que esse fogo todo é só para isso? Eu já te achava meio louquinha, mas agora eu tenho é certeza disso. Você acha que isso é uma luta de ideologias, mas nunca foi, pois a única ideologia que existe aqui é a sua. Eu sou livre e faço o que eu quiser, e não vai ser um movimento, menos ainda umas desmotivadas como você que acredita nessa bosta que acham que podem forçar as pessoas a respeitarem vocês se vocês não arregaçam as mangas e vão pra luta. Como eu disse, nunca um homem vai me fazer abaixar a cabeça... Pois todos estão já aos meus pés", disse Agatha.

"Chega de asneiras! A próxima rajada vai ser direto em você!", disse Sara.

"Sabe o que mais me deixa intrigada?", disse Agatha, ganhando na retórica.

Sara ficou calada.

"É que há momentos atrás você estava realmente afim de mim. Chega a soar irônico como uma pessoa como você diz que nutriu um ódio mortal por mim todos esses anos e aparece assim, querendo me amar. Você sabe... Nós da Inteligência aprendemos a fazer cenários psicológicos para entender o comportamento dos nossos alvos. Tenho dois cenários, limpe bem esses ouvidos para me ouvir, está bem?", disse Agatha.

"E qual a sua teoria?", disse Sara.

"O primeiro cenário é que o ódio se transformou em amor. Isso é bem comum, muitas pessoas acabam negando seus sentimentos por outra pessoa e, dentro da sua própria incapacidade de controlar esses sentimentos, reagem com raiva, achando que podem tirar essa pessoa à força de suas vidas. O segundo cenário é que talvez você tenha algum psicopatismo - para isso não se assuste, eu também não tenho muito discernimento, talvez seja por isso que entrei na Inteligência - porque pra uma pessoa fazer o que você faz só deve gostar de sofrer mesmo. Especialmente auto-sofrimento", disse Agatha, ressaltando a ironia na última frase.

Agatha tentou mais uma vez desferir tiros, mas nada. Ela sequer conseguiu trocar o pente reserva quando viu uma enorme bola de fogo vindo na sua direção. Aquilo era dotado de beleza e ao mesmo tempo desespero. Uma enorme bola alaranjada voando lentamente em sua direção.

Nesses momentos próximos da morte as coisas em nossas vidas parecem estar em câmera lenta. Faltando poucos centímetros para a bola acertar, Agatha deu um salto pra esquerda, se protegendo atrás de uma pilastra, vendo a bola acertar o chão e explodir. A onda de choque voltou um pouco pra cima de Sara, que virou seu rosto pra se proteger.

Aquela era a hora!

Agatha deu um salto saindo da pilastra e deu uma corrida até onde Sara estava. Quando apenas menos de dois metros a separavam da psíquica, a holandesa desferiu vários tiros. Mais da metade do seu último pente de balas foi usado, e ela viu cada uma das balas acertando as costas de Sara. O som parecia denunciar que estava realmente sendo alvejada, pois parece que o próprio fogo que Sara havia criado a estava consumindo.

Vitória!

Agatha parecia aliviada. Aquele fogo todo estava deixando aquela sala sem possibilidade para até mesmo se respirar, sem contar o calor. Agatha transpirava, pingando de suor no chão, enquanto se sentia sendo assada viva. Provavelmente não conseguiria sair de lá tão facilmente. E nesse ponto, parecia que o prédio todo estava prestes a ser consumido pelo fogo - isso é, se já não estivesse sendo consumido.

Ah... Agora tenho que dar um jeito de sair daqui, pensou Agatha.

Porém, quando ela se virou, deu de cara com Sara. Pelo visto aquele corpo que ela alvejou de tiros era uma ilusão.

"Aonde pensa que vai? Não terminei ainda contigo", disse Sara.

Agatha pela primeira vez em muitos anos sentiu medo. Estava encurralada.

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