Doppelgänger - #79 - Confiança.

Os tiros formaram um barulho intenso durante quase um minuto. Eram mais de três metralhadoras, sem dúvida. O som dos tiros cessaram, e o barulho de um carro arrancando foi ouvido.

Eliza Vogl estava em prantos. Seus olhos vermelhos de tanto chorar, nariz saindo catarro e um grito estridente.

"Vovó!! Vovó!! Eu quero minha avó!! Vovózinha!! Vovó!!", gritava Vogl, enquanto Nataku a segurava pra ela não ir.

"Espera, Liza! Espera!!", gritava Nataku, tentando tranquilar Eliza que não parava de gritar pela sua avó.

A parede na frente estava cheia de buracos. Os tiros haviam passado e destruído tudo na cozinha atrás deles. A porta também foi toda destruída com a explosão e os tiros. Eliza Vogl não parava de gritar, nunca tinha visto tamanha crueldade.

Os gritos dela, embora estivessem muito altos, ficaram ainda mais altos quando a porta, toda em frangalhos, se moveu com o vento gelado se abrindo, e aí Eliza Vogl viu apenas o braço da sua avó na bancada da cama, estirado, cheio de sangue e buracos.

"NÃÃÃÃOOO!! VOVÓ!!! NÃO ME DEIXA, VOVÓ!! EU SÓ TENHO VOCÊ NA VIDA!! ME SOLTA, ME DEIXA LIGAR PRA POLÍCIA!!", gritava Vogl.

Nataku saiu de cima dela e a segurou pelos ombros. Embora ela fosse apenas uma menina de nove anos, parecia ser forte como um gorila.

"Liza, Liza, olha nos meus olhos, me ouve", disse Nataku, tentando trazer Liza de volta, "Não podemos chamar a polícia! Tem pessoas do Ar infiltradas na polícia também, eles iriam te pegar e aí sim te matar. Eles acham que te mataram também, se você chamar a polícia vai acabar sendo morta! Eu te prometo que vou te proteger, eu juro pela minha vida, mas preciso que você venha comigo. Confie em mim, por favor", disse Nataku.

Os vizinhos perceberam o som e estavam se amontoando na frente da varanda da casa com a janela do quarto da velha Candice Murphy. Seu corpo era apenas um amontoado de carne, totalmente desfigurado. Ninguém entendia o que estava acontecendo.

"Venha, vamos fugir pelos fundos!", disse Nataku, agarrando firme na mão de Eliza.

Havia apenas uma muro baixo dividindo o quintal dos fundos dela com a casa na frente. Nataku pulou e entrou sorrateiramente na casa, saindo pela porta da frente do outro lado. Eliza não estava gritando pela avó, mas chorava muito.

Droga... Acho que fui muito enérgico com ela. Por mais que ela seja um gênio super-dotado ela não passa de uma menina! E agora está envolvida até o pescoço nessa confusão toda... Droga. E meu carro está do outro lado, estacionado na frente. Como vou passar sem que percebam?, pensou Nataku.

O som de carros da polícia começou a ser ouvido ao longe. Nataku tinha que pensar em algo, rápido.

"Liza, espere aqui", disse Nataku.

Nataku correu pra dentro da casa do vizinho de Vogl e começou a procurar alguma coisa. Achou as chaves de um carro junto de um molho de chaves da casa. Perfeito. Agora só tinha que encontrar o carro.

"Minha vizinha tem aquele carro", apontou a menina pra um Fiat 500, "Talvez seja a chave de lá".

Nataku desativou o alarme no controle remoto da chave e colocou a chave na fechadura, girando-a. O carro abriu, e Vogl entrou. Era um carro apertado e pequeno, mas era uma solução emergencial para aquele momento.

- - - - - -

Nataku dirigiu até Wood Green e deixou o carro na rua, indo até uma loja de conveniência. Comprou água e alguns doces. Passou num mercado de roupas e comprou algumas roupas quentes infantis, no tamanho dela. Vogl estava de pijamas ainda, e passando muito frio.

"Liza, beba um pouco de água", disse Nataku, já no carro, oferecendo à menina.

Eliza Vogl não parava de chorar. Nem ligou pra água que Nataku havia trago.

Ai, ai... Justo uma menina? Se fosse um adulto seria muito mais fácil... Não tenho paciência com essas pirralhas, pensou Nataku.

Ele virou-se pra frente, olhando pro movimento das pessoas ao longe. O ar condicionado estava desligado, mas não estava muito frio de acordo com o termômetro do carro. Além de chorar, Vogl estava com os braços cruzados, passando muito frio.

"Olha, eu trouxe esse casaco pra você. Tá muito frio lá fora, e tem essas calças também", disse Nataku. A menina continuou ignorando.

Nataku então colocou a blusa por cima dela, improvisando um cobertor, já que ela se negava a vestir.

Mas ainda assim a menina não parava de tremer.

"Você mesmo com essa jaqueta te cobrindo ainda tá sentindo frio?", disse Nataku.

E pela primeira vez depois de todo esse tempo, Vogl falou.

"Não é frio aqui fora. É frio aqui dentro", disse Vogl, apontando pro coração dela.

Nessa hora os olhos de Nataku lacrimejou. E viu que aquela menina sentia exatamente o que ele sentia. Nataku também sentia um vazio no peito dele, que ele nem mesmo sabe direito do que sente falta, pois sofreu lavagem cerebral e não se lembrava de muita coisa concreta. Talvez esse vazio seja de algo que ele perdeu quando estava na sua outra identidade que nunca conseguiu recuperar. E agora, enfim, parecia que havia encontrado alguém que compartilhava do mesmo sentimento que ele.

Nataku pegou nas mãos de Vogl. Estavam geladas.

"Escuta. Eu ouvi um ditado que pode te ajudar. Quem tem mãos frias, é porque tem o coração quente, e amor pra sempre. Sua avó queria que você vivesse e se tornasse uma grande mulher. E eu sei que talvez eu não seja mesmo um super guarda-costas, mas me dá a chance de te proteger, tá? Eu prometo pela minha vida, Liza, que vou te proteger de tudo, custe o que custar. Nos conhecemos hoje, e você teve emoções demais pra um dia, mas deixe tudo comigo. Apenas confie em mim", disse Nataku.

Vogl balançou a cabeça positivamente. Ela não tinha muita escolha.

Nataku pegou a sacola e tirou uma barra de Dairy Milk, uma marca de chocolate ao leite. Quebrou um quadradinho e ofereceu pra Vogl.

Aquele doce a confortou muito. Os olhos da menina estavam agora apenas vermelhos. Não estavam mais derrubando lágrimas, pelo menos.

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